Após a Segunda Guerra Mundial, o mundo buscava um recomeço e a população dos Estados Unidos, o lugar certo para viver o sonho americano. Passando por um amplo processo de desenvolvimento e crescimento populacional, porém com um estoque habitacional insuficiente, soluções rápidas e eficientes tiveram que ser inventadas da noite para o dia para poder suprir a paulatina demanda por moradia. Neste sentido, o surgimento de novas técnicas de construção e a popularização de materiais de construção industriais e pré-fabricados pareciam abrir caminho para um novo futuro mais digno e equitativo para todos.
Estudando a Evolução da Planta Residencial nos Estados Unidos dos pós-guerra, este artigo destaca alguns exemplos proeminentes que repensaram os layouts tradicionais através de um ponto de vista mais utilitário, impulsionando o acesso à moradia em uma escala jamais vista. Embora aquelas primeiras soluções não sejam as mesmas que costumamos ver empregadas nos dias de hoje, os estudos de caso apresentados à seguir destacam uma série de tentativas fracassadas, de sonhos utópicos e realidades nunca alcançadas. Espalhadas pelos quatro cantos do país, dentre estas curiosas propostas estão a famosa casa-bolha de Wallace Neff na Virgínia, as casas de Levittown além do já clássico—e demolido—projeto de habitação social Pruitt-Igoe em St. Louis, Missouri.
Casa-Bolha de Wallace Neff
No início dos anos 1940, Wallace Neff era talvez um dos mais conhecidos arquitetos entre as celebridades de Hollywood. Entretanto, construir casas luxuosas não era a sua principal preocupação. Neff estava em busca de uma solução que não apenas facilitasse o acesso à moradia em larga escala, mas que fosse capaz de reduzir consideravelmente os custos de construção. Pensando nisso, ele desenvolveu um sistema revolucionário através da pré-fabricação, uso de materiais locais e um design moderno, baixo custo e construção rápida.
Uma de suas principais invenções foi o Airform Construction, um tipo de solução construtiva pneumática que fazia uso de um balão inflável, o qual permitia concretar a estrutura de uma casa em apenas 48 horas. Em 1942, Neff liderou a construção de uma inteira comunidade de Bubble Houses na cidade de Falls Church, Virginia. Ao todo, o projeto consistia em dez unidades de bolha dupla e duas casas de bolha simples. Desenvolvido em parceira com o governo federal e concebido para alojar funcionários públicos do estado da Virgínia, este foi o primeiro experimento desenvolvido pelo arquiteto com a finalidade de avaliar todo o potencial de sua incrível invenção.
As casas maiores, de bolha dupla, tinham aproximadamente 100 m2 enquanto que as menores, de uma só bolha, contavam com 45 m2 de área útil. Nas primeiras, a umas das bolhas abrigava as áreas comuns enquanto que a outra, acolhia a área íntima da casa. As bolhas eram conectadas então por uma estrutura simples de telhado plano, a qual alojava a cozinha, o banheiro e o hall de acesso. A altura máxima no interior da bolha era de 3,35 m. Depois deste primeiro experimento, Neff foi contratado para construir casas bolha em Litchfield, Arizona, além de um edifício técnico e um dormitório na Loyola Marymount University. E de ai por diante a invenção de Neff se espalhou pelo mundo, com Bubble Houses construídas do Caribe ao Senegal.
De acordo com os relatos dos primeiros moradores das casas bolha de Neff, viver “dentro da bolha” era uma experiência de total isolamento do mundo. Isso porque a comunidade de Fall Church ficava em uma estrada muito escura no meio do nada, isolada do resto da cidade. Logo, morar na “vila dos iglus”, como ficou conhecida a vila das bolhas, passou a ser um problema: todas as casas eram iguais, brancas, verdes e em forma de bolha.
Além de seu aspecto formal, o dia-a-dia na vila das bolhas revelou-se bastante problemático para os seus moradores: quartos redondos com paredes côncavas eram espaços muito difíceis de mobiliar e impossíveis de pendurar um quadro. Interiores húmidos facilitavam a propagação de mofo e fungos enquanto a falta de divisórias fazia da privacidade um problema sem solução. Eventualmente, essa estrutura extremamente funcional, fechada em si e desconectada de seu contexto específico, acabou caindo por terra. Atualmente, não há mais nenhuma casa bolha de pé nos Estados Unidos, com exceção da própria casa do arquiteto, que Neff dividia com seu irmão.
O modelo suburbano Levittown
Foi durante a mesma época do pós-guerra, e enfrentando os mesmos desafios, que William J. Levitt desenvolveu um novo conceito de expansão urbana, o qual ainda hoje é tido como uma referência para os subúrbios americanos. Operando entre 1947 e o final dos anos 1960, a empresa Levitt & Sons foi responsável por executar oito empreendimentos habitacionais nos Estados Unidos, sendo o primeiro em Nova Iorque (1947-1951), passando pela Pensilvânia (1952-1958), Nova Jersey (1958), Porto Rico (1963) ), Maryland (1963/1964/1970) e finalmente pela Virginia (1968). Lewitt foi um dos primeiros arquitetos a enxergar o enorme potencial dos subúrbios americanos, e através de sua empresa de arquitetura e construção ele oferecia um amplo catálogo de unidades habitacionais pré-fabricadas, rápidas de construir e a custos relativamente baixos.
Em seu primeiro estudo de caso, desenvolvido na cidade de Nova Iorque entre 1947 e 1951, a empresa Levitt & Sons construiu 17.000 unidades habitacionais de tipologia semelhante, com apenas com algumas pequenas variações sutis de acabamento. De fato, ao longo de toda a sua história, a Levitt & Sons desenvolveu apenas seis tipologias, variações de um mesmo tema que foi sendo aprimorado com o passar dos anos. A estandardização permitiu estabelecer um processo de construção bastante simples, como numa linha de produção. Foi Bill Levitt quem disse a famosa frase “não construímos casas, nós as fabricamos.”
Ao observarmos a planta padrão das casas construídas pela Levitt & Sons, podemos facilmente distinguir algumas das características mais marcantes das casas modernas de meados do século, as quais eram ligeiramente maiores e mais confortáveis que as casas populares da primeira metade do século XX. De certa forma podemos ver, ainda que incipiente, a ideia de planta integrada, com a valorização dos espaços sociais da casa. Segundo a lógica do momento, as áreas de serviço e a cozinha eram bastante compactas porém, totalmente equipadas com os mais modernos equipamentos e eletrodomésticos. Outra característica que nos chama a atenção são as grandes aberturas, as quais fornecem ampla iluminação natural além de privacidade, devido ao padrão de implantação das casas nas áreas de vizinhança.
Muitas vezes, as pequenas casas de telhado inclinado das Levittonwns eram decoradas como os antigos ranchos ou casas de final de semana, fazendo uso de materiais locais e naturais, como madeira e tijolo. O piso radiante de concreto era geralmente coberto por um carpete. Além disso, para reduzir custos de acabamento, a Levitt & Sons fazia pleno uso de materiais industriais e acessíveis.
Entretanto, na prática nem tudo funcionava como o prometido, principalmente em relação ao acesso universal à moradia digna—devido especialmente à descarada política de segregação racial praticada pelos parceiros da Levitt & Sons. E mais do que isso, estes projetos acabaram sendo amplamente contestado por se recusar explicitamente a vender casas para famílias negras. Para piorar ainda mais a situação, algumas das leis aprovadas nos condomínios Levittown regulamentavam toda sorte de coisas, o que fazia da vida dos seus moradores um verdadeiro inferno. E embora muitas destas antigas normas de conduta já não sejam mais válidas, os condomínios construídos pela Levitt & Sons ainda são caracterizados por uma uniformidade econômica, social e racial esmagadora.
O mito da culpa em Pruitt Igoe
No outro oposto, o Projeto Habitacional Pruitt-Igoe foi originalmente concebido para abrigar famílias de renda média-baixa e baixa. Ele nasceu como uma espécie de ferramenta social cunhada pelo governo americano ainda no início dos anos 1950. No entanto, depois de uma série de erros catastróficos por parte da administração pública, Pruitt-Igoe foi completamente implodido pouco mais de 20 anos após a sua inauguração. Em nosso recente artigo: Clássicos da Arquitetura: Projeto Habitacional Pruitt-Igoe, procuramos revisar e analisar a história deste controverso projeto de Minoru Yamasaki, desde o seu início até a sua completa derrocada no início dos anos 1970.
O projeto de Pruitt-Igoe foi desenvolvido de acordo com as principais premissas da arquitetura moderna: edifícios isolados em meio a áreas verdes; amplas áreas de circulação que funcionavam como espaços de encontro e socialização, varandas e áreas abertas, áreas de serviço compartilhadas além de unidades duplex com elevadores paternoster; sem mencionar o “rio” que deveria serpentear em meio a um exuberante jardim paisagístico projetado por Harland Bartholomew. O arquiteto-responsável, Minoru Yamasaki, buscou inspiração na tipologia de casa geminada, que segundo ele, estava mais próxima da escala humana do que blocos autônomos e isolados. As diferentes plantas de piso mostram o desejo do arquiteto de disponibilizar uma ampla gama de diferentes organizações, com apartamentos para todo tipo de famílias. Desta forma, a tipologia elementar de Pruitt-Igoe era composta por duas unidades de “final” e “meio" (a qual continha os elevadores). As tipologias maiores, então, eram variações deste mesmo tema—com mais unidades de “meio”.
Infelizmente, a proposta inicial apresentada por Yamasaki não foi aprovada pela Administração de Habitação Pública (PHA)—principalmente devido a cortes no orçamento. Com isso, o projeto original teve de ser completamente revisado, com perdas significativas na área total do lote, a diminuição substancial da área útil construída e consequentemente, do número total de unidades. Além disso, foram cortados do projeto alguns serviços importantes, como os banheiros e áreas de convívio do térreo. Para piorar, a execução do projeto deixou muito a desejar, com uma série de detalhes mal resolvidos, incluindo o projeto de paisagismo e a própria pintura das paredes de concreto das escadas e áreas de circulação, além da ausência de isolamento térmico e mosquiteiros nas varandas.
Como já era de se esperar, devido a considerável redução das unidades habitacionais, os aluguéis aumentaram rapidamente para cobrir os custos de manutenção de um condomínio que deveria ser dividido entre um número muito maior de famílias. As despesas de manutenção e outros serviços públicos tornam os valores dos aluguéis impraticáveis. A situação tornou-se completamente caótica antes mesmo de que as obras no local fossem concluídas. Consequentemente, a administração pública acabou desistindo de investir mais dinheiro e o projeto ficou largado pelo caminho.
Embora a má fama de Pruitt-Igoe quase sempre seja associada ao projeto arquitetônico em si, sua derrocada se deve mais ao contexto político e social do que as escolhas do arquiteto. A solução encontrada foi, portanto, a implosão de todo o complexo. “A demolição é assumida sempre que somos incapazes de resolver problemas de cunho social, quando na realidade, ela apenas piora ainda mais as coisas.”¹ É urgente superarmos a crítica injustamente atribuída ao projeto arquitetônico de Pruitt-Igoe e analisarmos de uma forma mais abrangente o contexto político e social no qual foi construído, ocupado e implodido.
¹ Rosero, Verónica (2017). Modernity, guilty? The role of architecture in social housing. Pruitt-Igoe as a symbol. Rita n°8, pp. 126-135.
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