Este artigo foi publicado originalmente em Common Edge.
No artigo desta semana, o autor Jacob DiCrescenzo explora um outro lado da experiência humana da arquitetura e do espaço: aquele relacionado às nossas emoções. Recentemente, em outro artigo publicado pelo Common Edge, ele já havia nos convidado a refletir sobre a “arquitetura do sentimento”, enfocando em questões relacionadas à psicologia do espaço e de que forma o ambiente construído impacta em nossas emoções. Argumentando que “a arquitetura é uma experiência profundamente emocional”, DiCrescenzo comenta ainda sobre todos os benefícios que a neurociência pode trazer para o futuro da arquitetura.
Uma das muitas metáforas utilizadas para explicar as dificuldades encontradas na realização de um projeto de arquitetura é a história da construção da Torre de Babel. Em uma busca por alcançar o reino de Deus, os homens se uniram para construir uma torre alta o suficiente para chegar aos céus. Não muito contente com a iniciativa, Deus faz com que os construtores não fossem mais capazes de falar uma mesma língua e por conseguinte, tornou-se impossível a comunicação entre todos os envolvidos no projeto que por fim, é deixado inacabado. Isso significa dizer que, o ofício da construção nasce de um esforço coletivo, e tem sido assim desde que o mundo é chamado de mundo.
É como se a arquitetura tivesse uma única origem, uma linguagem comum a todos os povos, o resultado de uma comunicação eficaz entre os membros de uma mesma comunidade. Dentro de um canteiro de obras, termos técnicos são utilizados para comunicar a todos os envolvidos como os mesmos devem colaborar entre si, minimizando as possibilidades de erros e mal entendidos e maximizando assim a eficiência de todo o processo. Os projetistas utilizam esse tipo de linguagem para esclarecer suas ideias e os conceitos por trás de um projeto de arquitetura. Arquitetos e engenheiros usam uma linguagem comum para discutir questões relacionadas às cargas, às tensões e forças que recaem sobre uma determinada estrutura. No entanto, até o dia de hoje, não existe uma única linguagem especifica para comunicar de que forma a arquitetura é capaz de despertar as mais profundas emoções nos usuários. Embora eu tenha apenas 15 anos e não tenha nenhum treinamento formal na área, já percebi que arquitetos e arquitetas parecem bastante relutantes em discutir questões relativas às emoções na arquitetura. E mais do que isso, a disciplina da arquitetura parece extremamente resistente em reconhecer a importância das emoções para a prática do projeto de arquitetura.
“O cérebro humano usa a emoção para atribuir significado aos objetos e pessoas com os quais nos deparamos. A emoção é fundamental para a criação de significado em nosso processo cognitivo, o que significa que não somos capazes de comprender as coisas e o mundo sem falarmos de nossas emoções.”
Em um artigo publicado anteriormente, falei sobre a importância da psicologia para a disciplina da arquitetura. Em resposta, muitos de nossos leitores sugeriram que, ao invés de falar apenas de emoções, que é um tema aparentemente pouco adequado para se discutir arquitetura, eu deveria focar no conceito de significado. Implícito neste comentário está a ideia de que emoção e significado são conceitos fundamentalmente distintos e que, neste sentido, a arquitetura está sempre dotada de significado independentemente de sua capacidade de nos provocar qualquer emoção. O problema disso tudo é que o cérebro humano usa a emoção para atribuir significado aos objetos e pessoas com os quais nos deparamos. A emoção é fundamental para a criação de significado em nosso processo cognitivo, o que significa que não somos capazes de comprender as coisas e o mundo sem falarmos de emoções.
Ao longo dos últimos 30 anos, desde que Antonio Damasio publicou seu famoso livro Descartes’ Error, os neurocientistas têm procurado entender mais a fundo as relações entre as nossas emoções e os processos cognitivos. Pesquisas recentes revelam que tanto a atenção quanto a memória desempenham um papel particularmente importante na criação de significado. Por exemplo, seres humanos se atentam principalmente àqueles elementos do ambiente construído que encontram ressonância na memória. Temos uma capacidade inata para discernir “estímulos potencialmente significativos e capazes de despertar diferentes emoções, mesmo quando de forma inesperada e, portanto, não necessariamente relevantes para a tarefa que está sendo desempenhada.” Isso significa dizer que costumamos priorizar informações com vínculos emocionais, ou seja, nosso cérebro tem uma maior probabilidade de aprender uma determinada informação quando esta nos estimula emocionalmente, conferindo assim, uma maior importância a estas experiências. O cérebro humano não se limita a perceber e registrar fenômenos espaciais de forma isolada, a construção de significado se dá em regiões neurológicas responsáveis também por estímulos emocionais e sensoriais. Dito isso, a emoção é um elemento primordial no processo de aprendizado, contemplação, memória e construção de significado. Seres humanos são atraídos majoritariamente por estruturas capazes de despertar fortes emoções. Em outras palavras, quanto maior a capacidade de um edifício de nos estimular emocionalmente, mais significativo ela será.
A arquitetura é uma disciplina que envolve muitas variáveis: segurança (firmitas), funcionalidade (utilizas), estética (vetustas)—e o que não podemos deixar de mencionar, a emoção. Em essência, a arquitetura é uma experiência profundamente emocional. Ela é também uma experiência inerentemente imersiva, capaz de sensibilizar a nossa própria experiência corporificada do espaço. Dizer que a arquitetura nos afeta emocionalmente é dizer que ela desperta uma vocação intuitiva, aquela que nos guia a encontrar o nosso próprio caminho. Ainda assim, para sermos plenamente capazes de explorarmos todo o potencial emocional da arquitetura, é preciso antes de mais nada, reconhecer que ele de fato ele existe. É preciso primeiramente reconhecer a importância deste fenômeno para a nossa experiência corporificada do espaço se quisermos de fato explorar todos os benefícios que a neurociência pode trazer para a arquitetura. Afinal, assim como todo edifício precisa de uma estrutura para poder ficar de pé, é a sua capacidade de despertar emoções que permitirá criar novos e mais profundos significados. E é exatamente neste ponto que a neurociência pode contribuir enormemente com o desenvolvimento da disciplina da arquitetura O campo da neurociência oferece uma grande variedade de novos termos e conceitos que podem ser apropriados por arquitetos e arquitetas em seus processos projetuais. Combinando a nossa expertise técnica com todos os princípios que a neurociência nos disponibiliza, arquitetos e arquitetas serão capazes de construir estruturas que proporcionem às pessoas uma experiência mais profunda e significativa do ambiente construído.
“Talvez muitos arquitetos e arquitetas ainda possam pensar que principios científicos resultam em dados de natureza puramente técnica. Pode ser que eles acreditem que a neurociência é uma disciplina purista e mecanicista, que pouco tem a ver ou para contribuir com as atividades criativas. E se essas suposições contribuem de alguma forma para afastar a neurociência da arquitetura, vale lembrar que elas se baseiam em um mal-entendido guiado puramente pelas nossas emoções...”
Não sou nenhum especialista para poder decifrar as razões pelas quais os arquitetos costumam temer o uso da emoção em seus projetos, ou achar que a neurociência não tem nada para contribuir com o desenvolvimento da disciplina; A única coisa que eu posso fazer é tentar imaginar as possíveis causas deste fenômeno. Talvez isso tenha uma raíz na arcaica divisão entre arte e ciência, na já obsoleta crença de que a estética está em oposição direta ao empirismo. Talvez muitos arquitetos e arquitetas ainda possam pensar que principios científicos resultam em dados de natureza puramente técnica. Pode ser que eles acreditem que a neurociência é uma disciplina purista e mecanicista, que pouco tem a ver ou para contribuir com as atividades criativas. E se essas suposições contribuem de alguma forma para afastar a neurociência da arquitetura, vale lembrar que elas se baseiam em um mal-entendido guiado puramente pela emoção: o que é, como funciona, para que serve. A emoção é a matéria-prima da consciência humana. A emoção é o que nos faz sentir vivos; um componente fundamental da nossa experiência do espaço, da forma como percebemos o mundo. As emoções humanas—e a capacidade de refletirmos sobre elas—não têm nada a ver com meros dados científicos, as nossas emoções são parte de quem nos somos.
A emoção é uma linguagem com a qual o cérebro se comunica. É uma linguagem sensorial e fundamental para nossa interpretação da realidade. A emoção é a linguagem da memória, da imagem e da criação de significado. Não podemos falar puramente sobre o significado das coisas—o significa de tudo aquilo que percebemos a nossa volta—sem tangenciar pelo menos alguma de nossas emoções. Os muitos termos que recorrentemente utilizamos para descrever a arquitetura e o espaço construído, se formos parar para pensar, referem-se todos à mesma coisa: a nossa experiência emocional. Quando finalmente formos capazes de incorporarmos a emoção na disciplina da arquitetura, terá chegado o momento de discutirmos o que é que nos une a todos quando falamos de arquitetura, ou melhor, o que é a arquitetura no final das contas. Convenientemente, as recentes descobertas da neurociência podem nos ajudar nesta busca, fornecendo importantes ferramentas e modelos para discutirmos a importancia da emoção para à nossa experiencia do espaço e da arquitetura. Desta forma, poderemos reaproximar o fazer a arquitetura da experiência humana, impregnando os nossos edifícios e espaços de um significado ainda mais profundo. O potencial de um projeto de arquitetura baseado em neurociência é infinito, e é bom que estejamos preparados para encarar este novo desafio.