A escolha de Lacaton & Vassal para receber o Prêmio Pritzker de 2021 foi, acima de tudo, emblemática. Sob o mantra “nunca demolir, nunca remover ou substituir, sempre adicionar, transformar e reutilizar”, a dupla francesa construiu uma carreira focada em reformar edificações, dotando-as de qualidade espacial, eficiência e novos programas. Sua abordagem contrasta com grande parte das arquiteturas que estamos acostumados a prestigiar: obras icônicas, imponentes e grandiosas. Também, com a noção da tabula rasa, de construir e reconstruir do zero, tão bem representada na Ville Radieuse de Le Corbusier, e que tem fascinado arquitetos e urbanistas desde então.
Seja por conta das demandas de sustentabilidade em voga atualmente, ou simplesmente por já existirem construções o suficiente em muitas partes do mundo, o ofício de reabilitar espaços e edificações tem sido visto como importante motor de mudanças. O foco é, geralmente, centrar os esforços nos espaços interiores, dando especial atenção à qualidade ambiental e ao conforto dos habitantes, além de adequar os usos às demandas contemporâneas. A principal questão gira em torno de que forma atualizar (e até automatizar) os edifícios do passado para se adaptarem às novas necessidades de eficiência, sustentabilidade e bem-estar.
Desde sensíveis mudanças de layout, fachadas, alterações de mobiliários a requalificações totais de edificações, o setor de reformas sempre movimentou uma grande quantidade de recursos. Com a pandemia de COVID-19 e a repentina necessidade de passar muito tempo em casa e transformá-la em escritório, escola e academia, as empresas notaram um aumento, principalmente na Europa e Estados Unidos. Interferir em um contexto construído pode parecer simples, mas carrega inúmeras complexidades. A realidade é que obras de remodelação são bem mais complicadas e incertas do que as construídas do zero, demandando projetos bastante completos, mas com certa flexibilidade, um gerenciamento da construção mais intenso e, inclusive, alterações no decorrer do processo. Por isso, também, a importância de contar com mão-de-obra especializada e assessoramento de especialistas.
Geralmente, faz-se uma diferenciação entre os termos, que inclusive podem variar conforme países e regiões. Por exemplo, uma renovação pode ser definida como a melhoria ou modernização de parte ou da integridade da estrutura existente. Quando a reforma é focada em atualizar as tecnologias presentes e as infraestruturas às demandas contemporâneas, o termo retrofit é mais utilizado. A palavra reabilitação costuma ser atribuída ao tipo de intervenção que pressupõe uma mudança de uso no programa do edifício construído, mas também visa uma atualização e reflexão acerca dos espaços, como em todas as reformas. O mesmo vale para outros nomes, como "requalificação", "remodelação", que são todos variações dentro do guarda-chuva de "reforma". Já o termo restauro é utilizado quando a edificação possui um valor histórico, e geralmente sua intervenção é pautada por diretrizes mais restritas, para buscar não descaracterizar a edificação original.
Seja qual for o termo utilizado, ao reformar uma edificação, ao invés de demoli-la, desfruta-se de grande parte dos recursos materiais presentes, reduzindo a utilização e exploração de matérias-primas e, em alguns casos, preserva-se a memória e o tecido urbano original. Outro fator para tornar as renovações amigáveis ao meio ambiente é que, ao modernizar os edifícios, pode-se aproveitar a oportunidade para torná-los mais eficientes energeticamente e confortáveis aos ocupantes. Isso pode ser feito, por exemplo, através de um melhor isolamento térmico, de fechamentos mais bem vedados e vidros duplos, ou de sistemas mais sustentáveis e eficientes de aquecimento, por exemplo, que acabam por reduzir o consumo de energia e as respectivas emissões de carbono. Mais que isso, há todo o gasto de energia na extração, processamento, transporte, montagem, instalação de materiais, demolição e decomposição associadas ao ciclo de vida de um novo material, que acaba sendo evitado. A chamada Renovação Energética tem sido apontada como uma tarefa promissora para o futuro da arquitetura.
Segundo Pierre-Emmanuel Thiard, “Renovar, em vez de construir de novo, também significa reduzir a ocupação do solo e garantir um melhor equilíbrio nos ecossistemas urbanos. Em segundo lugar, é um setor de criação de valor que, à medida que se desenvolve, se torna um criador significativo de empregos locais. Por último, a renovação energética facilita o bem-estar físico dos ocupantes do edifício e contribui em vários níveis diferentes para reduzir a escassez de combustível e aumentar o poder de compra.”
A iniciativa lançada em junho de 2020 pela Comissão Européia, chamada “Onda de Renovação” comprova a importância global deste setor. O relatório aponta que os edifícios são uma das maiores fontes de consumo de energia na Europa (mais de um terço das emissões de carbono da União Europeia) e que, atualmente, cerca de 75% das edificações na UE não são energeticamente eficientes, com uma taxa de renovação anual muito baixa. A reforma de edifícios públicos e privados é uma ação essencial e foi apontada no Acordo Verde Europeu como uma iniciativa-chave para impulsionar a eficiência energética no setor e cumprir os objetivos. A estratégia visa dobrar as taxas anuais de renovação de energia nos próximos 10 anos, ao mesmo tempo buscando reduzir as emissões de carbono e melhorando a qualidade de vida das pessoas, gerando, como um bom efeito colateral, milhares de empregos adicionais locais no setor da construção.
Apoiando-se no artigo de Katarzyna WARDAL, membro da Euroace (European Alliance of Companies for Energy Efficiency in Buildings), a Covid-19 revelou desigualdades habitacionais inaceitáveis na Europa, com milhões de europeus confinados em ambientes de baixa qualidade, expostas ao frio e umidade, mas que também são extremamente caras para manter. A renovação energética das edificações, à escala europeia, é uma forma vantajosa para todos de alcançar a neutralidade climática.
O conglomerado francês Saint-Gobain, lançou em 2021 o Manifesto “Comprometimento com as energias renováveis (Engagés pour la Rénovation Énergétique), aponta que as renovações energéticas são altamente necessárias para o planeta, por reduzir significativamente o consumo de energia dos edifícios, melhorar o conforto de vida, diminuir as contas de energia, além de criar várias centenas de milhares de empregos não relocáveis no país, através de toda a cadeia envolvida na construção civil. O documento aborda como os ambiciosos planos de apoio à renovação energética, nos últimos 15 anos na França, acabaram tendo pouco resultado prático. Além de desenvolver materiais e soluções saudáveis e sustentáveis que tragam conforto e desempenho aos espaços de convivência, a empresa tem focado em oferecer assessoria e expertise aos projetos, colocando clientes em contato com profissionais qualificados; treinando mais de 10.000 artesãos a cada ano em questões ambientais e cedendo tempos de trabalho dos funcionários para assessorarem projetos de renovação em benefício dos mais desfavorecidos.
A iniciativa é interessante pois, como já citado, renovações e reformas dependem extensivamente, de mão-de-obra especializada, conhecimento técnico e de uma indústria de materiais da construção civil. Os recursos governamentais são imprescindíveis, mas é vital que eles sejam bem amarrados para que ajudem quem, de fato, precisa. No Brasil, por exemplo, luta-se há alguns anos pela promulgação da Lei da Assistência Técnica Gratuita, que permite a assistência técnica pública no projeto de habitações para famílias com renda mensal reduzida. Trata-se de um fundo de recursos públicos que possibilita a contratação de profissionais de arquitetura e engenharia para a construção e reformas de residências.
Essa mudança de paradigma também tende a alterar o foco do exercício profissional e mesmo da formação de novos arquitetos para, no lugar de dar mais valor a edificações construídas do zero, como grandes ícones, desenvolver melhores formas de intervenção em edificações existentes. Isso inclui desde tornar o processo de levantamentos e documentação das obras mais completo e didático, disseminar sobre materiais e técnicas construtivas que possam aumentar a eficiência energética das reformas.
Uma edificação altamente eficiente e moderna é mesmo sustentável se precisou demolir uma estrutura antiga que funcionava adequadamente para ser construída? É essa a principal indagação deste texto de Thomas de Monchaux. O futuro da arquitetura pode ser mais adaptar o que já existe do que construir tudo de novo. E, tratando-se de um setor que consome enormes quantidades de recursos e emite muito carbono, ele também pode ser um motor para retomadas econômicas, cujo produto pode ser habitações e edificações mais confortáveis e eficientes para seus habitantes, levando em conta e respeitando suas particularidades. Trata-se de um campo na arquitetura que ainda tem muito espaço para crescer, e como vê-se, é bastante promissor. Ao unir profissionais e toda a indústria envolvida na construção civil, o resultado pode ser bastante impactante. É imprescindível que os arquitetos estejam prontos para todos estes desafios.