A casa original é para onde retornamos em tempos de crise. Ela é uma ficção móvel, quase como uma utopia invertida. O espelho perfeito do futuro inalcançável, não porque é passado, mas porque é um ponto de partida criado para dar sentido a esse mesmo futuro utópico. A casa original pode ser muitas coisas. O útero, a caverna, a cabana, a roupa, a tenda, a terra. Mas ela é antes de tudo a história que contamos sobre nós mesmos para nos sentirmos menos perdidos no processo de expulsão desse primeiro local de identidade. Lançados no mundo, ficamos numa constante busca de um lugar que faça sentido, um lar.
Não, a cidade não é a nossa casa. A cidade não é a soma das casas. A cidade é o fato contra o qual vivemos. É o compartilhamento difícil. Assim também é nossa relação com a natureza, que se em um momento idílico nos abriga e nos provê, no início da vida humana nos ameaçava e nos proibia. Ainda absortos na destruição de um mundo que conhecíamos, e tendo o dia seguinte absolutamente enublado por um vírus invisível, nossa vontade é acender um fogo e dar um sentido umbilical à existência.
Como tema da CasaCor deste ano, a casa original é o desafio colocado para os mais de 50 escritórios convidados, dentre os quais muitos participando pela primeira vez. Como é de se esperar, notamos uma linha de força, um caminho traçado pelos fragmentos das hipóteses formuladas em cada um dos ambientes projetados. Observamos, antes de mais nada, a superação de um minimalismo atávico de acentos industriais que pautou a arquitetura de interiores de anos anteriores. Irônico, portanto, que essa superação tenha se dado exatamente na cobertura de um edifício-garagem que observa plácido às três imponentes chaminés da Casa das Caldeiras, lembranças do bairro industrial da Pompéia. O inacabamento do industrial dá lugar à rusticidade do natural.
Vimos, além disso, um uso intenso de cores terrosas, paredes caiadas ou mármores rajados estruturando as superfícies das salas, quartos e banheiros. Ainda que esteja no gosto dos projetistas o uso de pedras sintéticas, predominam os materiais naturais, e nacionais. Segundo Pedro Ariel, que participa do conselho curador ao lado de Lívia Pedreira (presidente do conselho) e de Cris Ferraz, essa foi a edição com menos itens importados, a mais brasileira das CasaCor.
Uma profusão de pisos de madeira, cerâmica, tapetes de cizal ou algodão, blocos de argila e painéis de taipa, pedras, fibras naturais, água e vegetação parecem reimaginar um país em crise. Buscando dar sentido ao lugar onde moramos.
Pedro também lembra que "todos os caminhos levaram a uma busca da essência, das nossas raízes, da nossa ancestralidade, como uma cura, uma resposta aos excessos que estávamos vivendo."
Mais consciente de sua história e ambientalmente responsável, esta edição faz uma ação social que pretende doar os materiais de desmontagem para reformar de moradia no Jardim Colombo, na zona oeste de São Paulo. Apoiando o projeto “Fazendinhando“ de Ester Carro, os espaços simulados da mostra poderão construir espaços reais, transformando a imaginação em possibilidade de um “outro lugar”. A seguir, veja alguns dos espaços que valem a visita.
Ambientes imperdíveis
Casa LG ThinQ / Estudio Guto Raquena + Pax Arquitetura
A pequena casa foi rapidamente montada a partir de placas de compensado naval de pinus, usinadas em CNC, que se encaixam gerando um canteiro limpo e sem perda material. A cobertura de telha de fibra natural envelopa o volume prismático, e protege um aconchegante chalé no coração da exposição.
Casa Olaria NJ+ - / Nildo José
A casa, segundo espaço do circuito da mostra – é um gentil convite à materialidade. A paleta suave de cores terrosas compõe uma sequencia de texturas que modulam a luz e o espaço, permitindo uma oportuna gradação entre o pátio e a suíte master.
Espaço Agô / Gabriela de Matos
O espaço de boas vindas da CasaCor transpira ancestralidade. Com uma potente composição de cores e materiais, o Espaço Agô conta uma história sobre nossas raízes afro-brasileiras e indígenas, casa original de nossa brasilidade.
Para saber mais: confira a entrevista realizada sobre o espaço com a arquiteta, clicando aqui.
Ateliê Deca / Leo Romano
O impressionante pavilhão de madeira e cobertura translúcida evoca o minimalismo oriental, porém relido em escala monumental. O mesmo contraste pode ser visto nos delicados espelhos d`água da área externa pontuados por esculturas brancas com detalhes dourados.
Casa Alma Duratex / Melina Romano
Um dos espaços mais gentis da CasaCor, essa casa traz para dentro elementos naturais como o vento, a luz, o verde e especialmente o purismo de pedras e bancadas, que parecem brotar da terra para construir espaços de trabalho, descanso, limpeza e intimidade.
Espaços de destaque
Além desses ambientes citados, vale a pena conhecer três propostas que discutem mais intensamente o telúrico: O Estúdio Terra, de Beatriz Quinelato, e sua busca obsessiva pela “terrosidade” dos materiais; o Ateliê de Taipa, da Buriti Arquitetura, que apoia gentilmente uma escultórica parede de taipa atrás de um sofá; ou a Casa Ninho, do SP Estudio, que emula uma selva particular vigiada por uma estonteante tapeçaria de Alex Rocca.
Por fim, destacamos três espaços que abandonaram qualquer busca por um retorno às origens da casa, mas enveredaram, abusadamente, pelas origens incontroláveis do inconsciente, à moda surrealista.
O Living Galeria, de Ana Weege, explora o convívio do elétrico com o ancestral, apostando em uma ironia pop. Já o Living Apartamento, de Paulo Azevedo, inunda uma pequena sala de sedas e veludos, pontuados por quadros aristocráticos e deslocamentos decorativos, como no busto greco-romano ao lado de fotos dos anos 1930, ou os puxadores de estrelas douradas de uma porta que vai a lugar nenhum. Por fim, o que vemos no Estúdio Liberdade, de Pedro Luiz de Marqui, é uma salão que separa sala de quarto por um painel de vidro martelado de diversas cores, estátuas de animais de estilo vitoriano, esculturas de profusão plástica, além de pontos de cor potentes, como a luminária em azul Klein e mármore bourdeaux do banho.
SERVIÇO
CASACOR São Paulo 2021
Onde: Parque Mirante, na Rua Padre Antônio Tomás, 72, anexo ao Allianz Parque.
Quando: de 21 de setembro a 15 de novembro de 2021
Horário de funcionamento: Terça a Domingo das 12h às 22h
Bilheteria digital: https://casacor.byinti.com