Arquitetos, precisamos falar sobre decoração

Ao analisar a diferença entre distintas escalas e trabalhos da arquitetura, levantamos a questão de como a decoração é vista com certo estigma e inferiorizada por parte da classe profissional. Para aprofundar o debate, questionamos vocês, nosso público, sobre os possíveis motivos dessa impressão. Recebemos 108 respostas, das quais selecionamos alguns argumentos e dados que ajudam a compreender um panorama deste cenário.

Quando questionadas se recusariam ou não algum trabalho voltado exclusivamente à decoração, 76% responderam que aceitariam tais demandas, enaltecendo que este é um dos campos que fazem parte da profissão e de fundamental importância para a relevância do projeto arquitetônico como um todo. Além disso, destaca-se que, muitas vezes, é no campo decorativo que muitos profissionais encontram sua principal fonte de renda. Entre as 24% que recusariam, 35% afirmam que não se sentem preparadas ou que tenham conhecimento suficiente para aceitar a encomenda. 

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Apartamento XVII / Studio Razavi architecture. Foto: © Simone Bossi

Lacunas na educação

Junto daqueles que não se sentem capacitados para lidar com esse campo, muitas pessoas lamentaram o modo como graduações de arquitetura no país abordam de forma débil o espaço interior em seus currículos. Jorge Codevilla, arquiteto de Fortaleza, afirma que "dentro das faculdades de arquitetura sempre se valoriza muito os grandes projetos, deixando o interior em segundo plano, isso vai criando uma ideia para algumas pessoas de que a decoração de interiores não é importante". Já a arquiteta paulista Romila Rocha, relata que "estudamos muito pouco essa área na faculdade, portanto temos menos contato, aprendemos interiores dentro dos escritórios".

Uma das questões que se levantam aqui é o papel da academia. Se parte de sua responsabilidade é preparar os profissionais para o mercado - e atualmente uma parcela considerável dele gira em torno dos espaços interiores - estaria ela cumprindo seu papel? O motivo de manter esse tema em segundo plano seria motivado pelo preconceito que aqui tentamos desvendar? 

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Apartamento New York / Reutov Design. Foto: Courtesy of Reutov Dmitry, Gerner Ekaterina

Machismo e homofobia na profissão

"O reconhecimento da arquitetura é um feito ao masculino. Pouquíssimas mulheres são premiadas ou citadas na história da arquitetura. A decoração é uma atividade reconhecida como das mulheres ou gays, sendo tratada como uma atividade de menor prestígio por ser menos técnica, menos masculina. Concluindo, é fruto de muito preconceito, machismo e construções sociais que valorizam o conhecimento matemático como uma inteligência superior às artísticas, entre outras." - Cyntia Ayres Guimarães, arquiteta em São Paulo.

Vivemos numa sociedade movida por uma estrutura patriarcal e isso influencia diretamente em todas nossas ações e reflexões. A citação acima resume como a visão social interfere no modo como julgamos aquilo que deve ser valorizado ou não.

Nas respostas recebidas, o exercício de decoração também foi citado como a fuga de um espaço opressor de trabalho no qual sempre se duvida da competência feminina ou homossexual, ou seja, decorar ambientes se tornou um campo de atuação mais seguro emocionalmente para pessoas que sofrem com abusos psicológicos no ambiente de trabalho. Tânia Alves Magro ressalta a questão colocada por uma "visão machista e elitista de que para conceber um projeto (...) o decorador e o designer de interior apenas deve ter bom gosto, senso artístico, atributos normalmente associados ao sexo feminino", fatos que ajudam a diminuir a importância de tal ofício, mas também a perpetuar preconceitos que, vale lembrar, são considerados crimes pela constituição brasileira.

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Interiores da Casa Fazenda Boa Vista / Bruno Carvalho Design SP + Studio MK27. Foto: © Favaro Jr.

A questão profissional e a desinformação do público

A falta de necessidade de uma formação ou regulamentação para exercer a decoração também é um dos fatores que reforça o descrédito desse ofício segundo grande parte das respostas recebidas. Junto disso, o estudante de arquitetura Anderson Sampaio acredita "que a falta de informação, clara e de fácil acesso pode compor um conjunto de fatores que contribuam para esse estigma. No Brasil, (...) há preferência de uma parcela grande da população em priorizar outros profissionais e não aquele que pensará o projeto (arquitetura) por questões financeiras e econômicas ou a 'cultura' difundida de que arquitetura é coisa de rico". 

"Olhando para dentro da profissão, a relação não bem resolvida entre arquitetura x engenharia (com desavenças institucionais e de conselhos) colabora um pouco para essa questão do estigma em relação à decoração. Na qual, a classe da Arquitetura se sente desconfortável em se 'resumir' a projetos relacionados à decoração." - Anderson Sampaio, estudante de arquitetura no Rio de Janeiro.

Nesse sentido, a arquiteta curitibana Amanda, adiciona que nesse cenário existe uma atenuação do papel do arquiteto, "já que as engenharias também querem fazer projeto arquitetônico, fica simples reduzir o arquiteto a somente decorador, e assim o mercado acha que é muito caro contratar um arquiteto 'só pra escolher as cores das minhas paredes', então eu vejo que os arquitetos tentam se afastar disso um pouco".

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Casa Sforza / Taller de Arquitectura X / Alberto Kalach. Foto: © Alex Krotkov

A busca por respeito e parcerias frutíferas

O fato de que a decoração sempre poderá ser exercida por qualquer pessoa, especialista ou não, é inegável. É através dela que cada indivíduo consegue trazer sua personalidade, memórias e inspirações para o ambiente físico. No entanto, buscar ajuda profissional significa aprimorar a qualidade do espaço e, principalmente, trazer saberes técnicos que influenciam diretamente no conforto e experiências sensoriais que podem ser criadas em cada ambiente.

Em geral, destaca-se a necessidade de compreensão da importância das diferentes atividades que um arquiteto pode realizar e como um designer de interiores ou decorador pode interferir de forma respeitosa na obra construída por outra pessoa - no caso de uma intervenção posterior ao processo projetual do edifício -, como nos lembra o arquiteto capixaba Jonas Souto ao afirmar que "muitas vezes o arquiteto elabora um projeto, especifica os materiais com esmero e depois aparece um decorador e o descaracteriza". Para concuir, ele sugere a possibilidade de parceria entre ambas as profissões para um melhor resultado, o que parece certeiro, pois é a partir da troca que se aprende novas formas de conceber e refinar um espaço.

Por fim, em contato com profissionais mais qualificados de decoração, sejam arquitetos ou não, o projeto pode se tornar mais eficiente, barato e personalizado para satisfazer o cliente. Mais do que isso, Jaqueline Frauches, arquiteta de Belo Horizonte, nos lembra que "tem melhorado muito o reconhecimento da decoração como essencial para a qualidade de vida do indivíduo e melhoria de produtividade nos ambientes de trabalho". Seja a influência psicológica que ela traz ou apenas uma questão de trazer a cor predileta para o espaço, o modo como habitamos e concebemos o espaço interior, é o que dita onde passaremos grande parte do nosso tempo, por isso, para além de uma questão meramente estética, a decoração apresenta uma abordagem essencial no campo arquitetônico.

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Sobre este autor
Cita: Equipe ArchDaily Brasil. "Arquitetos, precisamos falar sobre decoração" 18 Jul 2021. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/964163/arquitetos-precisamos-falar-sobre-decoracao> ISSN 0719-8906

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