Sabe-se que a indústria da construção civil é uma das mais poluentes do planeta, porém, muitas vezes temos dificuldade de vincular o trabalho do arquiteto e do urbanista a essa indústria, nos abstendo da responsabilidade de estar inserido dentro de uma das cadeias produtivas mais nocivas que existem. Nesse sentifo, é urgente ressaltar a importância de questionar, não somente os materiais empregados nos projetos, mas também os sistemas produtivos envolvidos.
A construção civil é reconhecida como uma das mais importantes atividades econômicas do mundo, ao mesmo tempo que é uma das grandes responsáveis pelos impactos ambientais causados tanto pelo consumo de recursos naturais, quanto pela modificação da paisagem ou ainda pela geração de resíduos. Os processos envolvidos em sua cadeia produtiva estendem os impactos também para níveis sociais e culturais, ainda mais intensificados se considerarmos a escala global dessa cadeia produtiva.
O conceito de cadeia produtiva está ligado aos vários estágios percorridos pelas matérias-primas, nos quais elas vão sendo transformadas e montadas. A cadeia produtiva da construção civil, porém, é bastante heterogênea. Simplificadamente, podemos entender que ela começa com a extração de matérias primas, como a madeira ou os minerais. Essa matéria prima é processada nas indústrias de materiais de construção, conhecidas também como indústrias de transformação, em processos parcelados que vão desde a transformação da matéria prima em insumo, como o ferro que se transforma em alumínio ou aço, até a posterior fabricação de esquadrias, vergalhões e estruturas metálicas, por exemplo. Esses insumos são, em seguida, comercializados até que chegam ao consumidor final, a construção em si.
Dessa forma, é fundamental mapear qual o percurso que um material faz, desde sua extração até seu emprego na construção, para entendermos a escala que essa cadeia pode assumir. A construção civil é responsável pelo consumo de 40% a 75% da matéria-prima produzida no mundo. Dentro desse montante está o minério de ferro, uma das matérias primas mais exportadas pelo Brasil e insumo básico para produção do aço e do alumínio. No primeiro semestre de 2021 ele foi responsável por 1,64% do total de exportações do Brasil, o que equivale a 2.6 bilhões de dólares só de Janeiro a Julho de 2021, sendo o 13º produto no ranking de exportações totais do país.
Dentre os países que receberam esse material estão, China, Estados Unidos, que juntos somam quase metade da produção, Países Baixos, Coreia do Sul, Japão, Singapura, México e outros. No Brasil, o estado que mais produz e mais exporta o ferro gusa é Minas Gerais, seguido de Goiás e do Pará. O ferro, portanto, é extraído do solo brasileiro, transportado por ferrovias até um porto na costa, onde é transferido para um navio, que o transporta até a China, por exemplo. Na China, esse material é somado ao ferro também extraído por lá e transformado em aço para a construção, o qual é utilizado para subir edifícios altos e arranha-céus, dando forma a grandes pólos urbanos como Shanghai. Seu percurso, porém, apesar de ser economicamente vantajoso, tem consequências devastadoras.
Diversos são os impactos da mineração, tanto ambientais, quanto sociais, como é relatado em relatórios elaborados pela Federação Internacional de Direitos Humanos, ou ainda pelo mapa de conflitos, que registra onde há riscos e impactos ambientais provocados por indústrias, quase sempre do setor da construção civil. Ainda que o ferro seja apenas um exemplo, sua situação é bastante contrastante. Se de um lado temos o material servindo como insumo para a estruturação de cidades e tecnologias de primeiro mundo, por outro temos impactos ambientais e sociais que acabam com territórios e comunidades inteiras. O conflito entre esses dois extremos, porém, está muito além da lógica da cadeia produtiva da construção civil, exigindo a atuação das instâncias responsáveis para controle e contenção de danos.
Ao mesmo tempo, é importante entender qual o lugar da figura do arquiteto neste cenário. Como consumidor final da cadeia produtiva, no arremate da construção civil, mora uma oportunidade de potencializar transformações nesses processos. O arquiteto tem como dever olhar criticamente essa lógica e buscar outras formas de construir, outros materiais e outras narrativas para seus projetos. O uso de tecnologias vernaculares e materiais locais precisa ir além de questões técnicas e estéticas, e considerar o processo de produção: a extração, os caminhos e rotas e os processos de transformação que envolvem os materiais. É inevitável, ao olhar para essa abordagem, perceber que muito além da técnica construtiva estamos discutindo também a transformação da ideia de cidade e de ocupação do território.
Referências
- Ana Carla Fernandes Gasques, Cristhiane Michiko Passos Okawa, Generoso De Angelis Neto, José Luiz Miotto, Tainara Rigotti de Castro. Impactos Ambientais dos Materiais da Construção Civil: Breve Revisão Teórica. Revista Tecnológica Maringá, v. 23, p. 13-24, 2014
- Fundação Getúlio Vargas Projetos, ABRAMAT. A cadeia produtiva da construção e o mercado de materiais, 2007.
- Comex Stat, Governo Federal, 2021.
- Antônio Filho, Danilo Chammas, Ícaro Vilaça, Isadora Guerreiro, Kaya Lazarini e Paula Constante. As vacas têm para onde ir, o povo do piquiá não: o reassentamento do piquiá de baixo e os caminhos do desenvolvimento brasileiro, 2015.