Quando falamos de arquitetura vernacular, na maioria dos casos, estamos nos referindo a uma forma de se construir específica de uma determinada região—ou uma arquitetura que incorpora sistemas construtivos e materiais locais. As características que definem a arquitetura vernacular, portanto, variam enormemente de lugar para lugar, compreendendo exemplos que vão desde as Casas Colmeias de Harran, na Turquia, às tradicionais casas malaias encontradas em todo o sudeste da Ásia. Dito isso, a arquitetura vernácula continua sendo hoje uma das principais fontes de inspiração para muitos arquitetos e arquitetas ao redor do mundo.
Com isso em mente, é fundamental refletirmos sobre a maneira como nos apropriamos destes conhecimentos específicos e a influencia do vernáculo no desenvolvimento da arquitetura contemporânea. A questão é: a arquitetura vernácula pode ser exotizada?
O termo “exótico” tem sido frequentemente utilizado para referir-se ao que é diferente e até certo ponto desconhecido, uma linha que separa o “nós” dos “outros” e que comumente destaca e distancia as culturas e povos do hemisfério norte de tudo aquilo que está do lado “sul do mundo”. No caso da África, essa idéia de “diferenciação” ou inferioridade do povo e das culturas nativas foi freqüentemente utilizada como desculpa ou justificativa para a colonização de todo um continente. Em praticamente toda a África colonial, este descaso e até desprezo para com as culturas locais resultou em uma completa suplantação ou erradicação da identidade e dos modos de vida da população local, principalmente no que se refere à arquitetura vernacular. Paralelamente a isso, as sociedades colonizadas também viram suas identidades exploradas e exotizadas. A Exposição Universal de 1867 em Paris, por exemplo, viu a objetificação de muitas práticas e culturas não ocidentais.
E em que pé estamos hoje em relação a todas estas questões? Bem, atualmente, parece que ainda estamos lidando com muitas das questões colocadas por Kenneth Frampton em seu influente artigo sobre Regionalismo Crítico. O trabalho de escritórios de arquitetura como o atelier masōmī do Níger, nos oferece um ponto de vista bastante esclarecedor sobre como a arquitetura vernácula pode ser incorporada nos atuais processo de projeto e construção sem qualquer objetificação—como pode ser visto no projeto para o Complexo Religioso e Laico HIKMA na aldeia nigeriana de Dandaji. Devido a escassez de materiais de construção tradicionais locais, como a madeira, os arquitetos do ateliê masōmī optaram por inserir detalhes e elementos metálicos que procuram ressignificar a arquitetura vernácula tomada como inspiração. Ao longo de todo o processo de projeto e construção, estabeleceu-se um diálogo contínuo entre a equipe de atelier masōmī e os construtores locais.
A arquitetura vernácula pode sim ser exotizada, e tem sido assim por séculos. A exotização do vernáculo é um processo que se dá muitas vezes aleatoriamente, ao nos apropriarmos de seus símbolos e formas sem a devida diligência de examinar com cuidado e respeito o seu verdadeiro significado. Os povos sámi do Norte da Europa, por exemplo, viram suas estruturas em lávvu—casas portáteis em forma de tenda—assumirem as mais variadas formas nas mãos de muitos arquitetos e arquitetas ao redor do mundo. O artista e também arquiteto lapão Joar Nango, falou recentemente o que ele pensa disso. Para Nango, a arquitetura contemporânea que se apropria de símbolos sámi sem a devida compreensão de seu significado cultural, os esvazia de qualquer sentido. Algo semelhante tem acontecido com elementos da arquitetura vernácula dos povos nativos das ilhas do Estreito de Torres, na Austrália—evidenciando como a apropriação indiscriminada de elementos, motivos e tipologias alheias pode trazer mais problemas que soluções.
Outra maneira pela qual a arquitetura vernácula pode ser exotizada se dá quando estruturas tradicionais passam a ser exploradas para fins exclusivos e excludentes. Na África Subsaariana, por exemplo, onde existe um grande número de parques nacionais, estruturas vernáculas tradicionais estão se transformando em chalés de safári de luxo. Embora essas cabanas sejam projetadas e construídas de acordo com os sistemas construtivos tradicionais e materiais locais, ao servirem apenas a um turismo exploratório de luxo, as comunidades locais acabam sendo forçadas primeiramente a abandonar suas próprias casas e finalmente seu próprio território.
A medida que arquitetos e arquitetas continuam tomando o vernáculo como uma importante fonte de inspiração para a sua arquitetura, o engajamento com as comunidades e as culturas locais parece ser não apenas o melhor, mas talvez o único caminho possível.
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