Cidades dentro de cidades: as Chinatowns ao redor do mundo

A atual geografia humana de nosso planeta foi moldada ao longo dos séculos através de intensos processos migratórios e intercâmbios culturais. O constante movimento de bens e pessoas pelos quatro cantos do globo, inteiras comunidades que ao se afastar de seus lugares de origem levaram consigo traços de sua cultura e sociedade, acabou finalmente por influenciar o processo de desenvolvimento da arquitetura e construção de cidades ao redor do mundo. Isso significa também que,  no processo de estabelecimento em um novo território, muitas destas comunidades costumam reproduzir seus antigos padrões que geralmente, resultam na formação de pequenos enclaves que muito de distinguem das cidades onde se encontram.

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Nos Estados Unidos, um país historicamente atraente para imigrantes, podemos encontrar com frequência na maioria das grandes cidades bairros inteiros compostos majoritariamente por pessoas de uma mesma origem. Na cidade de Miami, por exemplo, famosos são os enclaves urbanos de Little Havana e Little Haiti—onde a atmosfera geral do bairro se assemelha muito àquela de seus países de referência, Cuba e Haiti respectivamente. No Brasil, estes territórios também se fazem presentes, como é o caso do bairro da Liberdade na cidade de São Paulo, o principal e maior centro da comunidade japonesa no país. Em Bangkok, na Tailândia, o bairro de Phahurat—com seus templos dedicados à cultura Sikh e Hindu—é o principal centro da comunidade sul-asiática no país.

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Little Havana. Image © Kian Lem via Unsplash

Dito isso, talvez o mais conhecido bairro de imigrantes do mundo sejam aqueles chamados de Chinatown. Fato é que não existe apenas uma única Chinatown mais várias, bairros inteiros construídos por imigrantes chineses ao longo dos anos, enclaves específicos em muitas das grandes cidades do mundo, as quais encontram-se espalhadas pelos quatro cantos do planeta—desde o Japão e a Índia, até a Austrália e os Estados Unidos.

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Chinatown, Yokohama. Image © Wikimedia User Puchku under the Creative Commons Attribution-Share Alike 3.0 Unported license.

Chinatowns, como o próprio nome sugere, são pequenas cidades em si, territórios que não apenas representam uma área da cidade onde há uma grande concentração de imigrantes chineses, elas são comumente caracterizadas por uma estética arquitetônica única e facilmente reconhecível. Contando com uma série de espaços assim como elementos arquitetônicos claramente emprestados da cultura tradicional chinesa, como o pagode, estes bairros muitas vezes acabam por se tornar importantes destinos turísticos em uma cidade. As histórias de vida dos primeiros imigrantes chineses no entanto, se contrapõe fortemente ao caráter colorido e alegre de sua arquitetura e morfologia urbana. O intenso processo migratório de chineses para o mundo começou ainda na metade do século XIX, devido a uma série sucessiva de catástrofes e desastres naturais que disseminaram a fome e a pobreza nos mais longínquos confins do país, forçando boa parte da população a buscar a vida em outros continentes, sendo os Estados Unidos um de seus principais destinos. A chegada em massa de chineses ao país, desencadeou uma série de tensões raciais, principalmente na cidade de San Francisco. Posteriormente, o terrível terremoto que assolou a mesma cidade no ano de 1906 agravou ainda mais a já frágil situação dos imigrantes chineses de San Francisco com décadas sucessivas de violência e leis racistas, o que ocasionalmente levou Chinatown a um literal estado de ruína. Com o passar dos anos o bairro foi sendo reconstruído, e as características marcantes do bairro trazidas de volta a vida.

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Chinatown, San Fransisco. Image © Flickr User Andreas Wulff under (CC BY 2.0)

Neste longo processo de reconstrução, arquitetos americanos foram convidados a projetar novos edifícios em estilos arquitetônicos “orientais”, o que resultou em uma americanização do bairro que finalmente coincidiria com a visão estereotipada dos americanos em relação à China. O resgate de Chinatown foi também visto pelos incorporadores como uma grande oportunidade para lucrar, explorando uma nova espécie de “turismo étnico”. As leis exploratórias contra os chineses nos Estados Unidos significavam também que estes peculiares enclaves eram simultaneamente locais de refúgio e congregação destas comunidades - as quais eram vendidas como destinos “exóticos” e que mais se parecem a um parque temático.

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Chinatown, San Fransisco. Image © Wikimedia User The Erica Chang under the Creative Commons Attribution 3.0 Unported license
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Chinatown, San Fransisco. Image © Wikimedia User Alice Wiegand / CC-BY-SA 4.0

Longe de ser apenas um fenômeno restrito aos Estados Unidos e a Europa, Chinatowns também podem ser vistas em outros continentes, como na África por exemplo, evidenciando como os fenômenos migratórios podem influenciar de diferentes formas distintos contextos. As Chinatowns encontradas no continente africano são caracterizadas mais por seus letreiros e sinais informativos em mandarim do que por um estilo arquitetônico específico. Contrastando fortemente com a paisagem construída das Chinatowns de Londres ou Liverpool, por exemplo, os enclaves chineses construídos nas Ilhas Maurício e em Joanesburgo não diferem muito de seu contexto arquitetônico circundante—com exceção dos onipresentes Paifangs, o tradicional portal chinês que serve como tanto quanto monumento quanto como ponto de referência.

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Chinatown in Port Louis, Mauritius. Image © Rafal Michal Gadomski via Shutterstock
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Chinatown, Johannesburg. Image © David Buzzard via Shutterstock

Por outro lado, a Chinatown da cidade de Lagos, Nigéria, apresenta uma abordagem arquitetônica um pouco diferente. Construída em 2004, o centro da comunidade chinesa da maior cidade da Nigéria é mais um enorme shopping center do que um típico bairro urbano. Assumindo a forma de uma fortaleza medieval—com estruturas que se assemelham à Grande Muralha da China—, esta é uma representação arquitetônica de um ícone da arquitetura tradicional chinesa, um espaço criado pela comunidade chinesa como um amplo mercado ao ar livre.

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Chinatown, Nigeria. Image © Orji Sunday via South China Morning Post

As diferenças marcantes entre as Chinatowns da Europa e dos Estados Unidos com aquelas da África, evidenciam o impacto que os fenômenos migratórios podem ter nos processos de construção de bairros e cidades—influenciando-os às vezes mais, às vezes menos. As formas com que estas comunidades se re-apropriam de seus estilos e motivos arquitetônicos tradicionais são tão variadas quanto as razões pelas quais os migrantes migram. Às vezes, os elementos arquitetônicos específicos que certas comunidades levam consigo para outros lugares representam um esforço genuíno para amenizar a saudade de casa—em outros caos, pode ser uma ferramenta de exotificação de uma cultura ou povo.

Este artigo é parte do Tópico do ArchDaily: Migrações. Mensalmente, exploramos um tema específico através de artigos, entrevistas, notícias e projetos. Saiba mais sobre os tópicos mensais. Como sempre, o ArchDaily está aberto a contribuições de nossos leitores; se você quiser enviar um artigo ou projeto, entre em contato.

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Sobre este autor
Cita: Maganga, Matthew. "Cidades dentro de cidades: as Chinatowns ao redor do mundo" [Cities Within Cities: Chinatown Around The World] 21 Jul 2021. ArchDaily Brasil. (Trad. Libardoni, Vinicius) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/965170/cidades-dentro-de-cidades-as-chinatowns-ao-redor-do-mundo> ISSN 0719-8906

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