As casas são as construções mais intimistas que nós arquitetos podemos pensar em projetar. Não à toa, os conceitos de intimidade, segurança e privacidade são comuns quando pensamos na arquitetura residencial. Ao mesmo tempo, assim como toda arquitetura, as casas estão, obrigatoriamente, inseridas em um contexto, um entorno com o qual essas construções precisam se relacionar. São muitas as formas de se fazer isso, principalmente em tecidos urbanos altamente adensados, como é o caso de muitas cidades brasileiras.
Não devemos tratar a arquitetura como objetos soltos e independentes do local onde serão implantadas, ao contrário, é importante entender que a implantação da arquitetura é uma resposta às condições do entorno. É tão necessário entender como a insolação, os ventos e a topografia interferem no projeto, quanto estudar como este projeto se relacionará com seus vizinhos e as ruas. Isso implica tanto em entender quais são e onde serão os acessos para a casa, quanto pensar nas aberturas e materiais que serão empregados no projeto.
As cidades brasileiras, principalmente as mais adensadas, têm uma tipologia comum que envolve lotes estreitos e compridos que dão diretamente para a via pública. Para esse tipo de lote, a cultura brasileira encontrou uma tipologia residencial de uma casa sobrado na qual a garagem se torna o espaço de transição primário entre o público (a rua) e o privado (a casa), transformando a fachada em um portão ou em uma vitrine de carros. O desafio está em encontrar uma forma de estabelecer uma relação mais orgânica entre a residência e a rua, mesmo nessas condicionantes.
A Casa Guaianaz / Terra e Tuma Arquitetos Associados, por exemplo, faz a transição entre o público e o privado a partir de um portão metálico vazado e leve, e recua a casa mais para o fundo do terreno. Além do portão, a fachada da casa apresenta uma composição de aberturas que permite certo contato visual, seguindo o mesmo padrão de pequenas aberturas repetidas e ritmadas no térreo e no pavimento superior. Essa solução de pequenas aberturas garante segurança e privacidade, sem deixar de conectar a casa com a rua. Para equilibrar essa transição pouco orgânica, as pessoas, ao adentrarem no portão, percorrem a garagem junto de um espelho d’água, e entram na casa olhando para os espaços de estar, a sala interna e o pátio externo, conectados por um caixilho envidraçado.
Essa é uma solução parecida com a do projeto da Casa 3x33 / 23 SUL. O projeto localizado em um terreno estreito se resolve verticalmente. O portão é todo fechado, com cor forte, amarela, que garante total privacidade e isolamento da casa, ao mesmo tempo que cria um forte elemento de identidade no bairro. Logo na garagem as pessoas são recebidas com um jardim e conduzidos para dentro da casa, onde ficam os espaços sociais. A fachada da casa, além da porta de entrada marcada por uma caixilharia também ritmada, apresenta no pavimento superior uma varanda ampla que conecta o quarto principal com a rua, o qual, devido ao recuo frontal da casa, fica resguardado e protegido.
Em uma situação parecida, a Casa Luís Delfino / Pimont Arquitetura também segue a mesma tipologia, porém, escolhe por integrar a garagem à construção e deixar o espaço do recuo da casa para um jardim. A casa está localizada em um terreno de esquina, com muros que fazem o limite em alvenaria até meia altura e chapas metálicas perfuradas até o topo. Os carros acessam a casa por uma rua e os pedestres por outra, por meio de portões feitos dessa mesma chapa metálica, que se repete também no fechamento do pavimento superior. Esse fechamento é uma esquadria que abre por completo, dando privacidade aos moradores quando fechado, e integrando visualmente a rua com a sala e cozinha quando aberto.
Usar elementos vazados na fachada superior é também a solução adotada no projeto da Casa na Rua Ceuta / ARQLAB. O muro alto e os portões não apresentam nenhuma abertura, porém, ao adentrar no lote a casa se abre em caixilhos e painéis de vidro que permitem grande permeabilidade visual. O pavimento superior do sobrado, é acabado com um brise de madeira que protege o quarto principal da visibilidade da rua. As pessoas têm duas possibilidades de caminho após adentrar a garagem, por um lado é possível passar pela grande porta de madeira e ser encaminhado à área social da casa, por outro, há uma porta ao meio que conduz à mesma área social por um pátio interno. Por fim, a casa tem mais uma interface possível com a rua que é o terraço jardim na cobertura da casa, que olha para a rua e para a vista do entorno.
As casas apresentadas acima demonstram o desafio que é relacionar uma arquitetura tão íntima com a rua em terrenos pequenos. Quando encontramos terrenos maiores, e condições urbanas mais favoráveis, é possível ter mais liberdade para estabelecer essa relação. A Residência Bento Noronha / Metro Arquitetos, por exemplo, consegue deslocar a garagem para um subsolo e estabelecer um térreo que se comunica com a rua por um grande jardim, por onde as pessoas podem entrar caminhando na casa, para chegar na área social. O limite com a rua é definido a partir de uma cerca metálica vazada, que garante segurança e permeabilidade visual.
A relação entre a casa e as ruas públicas é um desafio para a arquitetura, principalmente para as grandes cidades brasileiras, pois são muitos os obstáculos a serem enfrentados. Primeiramente, existem questões climáticas e físicas, como insolação, ventilação, iluminação e às vezes topografia, que precisam ser consideradas. Além disso, há a necessidade de garantir espaços que sejam privativos, íntimos, mas que ainda assim tenham características que garantam conforto ambiental e, quando possível, vistas do entorno. Por fim, uma das camadas mais difíceis de encarar é a questão da segurança urbana, que faz com que as pessoas queiram criar mecanismos de arquitetura para afastar outras pessoas e se isolar ao máximo da sociedade, mantendo-se protegidas dentro de casa.
Por outro lado, quando andamos pelas ruas das cidades entendemos a necessidade de abrir janelas e conectar o máximo possível a arquitetura com as ruas, seja por uma necessidade de qualidade espacial, seja pelo argumento da segurança que os “olhos da rua” de Jane Jacobs defendem. Ainda assim, nesses projetos conseguimos nos inspirar em encontrar um equilíbrio para casas que respeitem a privacidade de seus moradores e ainda assim sejam conectadas e integradas ao seu tecido urbano.