Em seu mais recente relatório, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) afirma que o aumento da temperatura média global em 1,5ºC será essencialmente inevitável ao longo das próximas décadas. Embora tenhamos que aceitar e conviver com esta realidade, a questão agora é se seremos capazes de inverter esta tendência para evitar um acréscimo ainda maior—que é para onde estamos apontando hoje segundo o IPCC. O relatório informa ainda que, para limitarmos o aumento da temperatura global em apenas 1,5ºC, não poderemos superar em hipótese alguma, a quota das 420 gigatoneladas em emissões de gases do efeito estufa. Acontece que, de acordo com os cálculos do IPCC, se mantivermos o nosso atual passo em matéria de emissões, atingiremos esta meta com facilidade até o ano de 2030. Isso significa que precisamos eliminar com urgência o uso de combustíveis fósseis e investir amplamente na construção de usinas de energia de fontes renováveis para abastecer nossos veículos, casas e cidades.
Em escala mundial, edifícios são responsáveis por quase 40% das emissões globais de gases de efeito estufa. Dito isso, para minimizarmos o impacto negativo de nossas cidades no inevitável aquecimento global, será preciso reformar e adaptar a maioria dos edifícios existentes até o ano 2050. Além disso, todos os novos edifícios construídos a partir de 2030 deveriam ser neutros em níveis de consumo global de energia.
E esse é um dado bastante alarmante. Isso porque, para se ter uma idéia, de tudo aquilo que se constrói no mundo atualmente, estruturas projetadas e construídas como edifícios de consumo de energia zero não correspondem nem a 1% do total. Mas ainda há esperança. O Estado da Califórnia e a Comissão Europeia têm se esforçado muito para alavancar estes números, e espera-se que ao longo dos próximos anos centenas de milhares de edifícios existentes e novos passem a cumprir este critério.
Além disso, a partir de 2020, 28 das principais grandes cidades do mundo, incluindo Nova Iorque e Washington, DC, nos Estados Unidos, Medellín na Colômbia e Cidade do Cabo e Joanesburgo na África do Sul, as quais somam juntas mais de 125 milhões de habitantes, se comprometeram a bater a meta de balanço zero de consumo anual de energia até o ano de 2050.
Apesar de ser um ótimo exemplo, isso não será suficiente. Outras cidades, governos e países precisam se unir e juntar forças por um objetivo comum. Neste sentido, arquitetos, construtores, incorporadores e também fabricantes e fornecedores de produtos para a construção civil devem fazer muito mais para que possamos nos colocar no caminho certo.
Um dos principais componentes utilizados para promover um balanço de consumo energético positivo—o painel fotovoltaico (PV)—está ganhando força e popularidade a cada ano. No entanto, sistemas fotovoltáicos de produção de energia são apenas uma das muitas soluções possíveis ao nosso alcance hoje em se tratando de construir casas e cidades neutras em consumo global de energia.
Conforme procuro explanar em meu livro Good Energy: Renewable Power and the Design of Everyday Life, nossas casas precisam ser totalmente eletrificadas, eliminando por completo o uso de carvão e óleo, assim como de fornos e fogões a lenha ou a gás. Que as nossas residências sejam 100% elétricas significa que elas passam a depender apenas da eletricidade. O seguinte passo é que as nossas usinas de energia elétrica sejam todas de fontes renováveis. E isso é só o começo. Para reduzirmos ainda mais o consumo global de energia de um edifício, é preciso investir em equipamentos mais eficientes e de baixo consumo de energia bem como em sistemas de ventilação e iluminação natural e finalmente em soluções de isolamento e elementos de vedação de maior desempenho.
Em regiões de clima temperado, estratégias passivas podem ser um importante aliado dos arquitetos nesta batalha. O termo “casa passiva” se refere a um conjunto de estratégias que essencialmente transforma uma residência ou edifício em um estrutura extremamente eficiente em termos de conforto e consumo. Estratégias passivas consideram o movimento do sol, maximizando o ganho de calor no inverno e reduzindo-o no verão. Os mesmos mecanismos podem ser utilizados para promover a iluminação natural dos espaços interiores sem no entanto, resultar em um ganho de calor excessivo. Casas passivas devidamente projetadas e construídas registram uma economia no consumo global de energia em até 90% em relação a edifícios similares construídos de forma convencional, além de fornecer um espaço interior muito mais saudável. Outro dado importante em relação aos projetos de arquitetura que incorporam estratégias passivas, é que eles não necessariamente são mais caros que um projeto similar feito de forma convencional.
Em países de economia emergente localizados em regiões de clima tropical e subtropical—os quais provavelmente serão aqueles que mais sofrerão com o aumento da temperatura global—, casas, complexos de apartamentos e outros edifícios podem ser projetados para serem mais frios, desde que isso não implique em um aumento do consumo de energia pelos sistemas de condicionamento de ar. Outras estratégias passivas possíveis de serem incorporadas nestes casos incluem varandas profundas e saliências que protegem as fachadas e aberturas da incidência direta dos raios de sol; estruturas de massa térmica, que ajudam a extrair o calor dos espaços internos; e ventilação natural constante, o que favorece a sensação de conforto em regiões de clima quente. Edifícios ema altura podem utilizar o efeito chaminé ou sistemas geotérmicos para diminuir a temperatura dos espaços interiores. Bairros e loteamentos podem ser construídos de forma a favorecer a iluminação e a ventilação natural dos terrenos e casas. Estratégias passivas potencializam o fluxo constante de ar, o que melhora as condições de conforto e também salubridade no interior das casas.
E isso não significa que as inovações devem parar por ai. Arquitetos, empreendedores e construtoras assim como fabricantes e fornecedores de produtos precisam avançar em direção a uma maior padronização dos componentes e elementos construtivos. A pré-fabricação e a utilização de materiais locais pode ser uma forma de acelerar o processo de construção e reduzir a pegada dos novos edifícios, reduzindo também os custos de mão de obra. Somado a isso, a pré-fabricação de componentes e elementos construtivos em fábricas locais permitirá a criação de novos empregos além de promover a economia local. Utilizar elementos construtivos produzidos no local também reduz consideravelmente as emissões relativas ao transporte de materiais.
Quanto mais avançarmos em relação a uma arquitetura neutra em consumo global de energia mais rápido poderemos reduzir o tempo, o custo e o impacto da construção de novos edifícios no meio ambiente.
Embora a construção e reforma de edifícios com consumo de energia zero seja uma medida necessária para podermos minimizar as emissões do setor de construção civil, é preciso fazer muito mais. O verdadeiro desafio não está apenas em ter um balanço zero entre consumo e produção de energia, mas em construir estruturas e cidades capazes de criar um excedente energético que nos permita equilibrar o consumo global de energia no planeta.
Atualmente já existem alguns edifícios que produzem mais energia do que consomem. Mas isso não significa que eles produzem energia 24 horas por dia, muito pelo contrário. Em dias nublados a produção de energia solar cai consideravelmente, assim como o consumo energético no inverno é muito maior que no verão—por isso o balanço energético é calculado anualmente. Além disso, é importante que os edifícios estejam conectados na rede de abastecimento local, e que a mesma esteja equipada com um sistema de contagem em ambos sentidos: calculando quanta energia ela fornece para a rede e quanto ela consome ao longo do mesmo período.
Não parece assim tão difícil imaginarmos um futuro onde nossos edifícios serão sempre mais eficientes e alimentados por energia produzida majoritariamente por fontes renováveis. Comunidades e cidades inteiras operando em perfeita sincronia, redes descentralizas que apoiam umas as outras de forma a promover uma maior resiliência para lidar com os desafios do futuro. Cidades como Trent Basin em Nottingham, Reino Unido, operam hoje como pequenas usinas de energia, vendendo seu excedente energético a comunidades vizinhas, diminuindo a demanda global sobre a rede de energia além de reduzir os problemas causados pela intermitência das redes públicas de energia.
Comunidades como a de Nottingham são um ótimo exemplo a seguir, mostrando que é possível produzir energia localmente a partir de fontes renováveis. Promover a construção de novos edifícios neutros em consumo global de energia e adaptar nossas estruturas existentes para que as mesmas sejam mais eficientes, são algumas das estratégias que nos permitirão inverter a atual tendência que nos aproxima cada dia mais rapidamente de uma tragédia anunciada.