As técnicas vernaculares e os materiais locais têm ganhado protagonismo no debate da arquitetura, mas, é possível trazer esses conceitos para os grandes centros urbanos?
O arquiteto amazonense Severiano Porto já apontava em 1984 a necessidade de se pensar em uma arquitetura mais conectada com o lugar onde está implantada. A lógica do uso de materiais e técnicas locais cada dia mais se mostra necessária quando pensamos no impacto que a cadeia produtiva da construção civil têm no planeta. Não à toa, cada dia está mais comum o número de projetos que partem do princípio das técnicas vernaculares e do uso de materiais locais, assim como a produção de Severiano já anunciava desde a década de 1980.
Vamos tentar sacudir um pouco tudo que aprendemos e nos condicionamos a utilizar, para ver se conseguimos atirar longe conceitos de construção, soluções e espaços inadequados, substituindo-os com criatividade, segurança e coragem por outros adequados a nossa região [amazônica] para benefício das pessoas que aqui vivem e moram nas casas que aqui fazem. — Severiano Porto durante encerramento da Seminário 'Artes Visuais na Amazônia'
Ao mesmo tempo que funcionam como um resgate à cultura dos povos ancestrais, as técnicas vernaculares têm sido amplamente utilizadas para viabilização de projetos comunitários, como escolas, centros comunitários e outros tipos de infraestruturas de suporte à comunidade. Muitas vezes motivadas também pela dificuldade de acesso a recursos financeiros e materiais, e muito comuns em regiões mais pobres e afastadas dos grandes centros urbanos, o uso de materiais e técnicas locais varia de acordo com a localidade, porém, têm em comum a ideia principal de se utilizar aquilo que se tem de fácil acesso, aquilo que é fornecido pelo território.
Dos materiais mais vistos, e que também ganharam nosso imaginário no que diz respeito a projetos usando técnicas naturais, temos os diferentes tipos de solo, seja areia, seja argila, como é visto nos projetos da Escola em Gana / Alberto Figueroa, da Escola para Garotas Rajkumari Ratnavati / Diana Kellogg Architects e também da Casa do médico para Maji Moto / Studio TOTALE.
Há também uma variação nas estruturas secas, usando madeira, como é o caso da Jetavana / Sameep Padora & Associates, da Campus Busajo / StudioBenaim e da Escola Secundária Lycee Schorge / Kéré Architecture, e também usando bambu, como na Escola Secundária no Camboja / Architetti senza frontiere Italia.
Em outros casos há também o uso de fibras naturais, como é o caso do Jardim de Infância Zimbabwe / Studio Anna Heringer ou ainda da Vila projetada por Warka Water e Arturo Vittori. Por fim, as pedras naturais também são utilizadas, como é o caso do Himalesque / ARCHIUM que vai ao extremo com seu uso.
Essa lógica, porém, é difícil de ser amplamente aplicada, principalmente se pensamos nos grandes centros urbanos que já tiveram todo seu território natural destruído. Aí reside um importante desafio da arquitetura contemporânea: integrar essa mesma filosofia das técnicas e materiais naturais em uma grande metrópole consumida pelas urbanidades. Por um lado, um importante questionamento é se existe espaço, no modelo das cidades que temos atualmente, para tal integração.
Há uma escassez de terrenos vazios e materiais naturais nas grandes cidades, além de ser difícil também acessar mão de obra especializada, já que a mecanização e a alienação da mão de obra da construção civil convencional têm potencializado a perda e o isolamento dos saberes ancestrais em comunidades cada vez mais singulares. Por outro lado, a construção nos grandes centros aproxima-se dos métodos convencionais que impõem facilidades e economias na construção, ao mesmo tempo que se apóiam em materiais e técnicas que impactam negativamente o meio ambiente e a sociedade.
Tendo em vista as previsões sobre o futuro do nosso planeta, é fundamental pensarmos em mudanças na forma de construir as cidades e ocuparmos o território. Assim, é importante que se busque integrar os materiais naturais possíveis com as tecnologias disponíveis e acessíveis nas grandes cidades, como pode-se ver tanto no Centro Comunitário “Heart of Yongan” / TJAD na Vila Residencial Grotto Retreat Xiyaotou / A( )VOID, sem, porém, deixar de mapear os processos envolvidos nessas tecnologias, de forma a optar por aqueles que menos impactam, tanto localmente quanto globalmente.
Este artigo é parte do Tópico do ArchDaily: Materiais Locais. Mensalmente, exploramos um tema específico através de artigos, entrevistas, notícias e projetos. Saiba mais sobre os tópicos mensais. Como sempre, o ArchDaily está aberto a contribuições de nossos leitores; se você quiser enviar um artigo ou projeto, entre em contato.