Além do “turismo de experiência” e da arquitetura de entretenimento, construções efêmeras e temporárias também podem ser um terreno fértil para se testar novas ideias, soluções e tecnologias. Assumindo uma ampla variedade de diferentes tipologias e formas, desde estruturas emergenciais a instalações lúdicas, estruturas temporárias têm a capacidade de nos projetar no futuro, questionando as regras estabelecidas além de pôr à prova novas tecnologias e sistemas construtivos. Ainda assim, a arquitetura temporária muitas vezes é vista como um passo atrás em relação à sustentabilidade, por isso, a seguir discutiremos alguns dos principais valores da arquitetura efêmera seja como um veículo de experimentação de novas soluções e tecnologias seja como uma oportunidade para engajar comunidades.
O fascínio pela temporalidade de estruturas efêmeras não é uma descoberta da modernidade. Mas embora obras temporárias de arquitetura venha sendo exploradas pelo homem desde a antiguidade, talvez tenha sido na Grande Exposição de 1851 que a arquitetura efêmera elevou-se a outro patamar com a construção de uma das mais impressionantes obras de arquitetura efêmera: o famoso Palácio de Cristal de Londres—o qual cristalizou a ideia de que a modernidade pode ser expressa também através de estruturas temporárias. Nos anos 70, os metabolistas foram ainda mais além, questionando o conceito de durabilidade que parecia definir a arquitetura até então. O século XXI, por sua vez, foi o momento em que as exposições internacionais se proliferaram, tanto na forma de festivais quanto de feiras itinerantes que potencializaram ainda mais o desenvolvimento de estruturas efêmeras na arquitetura, que neste momento, mais do que nunca, parece estar se tornando um dos campos de atuação mais atraentes para arquitetos e designers ao redor do mundo.
Manifestando uma ideia
A duração limitada desse tipo de intervenção torna-se um álibi muito favorável para defender a execução de projetos altamente especulativos e ousados. Isentos de muitas formalidades e livres de tantas outras obrigações legais, certos projetos de intervenção temporária são capazes de abrir uma janela para o futuro, nos permitindo vislumbrar—ainda que momentaneamente—aquilo que está por vir no campo da arquitetura e do planejamento urbano. Seguindo esta linha de pensamento, em 2016 o MVRDV desenvolveu uma ousada instalação temporária na cidade de Rotterdam, inserindo uma escadaria monumental que conectava o espaço público de uma praça até a cobertura de um dos mais icônicos edifícios da maior cidade portuária do norte da Europa. A intervenção temporária foi uma forma bastante convincente de mostrar à população que uma nova forma de se pensar e ocupar a cidade era possível, uma iniciativa que catalisou uma onda de novos projetos de intervenção em espaços públicos e subutilizados da cidade. Apropriando-se dessa experiência, o MVRDV lançou recentemente um catálogo de ideias para projetos de ocupação de coberturas sub-utilizadas na cidade de Rotterdam.
Preservando lugares e atividades
Em outros casos, estruturas temporárias são construídas para compensar ou substituir outros edifícios por um determinado período de tempo. Com propósitos e o prazos bem definidos, estruturas temporárias de breve duração atentam a outros critérios, como a desmontagem e a reciclagem. Inaugurado recentemente na cidade de Paris para suprir a ausência do Grand Palais, fechado para reformas até 2024, o Grand Palais Éphémère foi concebido para abrigar alguns dos principais eventos culturais e esportivos que comumente tinham lugar no famoso palácio de vidro do século XIX. De forma muito similar, a estrutura temporária do Mercado de Shengli foi construída para substituir momentaneamente o Mercado Central de Puyang—que também passa por reformas. Ambas estruturas foram concebidas para serem montadas, desmontadas, recicladas ou reutilizados futuramente em outras construções.
Explorando novas tecnologias
Minimamente livres das restrições formais e legais que regulamentam a construção de estruturas permanentes, a arquitetura temporária é a oportunidade perfeita para pôr novas tecnologias e sistemas construtivos à prova. Nesse sentido, o Institute for Computational Design (ICD) e o Institute of Building Structures and Structural Design (ITKE) têm investido alto no projeto e construção de pavilhões experimentais para desenvolver novos sistemas e tecnologias aplicadas à arquitetura. Levando a nossa disciplina para além dos seus limites conhecidos, estas magníficas estruturas nos revelam todo o potencial de uma determinada tecnologia antes mesmo que esta esteja disponível no mercado.
Um veículo de desenvolvimento urbano
Um potencial precursor de inovadores projetos de desenvolvimento urbano, as intervenções temporárias no espaço de domínio público representam uma ótima oportunidade para testar e validar estratégias de renovação urbana, permitindo vislumbrar o potencial de uma determinada solução na regeneração de espaços públicos sub-utilizados ou negligenciados, consolidando a infraestrutura social de uma cidade. Pensando nisso, a Carlo Ratti Associati projetou uma série de intervenções urbanas temporárias para o Manifesta 14 em Pristina, Kosovo, explorando diferentes maneiras de recuperar o espaço público através de instalações espaciais efêmeras como parte de um projeto de re-desenvolvimento urbano participativo. Desta forma, os cidadãos serão convidados a participar e avaliar cada uma das intervenções, escolhendo finalmente quais delas deverão ser mantidas e consolidadas após a conclusão do evento.
Engajando comunidades
Em muitos dos casos vistos anteriormente, estruturas temporárias são concebidas com o principal objetivo de engajar pessoas, enriquecendo a experiência do espaço público e da vida em comunidade. O Plastique Fantastique, estúdio de design com sede em Berlim, é um escritório que atua principalmente no campo da arquitetura efêmera e espaços urbanos performáticos. Através de suas estruturas infláveis, eles criam espaços alternativos, proporcionando uma plataforma para o estabelecimento de diferentes atividades temporárias. Seu trabalho dá continuidade a uma linhagem iniciada pelo grupo experimental utópico Haus-Rucker-Co, cujas estruturas infláveis dos anos 1960 eram criações livres e descartáveis que brincavam - literalmente e metaforicamente - com os limites de um mundo que eles viam como sério, rígido e tedioso.
Concebidas originalmente como estruturas temporárias, ícones como a Torre Eiffel ou o London Eye tornaram-se marcos de referência em algumas das maiores e mais visitadas cidades do mundo. Por outro lado, projetos como o Pavilhão Alemão de Mies van der Rohe ou a Casa do Futuro dos Smithsons serviram em seu tempo como uma janela para o futuro da arquitetura. Esses exemplos, junto com seus equivalentes contemporâneos, são um ótimo exemplo do potencial perene de soluções e estruturas temporárias na arquitetura.