A incrível pesquisa “A Long History of a Short Block”, de Bill Easterly, Laura Freschi e Steven Pennings, analisou o desenvolvimento de uma quadra na Greene St., no bairro do SoHo, em Nova York, ao longo de quatro séculos. Neste período, a cidade se mostrou em um constante processo de desenvolvimento, mostrando que a pergunta “Qual o ‘caráter original’ de um bairro?” é mais difícil de responder do que parece.
A começar que a Manhattan de arranha-céus que conhecemos hoje é relativamente recente na sua história. Antes dos holandeses chegarem ao que chamariam de “Nova Amsterdã”, em 1625, a região era tomada por florestas e pantanais, um ecossistema rico que incluía, inclusive, ursos e lobos.
O começo do desenvolvimento urbano de Nova York deu-se no extremo sul da ilha de Manhattan. No início do século 18, a área de Greene Street, objeto do estudo, ainda fazia parte da área rural, tendo sido comprada para a instalação de uma grande fazenda.
Com a epidemia de febre amarela no final do século 18, os moradores ricos da região central, como médicos, advogados, professores, pequenos artesãos e comerciantes, migraram para a área ainda periférica da Greene St., gerando um boom construtivo de residências entre 1820 e 1830.
A partir de 1840, com a instalação de companhias privadas de transporte de carruagens omnibus, os comerciantes se mudaram ainda mais para norte, levando a quadra ao declínio econômico, transformando-se em uma área de entretenimento noturno com teatros e casas de prostituição.
Até o final do século 19, as construções eram basicamente pequenas residências de tijolos. Nesta época, empreendedores demoliram quase todas as casas para erguer edifícios de 6–7 andares, que serviriam para abrigar o epicentro da crescente indústria têxtil de Nova York.
Essa demanda industrial triplicou os valores imobiliários de 1880 a 1890, subindo até 1910. Os edifícios tinham estrutura metálica pré-fabricada e eram considerados pastiches baratos de arquitetura neoclássica. Em 1911, um grande incêndio em uma das fábricas levou à modificação dos padrões de segurança contra incêndio nos prédios, inviabilizando praticamente todas as construções industriais nos arredores da Greene St. para esse uso.
Com a realocação das indústrias para o norte de Greene Street, a região passou por um longo período de declínio, com vacância nos prédios e até um acampamento de pessoas em situação de rua. Planejadores de 1940 consideravam a área “obsoleta” e planejavam demolir os prédios para construção de uma grande rodovia urbana que atravessaria o bairro.
Na década de 1950, Robert Moses propunha demolir 20 hectares para consolidar 27 quadras em 10 “superquadras”, acompanhado de uma grande rodovia chamada LOMEX (Lower Manhattan Expressway). A hoje célebre Jane Jacobs, na época, era uma das vozes contrárias a esse tipo de renovação urbana.
Na década de 1960, motivados pelos amplos espaços e preços acessíveis, artistas e galerias de arte começaram a ocupar os espaços industriais abandonados de forma irregular, ainda zoneados para uso industrial apesar de muitas décadas já sem essa vocação.
Essa mudança de público transformou o caráter do bairro mais uma vez, e o antes “obsoleto” SoHo passou a atrair uma elite criativa com o consequente aumento dos aluguéis. Nos 1990, a região começa a receber residências e varejo de luxo, dando início às características hoje presentes.
“A Long History of a Short Block” apresenta a contínua transformação de públicos, usos e valores imobiliários de um trecho da Greene St, mostrando que a preservação arquitetônica atual guarda apenas um período específico da sua história, sendo impossível traçar ou preservar um “caráter original” de bairro em uma cidade dinâmica como Nova York.
Uso não residencial do solo em um dos blocos da Greene Street, em porcentagem
Via Caos Planejado.