Buscando responder a intrigante pergunta proposta por Hashim Sarkis como tema central da 17ª Bienal de Arquitetura de Veneza, “Como viveremos juntos”, diversos arquitetos e curadores dos pavilhões nacionais apresentaram uma série de propostas e leituras sobre os principais problemas e as mais recorrentes questões que permeiam a nossa disciplina. A inquietação do curador da Bienal de Veneza de 2021, foi encarada como um chamado à comunidade de arquitetos “a imaginar espaços que nos permitam viver juntos generosamente”, espaços que não sejam limitados por contratos ou regras e sejam suficientemente flexíveis para acolher uma maior diversidade de pessoas, promovendo a sensação de pertencimento ainda que em um lugar completamente alheio a nossas próprias raízes. Ao contrário do que foi visto ao longo das últimas décadas, a migração hoje não é mais um fenômeno local—do campo para a cidade—, e sim uma questão bastante abrangente, complexa e que transcende fronteiras. As novas tecnologia e a consequente transformação dos espaços de trabalho, além é claro da recente pandemia, alteraram profundamente a forma como nos relacionamos com o espaço construído e não-construído. Atualmente, 85% dos nossos afazeres diários podem ser cumpridos sem precisarmos sair de casa. Dito isso, o que estamos observando no mundo hoje, é uma necessidade cada vez maior de flexibilizarão dos nossos espaços construídos e habitáveis.
As novas gerações parecem cada dia mais abertas à própria noção de migração ou deslocamento, seja por razões econômicas, sociais, ambientais, acadêmicas ou políticas. Talvez, estejamos sendo impulsionados pelas novas tecnologias e tudo aquilo que ela nos permite. Ainda assim, não podemos deixar de reconhecer que, embora lentamente, estamos avançando em uma série de questões sociais e culturais, com a crença de que o conforto, a segurança e a liberdade devem estar sempre em primeiro lugar. Neste contexto, os principais curadores da Bienal nos convidam a refletir sobre os processos migratórios e suas muitas manifestações, sua evolução e os possíveis impactos no futuro das cidades. Neste movimento, uma série de questões permanecem latentes: Em que tipo de cidades queremos viver em um futuro próximo? Qual será o papel das áreas rurais no processo de crescimento populacional do planeta? Para onde vamos e de onde viemos? E como projetar espaços e cidade que sejam capaz de operarem as mudanças que se fazem tão necessárias atualmente?
Switzerland: Oræ – Experiences on the Border
Concebido por uma equipe multidisciplinar de arquitetos e artistas da cidade de Genebra, entre eles Mounir Ayoub e Vanessa Lacaille do escritório Laboratoire d'Architecture, o cineasta Fabrice Aragno e o escultor Pierre Szczepanski, o pavilhão suíço apresenta uma série de projetos participativos desenvolvidos ao longo das fronteiras da Suíça, os quais evidenciam a diversidade do território helvético, de seus habitantes e da sua arquitetura. Fazendo fronteira com 5 países diferentes, mais de um quarto da população suíça é composta por imigrantes, sendo que italianos, alemães, portugueses e franceses juntos representam 72% destes. Desde o início da pandemia, a nossa percepção em relação às antigas fronteiras nacionais, geográficas e políticas operaram uma radical mudança de paradigma, uma situação imprevisível que finalmente deu ao projeto um completo novo significado. Neste contexto, a equipe de curadores foi desafiada a repensar a proposta inicial, revisitando as regiões exploradas antes da pandemia para investigar as consequências de seus desdobramentos na maneira como as pessoas se relacionam com o território.
Romênia: Fading Borders
Com projeto curatorial dos arquitetos Irina Meliță e Ștefan Simion, a contribuição da Romênia para a 17ª Bienal de Arquitetura de Veneza, Fading Borders, apresenta uma nova perspectiva sobre os deslocamentos em massa, explorando suas consequências no ambiente construído, utilizando a Romênia como um estudo de caso, uma vez que quase três milhões de cidadãos romenos deixaram o país ao longo da última década. Esse lento processo de despovoamento provocou um declínio na vida urbana do país, levando finalmente a uma consequente transformação do próprio espaço urbano. Dito isso, o espaço do pavilhão foi dividido em duas seções, as quais nos contam duas narrativas opostas: as histórias dos imigrantes que saem do país, e aquelas dos migrantes que chegam.
Polônia: Trouble in Paradise
Com curadoria do jovem escritório de arquitetura polonês, o PROLOG, em parceira com uma vasta equipe internacional de arquitetos e artistas, o pavilhão polonês procura narrar a história do futuro da vida no campo, refletindo sobre o retorno ao interior e o esvaziamento das cidades, propondo soluções sustentáveis para a ocupação do território em uma escala global. Recentemente, um crescente número de pessoas têm considerado a possibilidade de voltar para o campo, trazendo as áreas ruais para o centro do debate sobre o futuro da arquitetura. No caso da Polônia esta questão é ainda mais crítica, isso porque áreas puramente rurais representam hoje aproximadamente 93% de todo o território nacional. Pensando nisso, a equipe de curadores do pavilhão polonês para a Bienal de Arquitetura de Veneza deste ano precisou desenvolver novas ferramentas para lidar com esta urgente realidade. Desta forma, eles decidiram abordar a questão a partir de uma explicação histórica narrada em três diferentes capítulos; o capitalismo primitivo, o socialista e o capitalista tardio. Cada um destes três períodos foram avaliados individualmente em termos de território, ocupação e moradia, com ênfase em projetos de apropriação de terras estimulado pelo estado polonês ao longo dos anos.
México: Desplazamientos / Displacements
Com curadoria de Isadora Hastings, Natalia de La Rosa, Mauricio Rocha e Elena Tudela, o pavilhão mexicano propõe soluções sobre como a arquitetura pode servir como um instrumento de promoção da diversidade. Além disso, o pavilhão mexicano levanta a questão dos "deslocamentos" que surgem principalmente de condições adversas, como desigualdades evidentes, deterioração ambiental, risco de desastres e vários tipos de violência, que ocorrem em diferentes escalas de tempo e espaço, de forma que transcendem fronteiras e limites. Pensando nisso, o pavilhão mexicano explora diversas formas de projetar e construir espaços que promovam o pertencimento, a troca, a resiliência e a construção de comunidades. O projeto do pavilhão traduz a escassez que caracteriza a realidade de vida destas pessoas, convidando a todos os visitantes a vivenciar e explorar a noção de deslocamento na arquitetura.
Estônia: Square! positively shrinking
Com projeto curatorial desenvolvido pelos arquitetos estonianos Jiří Tintěra, Garri Raagmaa, Kalle Vellevoog, Martin Pedanik e Paulina Pähn, o Pavilhão da Estônia explora o papel dos espaços públicos no desenvolvimento futuro das cidades que atualmente estão passando por um processo de despovoamento. O fenômeno de despovoamento de muitas pequenas cidades do leste da Europa como uma consequência direta das transformações sociais, econômicas e políticas pelas quais estes países passaram após o colapso do chamado Bloco de Leste. De fato, desde o ano 2000, das 47 cidades e povoados que compõe a estrutura urbana do país, 45 delas perderam uma porcentagem significativa de habitantes, marcando um amplo processo migratório do interior para a cidade grande. Neste contexto, o pavilhão apresenta soluções e estratégias capazes de reverter esta situação, como a reutilização de edifícios desocupados ou em estado de abandono, o incentivo a políticas de habitação social e o desenvolvimento de projetos de revitalização de espaços públicos.
França: Communities at work / Les communautés à l’œuvre
Com curadoria de Christophe Hutin, o pavilhão francês apresenta uma experiência visualmente imersiva sobre a incrível jornada de diferentes comunidades do mundo, onde os indivíduos transformam seus próprios espaços de vida, sem seguir quaisquer esquemas formais projetados por um arquiteto. Apresentando cinco estudos de caso específicos na Europa, Ásia, América e África, o pavilhão explora a fundo esta abordagem particular, destacando a distância entre o universo da arquitetura formal e informal, ressaltando seu constante processo de desenvolvimento e transformação.
Grécia: Boulevard of the League of Nations
O Pavilhão Grego, com curadoria de Nikos Kalogirou, Themistoklis Chatzigiannopoulos, Maria Dousi, Dimitrios Kontaxakis, Sofoklis Kotsopoulos e Dimitrios Thomopoulos, toma a cidade de Salonica como seu estudo de caso, destacando a coexistência pacífica e simbiótica entre moradores locais e a comunidade de refugiados. Neste sentido, a equipe de curadores considerou o caso de Salonica um “exemplo típico de um redesenho radical a favor de uma cidade multicultural, um projeto que começou a um século atrás”. O pavilhão exibe um mosaico de diferentes estilos arquitetônicos e atividades humanas, destacando as características físicas, culturais, políticas e econômicas que transformaram e continuam transformando esta cidade e seus espaços públicos.
Confira a abrangente cobertura da Bienal de Arquitetura de Veneza 2021 realizada pelo ArchDaily. Não deixe de assistir à nossa playlist oficial no Youtube, onde apresentamos entrevistas exclusivas com arquitetas, arquitetos e curadores da Bienal.
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