Observando rapidamente o continente africano, encontraremos uma enorme diversidade de padrões de assentamentos humanos, variando desde pequenos ambientes urbanos, enclaves rurais até extensas metrópoles. Sobrevoando este vasto território, podemos concluir também que muitas cidades africanas estão trabalhando para superar a lacuna histórica que as separa do resto do mundo—embora essa “evolução”, na maioria dos casos, esteja apenas acentuando as desigualdades estruturais que permeiam este continente de norte a sul. E esta dinâmica não é uma novidade, pois a aparência de muitas das cidades africanas ainda hoje é resultado de uma longa história de opressão e segregação.
Nairóbi e Dar es Salaam são duas das cidades onde ainda hoje o passado colonial se revela evidente quando caminhamos por suas ruas e calçadas. Nairóbi é a atual capital do Quênia e um dos maiores centros urbanos e comerciais do leste da África, uma cidade com muitas facetas e reconhecida por seus imponentes marcos arquitetônicos como a Torre do Parlamento, concebida por Amyas Connell em 1954, e o Centro Internacional de Convenções do Quênia, projetado por David Mutiso em 1977. Ambos edifícios, no entanto, foram inaugurados ainda na época em que vigorava o Plano Diretor de 1948, o qual formalizava a segregação entre povos de diferentes raças na capital e maior cidade do país.
A intenção dos administradores da colônia, era construir uma cidade onde os limites entre a população local e as autoridades coloniais estivessem bastante evidentes, com bairros bem arborizados, amplos e arejados para que os imigrantes europeus pudessem se sentir em casa. Esta política urbana discriminatória provocou a expulsão de muitos povos nativos de toda a região de Nairóbi, a qual tornou-se o principal destino dos imigrantes europeus por sua posição central e seu clima “mais ameno” em relação as demais regiões do país. A discriminação da população local não parava por ai, já que os quenianos só podiam trabalhar na cidade de Nairóbi com um contrato de trabalho temporário—e jamais permanente—o que os colocava sempre com um pé fora de uma cidade que agora virava as costas para seu passado, seu povo e sua cultura. Como resultado disso, diversos assentamentos informais foram surgindo às margens da cidade colonial.
A Nairóbi de hoje é uma cidade construída sobre as ruínas de uma sociedade fundamentada na segregação e desigualdade. Neste sentido, as áreas de renda mais alta da capital ainda são as mesmas de outrora, onde os europeus costumavam viver durante os anos de colonialismo. Estes bairros amplos e arborizados contrastam fortemente com as áreas que se desenvolveram a partir de assentamentos informais—o resultado direto de um planejamento urbano colonialista. Um dos exemplos mais emblemáticos é o bairro de Kibera, o qual faz fronteira com o Royal Nairobi Golf Course, um condomínio colonial originalmente construído em 1906. Aqui, todo o passado colonial e a história de lutas, segregação e desigualdade é resumido em uma única imagem.
Dar es Salaam é a cidade mais populosa da Tanzânia, que ao contrário de seu país vizinho, o Quênia, possui uma história silenciosamente diferente. Ainda assim, a segregação urbana do período colonial também deixou marcas indeléveis no tecido urbana da cidade, mas de uma forma muito mais sombria. A administração colonial, dividida entre os governos alemão e britânico, implementou uma série de decretos que estabeleciam limites baseados no “padrão de construção”, o que a primeira vista não parecia um problema mas que na prática se provou uma eficaz ferramenta de segregação racial.
O primeiro plano aprovado pela administração alemã em 1887 fez de Dar es Salaam uma cidade dividida em três grandes zonas com estilos de construção variados. A Zona 1, localizada junto à beira-mar, deveria receber apenas edifícios em “estilo europeu”; a Zona 2, que englobava uma área chamada de “Mnazi Moja”, estava liberada apenas para estruturas construídas em pedra em “estilo indiano e árabe”; enquanto a Zona 3, junto a área de Kariakoo, abrigaria as demais construções—majoritariamente edifícios temporários e precários. Embora em teoria o plano urbano de Dar es Salaam operava por uma separação por estilos arquitetônicos, na prática, a política urbana operou como uma radical ferramenta de segregação racial.
Com a passagem do território para as mãos dos colonizadores britânicos após o desfecho da Primeira Guerra Mundial, o plano foi redefinido, permitindo que os novos imigrantes europeus avançassem livremente sobre as demais zonas da cidade. A península e a Baía de Oyster, áreas com acesso direto à orla, foram rapidamente designadas de uso exclusivo da administração colonial, impondo um toque de recolher para que os africanos deixassem estes bairros após a jornada de trabalho. Com o fim da ocupação colonial do país, essas áreas passaram a cumprir um papel diplomático e hoje abrigam muitas das embaixadas além de residências de luxo—uma marca que não nos deixa esquecer o passado colonial do país e a política de segregação racial imposta sobre o seu território.
Atualmente, as cidades de Nairóbi e Dar es Salaam estão testemunhando a gênese de um novo fenômeno de auto-segregação, impulsionado pelo rápido crescimento de uma nova classe média. Estes dois centros urbanos parecem estar reproduzindo ou ressignificando o seu passado de opressão e desigualdade, mas seja como for, é importante termos em mente que a raíz do problema é, e seguirá sendo, o colonialismo que um dia lhes foi imposto.
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