O Kiribati possui uma população de cerca de 110 mil pessoas e sua economia é centrada na pesca e agricultura. Composto por 33 ilhas no Pacífico Central, seu ponto mais alto tem apenas 81 metros, o que o configura como o primeiro país que poderá desaparecer completamente por conta do aquecimento global e o consequente aumento do nível dos mares. A crise climática é um tema muito debatido nos últimos anos e termos como pegada de carbono, efeito estufa, aerossóis atmosféricos, entre muitos outros, já figuram em nossos vocabulários. Outro termo muito falado é “Net zero”, ou emissão líquida zero, utilizado como uma meta para edificações a indústrias e países. Resumidamente, significa que o balanço energético é zero.
Como preconiza o Acordo de Paris de 2015, assinado por diversos países na COP 21, o mundo precisará zerar as emissões líquidas até o meio do século se quiser ter chance de estabilizar o aquecimento global abaixo de 2º C. E ainda que nos venha à cabeça a fumaça preta saindo das fábricas ou de caminhões como os grandes vilões, a indústria da construção é personagem importante nestas emissões. Segundo o World Green Building Council, o setor é globalmente responsável por 36% do consumo de energia, 38% das emissões de carbono relacionadas à energia, 50% do consumo de recursos e espera-se que esta pegada dobre até 2060.
Para os edifícios, ser líquido zero em energia significa, em termos simples, produzir o que pode ser consumido no prazo de um ano. Se incluirmos o carbono, o raciocínio é o mesmo: o objetivo é consumir ou absorver todo o carbono emitido durante a construção e operação, que além da energia utilizada, vai cobrir o que foi emitido pelos materiais. De acordo com o WGBC, a definição de uma construção de carbono zero líquido é aquela que é “altamente eficiente em termos de energia e alimentada por fontes de energia renováveis no local e / ou fora do local, com qualquer saldo de carbono remanescente”.
Um conceito simples, mas não tão fácil de se implementar. Como é possível alcançar essa meta com ações concretas durante o processo de projeto e na escolha das soluções, materiais e produtos? É realmente possível atingir esse objetivo, ou pelo menos chegar mais perto dele para construções novas e renovações? Apontamos abaixo 7 pontos a se levar em conta para contribuir para este objetivo global?
1. Aplicar os conceitos da Arquitetura Bioclimática
Por mais redundante que possa ser, fazer o uso da Arquitetura bioclimática e de conceitos passivos é componente chave para atingir uma edificação net zero. Ao conceber projetos conectados ao clima local e ao contexto, isso tende a uma economia energética. Isso quer dizer utilizar o máximo possível de iluminação natural durante o dia, ao mesmo tempo que balanceando com as perdas de energia térmica. Orientação das esquadrias, proteções solares bem calculadas e materiais absorsivos e reflexivos nos pontos certos fazem com que a edificação possa aproveitar-se passivamente dos recursos naturais, conforme as necessidades de cada contexto.
2. Fornecer energia renovável no local, sempre que possível
No cerne do conceito está a ideia de que os edifícios sejam capazes de suprir todas as suas necessidades de energia a partir de fontes renováveis de baixo custo, disponíveis localmente e não poluentes. Isso quer dizer a utilização do sol, através de painéis fotovoltaicos ou painéis de aquecimento de água, por exemplo. Ou mesmo a utilização de sistemas eólicos locais ou outras fontes de energia renováveis se possível. Como se calcula anualmente, o edifício pode utilizar a rede para exportar o excedente de energia, o que pode ser compensado no período em que o edifício não esteja gerando energia. Mas isso não quer dizer que todos os edifícios deverão ser enormes usinas de energia. A eficiência energética é o conceito chave neste caso.
3. Utilizar equipamentos e iluminação eficientes
Ao lidarmos com geração de energia, é impossível não falarmos de eficiência energética dos eletrodomésticos e da iluminação. Se abordamos equilíbrio entre geração e consumo, reduzir as perdas e melhorar a eficiência dos equipamentos presentes na edificação é vital. Isso significa gerar a mesma quantidade de energia com menos recursos naturais ou obter o mesmo serviço com menos energia. Portanto, a escolha de equipamentos de alta eficiência tais como iluminação, refrigeração, HVAC, etc., bem como suas outras instalações, como instalações, equipamentos, ferramentas, máquinas, entre outros, fará com que menos energia elétrica seja necessária.
4. Prestar atenção na envoltória da edificação
Além de gerar energia ou evitar fontes prejudiciais, é imprescindível que o edifício seja eficiente. Uma envoltória bem desenhada é importante para que a edificação aproveite da melhor forma possível o contexto em que ele está localizado. Por exemplo, em uma região fria, uma casa com um bom isolamento térmico deverá perder pouco calor para o meio ambiente, reduzindo a demanda por aquecimento. Em locais com grande amplitudes térmicas, trabalhar com a inércia térmica pode ser vantajoso, fazendo com que as paredes e tetos possam armazenar calor e liberá-lo quando necessário. Em áreas quentes, a envoltória pode permitir a ventilação e o resfriamento dos espaços, diminuindo a necessidade de resfriamento, bem como o isolamento térmico pode evitar grandes necessidades de refrigeração dos espaços interiores por conta do calor que entra através da envoltória. Ou seja, ao aumentar a eficiência energética de uma envoltória, isso implicará a uma redução do carbono operacional, que quer dizer o que é emitido durante a utilização da edificação.
5. Investir nas esquadrias
Este é um componente chave na eficiência e geralmente representa uma boa parte do custo em edifícios novos e reformados. A principal função da janela é para o bem-estar do ocupante do edifício, pois traz luz natural e se conecta com o exterior; isso ilustra a tendência de grandes dimensões e / ou alta transparência. Neste contexto, a janela é uma alavanca importante para otimizar a economia de energia, bem como o conforto de inverno e verão. As especificidades do clima, portanto, definirão a escolha de janela ideal. Em climas frios, a combinação de alto isolamento (ou seja, baixo valor U) juntamente com a entrada aprimorada de calor livre do sol (alto ganho solar; valor g) permite economizar energia de aquecimento e minimizar a percepção da superfície fria perto da janela. Por outro lado, os climas quentes têm que administrar as receitas de calor solar (baixo valor g) junto com um nível de isolamento razoável para minimizar as temperaturas internas sem altas cargas de resfriamento e apenas ventilação eficiente. Vidros revestidos modernos combinados com esquadrias janela eficientes atualmente permitem encontrar um meio-termo entre esses dois aspectos.
6. Eliminar os combustíveis fósseis
Outro conceito chave é reduzir a utilização de combustíveis fósseis no edifício. Segundo a RMI, “a queima de gás junto com pequenas quantidades de óleo e propano em edifícios é responsável por 10% do total das emissões em toda a economia dos Estados Unidos, e apenas 10 grandes estados são responsáveis por 56% dessas emissões”. Estes são utilizados, majoritariamente, para o aquecimento das edificações, água ou para cozinhar. Ou seja, no lugar de utilizar gás, ou petróleo, preferir fontes renováveis, como biogás e madeira. Dependendo do contexto, bombas de calor e energia geotérmica também podem suprir as necessidades, bem como energia elétrica, de preferência provinda de fontes limpas e renováveis, como solar, eólica ou até hidrelétricas.
7. Considerar o Carbono Incorporado
Considerar o impacto de cada parte utilizada no projeto também é imprescindível para se atingir a meta de net-zero. O carbono incorporado em cada material refere-se à soma das emissões de gases do efeito estufa durante a extração, transporte, fabricação e instalação. Enquanto, por exemplo, o concreto é um material que emite uma enorme quantidade de carbono para sua fabricação, sobretudo na manufatura do cimento, a utilização de madeira em um projeto reduz o carbono incorporado no edifício, uma vez que o material absorve carbono enquanto a árvore cresce. Já o vidro, ainda que consuma grandes quantidades de carbono para fabricação, apresenta um alto grau de reciclabilidade, o que também deve ser considerado na equação. Avaliar o carbono incorporado de um edifício inteiro requer acesso aos dados de emissões de carbono para todos os materiais e processos envolvidos em um edifício ao longo de seu ciclo de vida.
Um método padronizado usado para quantificar os impactos ambientais dos edifícios, desde a extração de material e a fabricação do produto até o uso, o fim da vida útil e o descarte é a Avaliação do Ciclo de Vida Ambiental (ACV). Através dessa análise é possível totalizar o impacto ambiental da cadeia de abastecimento de um produto. Os resultados são apresentados em forma de uma em uma declaração ambiental do produto (Environmental Product Declarations - EPD), cada vez mais comuns por parte dos fabricantes para seus produtos, para atender a uma demanda crescente do mercado por informações ambientais quantificadas.
Ainda que discussões globais como essa possam parecer afastadas demais do nosso cotidiano, observamos o quanto simples gestos podem fazer diferença. É latente que todos os envolvidos e entusiastas da indústria da construção tenham ciência de seu impacto e do poder que têm nas mãos para mudanças realmente efetivas. O ceticismo quanto ao assunto vêm dando lugar ao desespero de um mundo muito mais hostil para as próximas gerações. Edifícios net-zero prescindem de investimentos iniciais altos, seja na construção ou remodelação. Mas estes podem ser vistos como um investimento para que o mundo prospere e permaneça como o conhecemos.