Amancio d'Alpoim Miranda Guedes, mais conhecido como Pancho Guedes, foi um arquiteto, pintor, escultor e educador referenciado como um dos primeiros arquitetos pós-modernistas de todo o continente africano. Ao longo de sua carreira, o arquiteto nascido em Lisboa desenvolveu cerca de 500 diferentes projetos, frequentemente referidos como edifícios ecléticos, de influência africana lusófona e de um estilo artístico peculiarmente surrealista e experimental. Talvez pelo fato de que Pancho Guedes tenha escolhido trabalhar e viver em países da África como Moçambique, Angola e África do Sul, longe dos grandes centros de gravidade da arquitetura, sua obra nunca recebeu a devida atenção que fato merece. Ainda assim, Pancho Guedes foi — e ainda está para ser descoberto por muitos de nós — um dos mais importantes personagens da história da arquitetura moderna africana.
Nascido em Lisboa, Pancho Guedes mudou-se para Moçambique com sua família quando ainda era uma criança, país onde passou a maior parte de sua vida. Com a intenção de tornar-se artista, ele se matriculou na Universidade de Witwatersrand em Joanesburgo no ano de 1945. Pouco tempo depois, porém, ele decidiu mudar o seu foco para a arquitetura, uma disciplina que segundo ele culminava e combinava distintas correntes artísticas de seu interesse. Depois de formado, Pancho Guedes abriu seu escritório e tornou-se um arquiteto extremamente prolífico, desenvolvendo uma infinidade de projetos durante as décadas de 1950 e 60 a medida que a industria da construção civil em seu país adotivo continuava a acelerar.
Além disso, Pancho Guedes foi um membro freqüente do Team 10, tendo participado também do 9º CIAM no ano de 1953. Naquela ocasião, os arquitetos participantes do Congresso Internacional de Arquitetura Moderna, entre eles Pancho Guedes, foram responsáveis por delinear uma série de novas abordagens e reflexões sobre o urbanismo moderno, teorias que impactaram e influenciaram o desenvolvimento do pensamento arquitetônico europeu ao longo de toda a segunda metade do século XX.
Neste sentido, Pancho Guedes foi muito além de um mero arquiteto projetista, combinando formas esculturais e figurativas de maneira brilhante, suas obras eram extremamente modestas e práticas além de profundamente enraizadas na cultura local e em seus contextos específicos. Como resultado disso, sua obra construída é tão diversa quanto as localidades onde o arquiteto trabalhou, construindo desde pequenas e inovadoras casas unifamiliares a conjuntos de edifícios integrados e coloridos como aquele que Pancho construi no centro da cidade de Maputo. Em todos os casos, se deparar com uma obra de Pancho Guedes é como encarar uma escultura e escala urbana, edifícios singulares e que nunca passam desapercebidos.
Entre seus principais projetos encontram-se uma biblioteca de desenhos e pinturas, duas das principais paixões que fascinavam e inspiravam o arquiteto. Como um profissional devoto à liberdade criativa e com um claro domínio do desenho técnico e artístico, Pancho Guedes influenciou decisivamente a vida de muitos de seus alunos, tanto em sua carreira de professor de arquitetura na África do Sul nos anos 1970 quanto mais tarde em sua cidade natal, Lisboa.
Dito isso, não é nenhum exagero dizer que Pancho Guedes foi de fato um verdadeiro patrono das artes e um mentor excepcional de toda uma geração de arquitetos na África Lusófona, os quais ainda repercutem seus mais importantes ensinamentos em um continente em pleno processo de desenvolvimento e expansão urbana — dando forma a novas leituras e estilos arquitetônicos todos inspirados e sensibilizados por sistemas construtivos tradicionais e pela cultura e paisagem local.
Pancho Guedes foi um dos principais responsáveis por desenvolver uma arquitetura moderna e inovadora na África, em um momento em que todo o continente sofria com suas guerras e com a violência generalizada. Por causa dele, nossas universidades se deram conta de que — não apenas na arquitetura— existia uma cultura africana forte e singular, e como tal, era importante conhecê-la e reconhecê-la. Antes disso, estávamos todos preocupados com outras questões, achando que a cultura africana não tinha nenhum valor. Sua consciência sobre a importância da arquitetura tradicional para a cultura de um povo era algo que estava muito à frente de seu tempo e que felizmente veio a influenciar toda uma geração de novos arquitetos. — Peter Rich
Edifício de Apartamentos Leão Que Ri, Lourenço Marques (1956-58)
O Edifício de Apartamento do Leão Qu Ri é um exemplo perfeito da habilidade metódica de Guedes em incorporar elementos e formas orgânicas em um plano bastante funcional e prático. O edifício consiste em um modesto condomínio residencial de seis apartamentos, entretanto, visto desde fora ele sugere uma imagem completamente diferente, como uma pintura surrealista que não por acaso dá nome ao edifício.
Edifício Abreu Santos e Rocha, Maputo (1953 – 1956)
Implantado em uma das principais praças centrais de Maputo, o Edifício Residencial Abreu Santos e Rocha reflete uma outra característica peculiar da obra de Guedes. Ainda seguindo os mesmos princípios iniciais, este edifício parece mais uma obra de estilo brutalista. A linguagem artística utilizada pelo arquiteto é no entanto, um elemento fundamental na própria estrutura do edifício, como pode ser visto no arranjo das estrutura dos cobogós que preenchem a fachada principal frente à praça. De inspiração na cultura artística local da cidade de Maputo, seus blocos coloridos e superfícies texturizadas fazem deste edifício um dos principais ícones e pontos de referência em pleno centro da capital do Moçambique.
Igreja da Sagrada Família, Machava, Moçambique (1960-1964)
Com o projeto para a Igreja da Sagrada Família de Machava, Guedes procurou transmitir uma sensação de teatralidade e experimentação composicional. Através de sua forma característica, somos induzidos a seguir com os olhos a linha do telhado que se curva levemente até à cruz. No percurso visual que constrói este edifício, parece haver um sentido ou uma intenção até certo ponto indescritível, fruto da inventividade e liberdade criativa do arquiteto.
Eu estou em busca daquela qualidade, há muito perdida entre nós arquitetos, a qual resulta em uma arquitetura espontânea e de intensidade mágica. — Pancho Guedes em "Manifestos, Ensaios, Discursos, Publicações"
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