"Projetando uma casa para as árvores", como ele diz, Stefano Boeri está trabalhando em todo o planeta, exportando sua abordagem com as árvores do México para Shenzhen. Construindo todo um ecossistema, ao invés de apenas uma fachada verde, o arquiteto compreende a necessidade de redefinir nossa relação com a natureza, especialmente nas cidades.
Christele Harrouk, do ArchDaily, teve a oportunidade de entrevistar o arquiteto em Eindhoven, durante a inauguração da Trudo Tower, o primeiro projeto de habitação social de Stefano Boeri, em colaboração com Francesca Cesa Bianchi, sua sócia no Stefano Boeri Architetti, Laura Gatti, botânica e consultora, e Paolo Russo, responsável pelo projeto. Discutindo principalmente sua abordagem com a natureza, a qualidade ambiental e sua perspectiva aplicada ao redor do mundo, a conversa também abordou às quatro florestas verticais em andamento na Europa Ocidental: a primeira que acaba de iniciar em Utrecht, uma segunda em Bruxelas, um edifício em Eindhoven, e uma última em Antuérpia.
ArchDaily (Christele Harrouk): Primeiro, você pode nos falar sobre sua abordagem nas florestas? Como isso se tornou sua assinatura?
Stefano Boeri: Não é fácil voltar a um momento específico, de quando comecei a cultivar este tipo de obsessão pelo verde, e como unir plantas, florestas e cidades. Basicamente, eu sempre fui extremamente distraído pelas árvores. Penso que elas são uma população de indivíduos sobre os quais não sabemos muito, como elas se comunicam, por exemplo, sua inteligência ou sua capacidade de envolver insetos e outros animais em suas vidas. Isso estava meio implícito em minha formação pessoal e em minha arquitetura, mas comecei a concretizar essa percepção há 20 anos, em Milão, com um projeto que buscava criar uma floresta orbital suburbana em toda a cidade.
A ideia surgiu por volta de 2003-2004, mas foi colocada em prática em 2006. Em colaboração com a província de Milão, plantamos 350.000 árvores em três anos. Naquele mesmo momento, ninguém falava em florestamento. E naqueles anos, enquanto eu lecionava no GSD, discutia muito com os alunos sobre o crescimento de Dubai. Na verdade, eu estava em Dubai quando comecei a imaginar a ideia de um edifício alto com árvores e provavelmente — mas digamos esta é minha explicação secundária, foi também esta erupção paradoxal de fachadas de vidro por toda parte no deserto, que provocou a visão de algo totalmente diferente.
Depois dessa viagem, quando voltei a Milão, fui abordado pela primeira vez para projetar um edifício de porte médio em Isola, uma das três partes do projeto Porta Nuova, agora completamente finalizado. Após pensar bem, voltei a conversar com os incorporadores, dizendo que adoraria fazer um arranha-céu com árvores. É claro, eles me disseram que eu estava louco e seria impossível cultivar árvores àquela altura, além de ser muito caro e que o layout dos apartamentos seria bastante complicado. Eles me deram uma lista de perguntas incisivas e técnicas para ver se eu estava em condições de responder.
Bem, isto foi um sonho, mas por que não?
Comecei a trabalhar prontamente com um botânico, engenheiros de estruturas, etc. e preenchemos a lista com respostas muito convincentes, que nos permitiram iniciar o projeto. Esse foi o início da floresta vertical. Toda a ideia se baseia em considerar as plantas como componente de nossos edifícios, e não como uma decoração.
Logo no início, houveram demasiados problemas técnicos. Primeiro, foi o vento, depois a irrigação, a seleção das plantas, a manutenção, etc., mas, passo a passo, tentamos resolver todos os desafios. Depois, houve também a crise financeira de 2008, em que a construtora encarregada do projeto entrou em colapso. Reiniciamos as obras em 2012, naquela época, as primeiras plantas começavam a ser transferidas do Jardim Botânico para a construção, embora o edifício estivesse pronto apenas em outubro de 2015. Na verdade, isso significa que temos quase 10 anos de experiência em como as árvores vivem em diferentes condições.
AD: Muito ceticismo permeia sua abordagem. O que você pode nos dizer sobre isso?
SB: Depois que o primeiro Bosco Verticale estava pronto, começamos a estudar e monitorar a estrutura. O IIT Chicago foi o primeiro centro a pesquisar a produção e emissão de CO₂, depois disso, muitos outros centros participaram, vindos de todo o mundo. É verdade que havia um ceticismo extremo em torno de nós, as pessoas afirmaram que dentro de 2 anos 80% das plantas estariam mortas, as raízes destruiriam completamente o concreto, que teríamos problemas de umidade e que as árvores atrairiam muitos insetos. Além disso, as pessoas falavam em vertigens, e que seria impossível ter varandas a 50, 55, e 60 metros de altura. Na realidade, as árvores deram uma sensação de calma e serenidade. Com Laura Gatti, tínhamos selecionado tipos específicos de plantas, portanto, não sofremos nenhum problema relacionado a insetos.
Eu acho que daqui a 50 anos o edifício se tornará uma selva. A natureza irá progressivamente tomar conta do edifício. Não é tão ruim assim, né?
AD: Como a qualidade ambiental se tornou parte integrante de seu trabalho e onde você encontrou inspiração?
SB: Honestamente, a consciência da necessidade de tornar nossa cidade mais verde, veio um pouco mais tarde. As pessoas me perguntam de onde veio a inspiração inicial. Para mim, a inspiração está em toda parte. Posso me lembrar do "Barão nas árvores" de Ítalo Calvino em 1957, Joseph Beuys que plantou 7000 carvalhos sobre a cidade e mudou o espaço, e Friedensreich Hundertwasser, que veio a Milão em 1972, andou pelas ruas dizendo "as árvores são nossos parceiros".
AD: Do México a Shenzhen, as pessoas estão buscando suas propostas. Como você explica o sucesso dessa abordagem e também sua universalidade?
SB: Não creio que se trate especificamente do Bosco Verticale. Na minha opinião, as pessoas buscam uma nova proximidade com a natureza. Também está relacionado ao que aconteceu nos últimos 18 meses com a Covid, além de também um fator psicológico, com a sensação de serenidade que as plantas podem oferecer. A outra coisa que prevalece é a demanda por ter espaços ao ar livre. Esta é a razão, pela qual estamos trabalhando tanto com coberturas nas cidades.
As coberturas provavelmente desempenharão o mesmo papel que os pátios desempenharam há 50, 60 anos, um lugar coletivo semi-privado, semi-público, onde os inquilinos podem se reunir.
É surpreendente que nos últimos séculos tenhamos tratado a natureza, como algo que estava fora de nós, fora de nossos corpos, fora de nossas casas, e de repente entendemos haver um microorganismo em nós. Isso provavelmente criou um forte choque coletivo. Nossa relação com a natureza precisava ser completamente redefinida. Esta exigência de proximidade com a natureza é também uma reação a isso.
AD: Sobre seu processo de trabalho, como você lida com cada projeto? Você mencionou que você começa a partir da árvore/ contexto e não da arquitetura. Você pode nos dizer mais sobre isso?
SB: Sim, partimos da árvore, mas pela razão muito simples de que, como temos a fachada verde, onde cada espécie tem seu habitat, tudo precisa atender às necessidades destas espécies de plantas. Isso significa que a seleção de plantas e árvores é uma referência básica, ou digamos, a principal referência para nosso projeto. É claro que a seleção de plantas é condicionada pelo clima, então eu diria condições e contexto, como primeiro passo. O segundo passo envolve a seleção de plantas e árvores verdes, com a ajuda de botânicos. Nesse preciso momento, começamos a pensar em cores, composições, etc.
Muitos críticos sugerem que estamos escondendo o edifício porque o estamos cobrindo com vegetação. Mas para mim, as plantas fazem parte dele, elas não são um tipo de decoração que você pode usar para camuflar.
AD: Após 6 anos do Bosco de Milão, o que você aprendeu com essa experiência e o que você está alterando em novos projetos?
SB: Cada edifício é diferente. É verdade que também temos que responder às solicitações específicas do cliente, mas cada vez que tentamos dar um passo à frente, aprendemos com os erros e pensamos em novas soluções.
Agora, quando você entra em um apartamento, percebe que o nível do solo é diferente. Às vezes você tem os troncos começando nos pavimentos mais baixos, às vezes possuímos cápsulas em conexão direta com a janela, etc. Há cerca de três ou quatro maneiras diferentes de estar próximo às plantas. Em Milão, quando começamos, tínhamos apenas duas configurações. A variedade de abordagens possibilita uma relação muito mais rica com as plantas. Por outro lado, desenvolvemos recentemente um sistema de pré-fabricação para nosso projeto em Eindhoven, que poderia ser considerado uma referência muito útil para outros incorporadores e arquitetos, ao criar edifícios de habitação social verde, em todas as partes do mundo.
AD: É mais que apenas uma fachada verde. Você está construindo todo um ecossistema. Qual seria o resultado mais importante ao ter árvores na fachada? Quais são as consequências e vantagens observadas?
SB: Muitas. Um, durante o verão, o edifício consegue reduzir a temperatura e diminuir o calor na fachada. Na verdade, a sombra das folhas altera de forma drástica, como o prédio é atingido pelo sol. Em agosto, por exemplo, não é preciso nem usar os aparelhos de ar condicionado. Há muito mais vantagens gerais, como micro partículas de poeira, poluição, etc. Além disso, por exemplo, há mais de 20 espécies diferentes de aves nidificando na floresta vertical. Você sente que faz parte de algo maior, de todo um ecossistema. As pessoas que vivem ali, nas proximidades das plantas, também podem ver sua cidade de uma maneira diferente, através deste filtro verde de folhas. É tão incomum, que muda sua perspectiva.
Penso que fizemos muito nesses 20 anos para entender como projetar e produzir dispositivos técnicos, que nos ajudam a emitir menos CO₂. Entretanto, se queremos absorver o CO₂ que já estamos produzindo, precisamos de plantas e da fotossíntese, e isso é um grande motivo para multiplicar o número de florestas em nossas cidades.
AD: Voltando aos projetos, você acaba de inaugurar seu primeiro projeto de habitação social em Eindhoven — a floresta vertical de Trudo. Como começou este empreendimento? Como este projeto está contribuindo para a cidade de Eindhoven?
SB: Começou com uma reunião com Jack Hopkins, um visionário, que já estava presente em Eindhoven no início da regeneração deste poderoso centro industrial, outrora o lar da indústria Philips. Phillips fez parte da história da Europa, no século passado, e o que temos ao redor de Eindhoven é ao mesmo tempo, a concentração da alma do antigo assentamento, e a total recuperação do espaço e do estilo de vida. É um exemplo surpreendente de regeneração, e fui extremamente atraído pela ideia de fazer aqui uma floresta vertical de habitação social. O contexto cultural e físico é muito dinâmico.
AD: Quão diferente foi criar habitações populares em comparação a um edifício residencial de luxo em Milão? Como você conseguiu reduzir os custos?
SB: Essa se tornou minha obsessão. Como tornar as ideias realmente eficientes, em um momento em que todos pediam por isso. Basicamente, foi a seleção e uso de materiais, um estudo muito articulado e profundo sobre pré-fabricação, e o corte do custo de manutenção com abordagens como as floreiras suspensas.
AD: Para Antuérpia, quais são as particularidades da floresta vertical? O que a torna especial e diferente? Também em Utrecht, você começou a construir sua primeira floresta vertical de uso misto, a Wonderwoods. O programa está mudando e se adaptando, como o projeto está se transformando?
SB: Temos quatro projetos nesta parte da Europa, neste ambiente próximo, onde é tão fácil se deslocar de uma cidade para outra. Em Eindhoven, criamos nossa primeira habitação social. Na Antuérpia, temos um edifício muito simples em forma de L, onde tivemos a oportunidade de trabalhar nas coberturas. Na verdade, conseguimos ter um número bastante grande de árvores, cerca de 80 mudas no telhado, para criar um lugar-comum para os inquilinos. Este projeto foi inicialmente concebido como uma habitação social, mas durante o processo o proprietário decidiu alterar o conceito, mas mesmo assim, os preços se mantêm bastante justos. Outra característica interessante da Antuérpia é a geometria variável possibilitada pelas porta janelas de vidro, que mudam facilmente as dimensões do espaço. Por outro lado, em Utrecht, está em construção o primeiro programa de uso misto, enquanto em Bruxelas, estamos experimentando, ao acrescentar uma fachada verde a um prédio de escritórios já existente.
Em termos de projeto, nós temos uma identidade, mas não estamos obcecadas por ela. Na verdade, no momento em que você começa a considerar a natureza como um componente de seu trabalho, tudo é possível.