O crescimento das cidades brasileiras sem o devido acompanhamento dos poderes públicos acarretou em uma série de problemas relacionados à falta de moradia digna na nossa sociedade. Desde a década de 1980, associações populares e acadêmicos se juntaram na luta para pressionar o poder público a desenvolver políticas habitacionais que pudessem, não somente construir novas habitações e novos bairros, mas também garantir outros direitos como educação e saúde. Hoje, 40 anos depois desse levante, observamos a ausência de políticas públicas habitacionais nas três escalas de governo que atuem frente à população mais vulnerável, ao mesmo tempo que percebemos a popularização das iniciativas de Assessorias Técnicas para Habitação de Interesse Social, conhecidas como ATHIS.
Nas décadas de 1980 e 1990, acadêmicos e técnicos de diversas áreas se aproximaram de grupos sociais organizados buscando somar na luta por políticas públicas de habitação. Organizados em entidades denominadas assessorias técnicas, eram profissionais de arquitetura, direito, engenharia, geografia, história, ciências sociais e outros, que juntos davam suporte à luta dos movimentos sociais, seja a partir da elaboração de projetos habitacionais, ou também da participação da construção de políticas públicas junto ao estado.
A partir dessa articulação, os projetos habitacionais voltados para a população mais vulnerável passaram a ser materializados por dois caminhos principais: com o estado como o agente executor principal, sendo responsável pelo terreno, projeto e execução da obra, com pouca, ou nenhuma, participação da população interessada, ou a partir da gestão dos próprios movimentos sociais ou associações populares, junto das assessorias técnicas, com financiamento do poder público, os chamados mutirões autogeridos. Com variações de operacionalização, essa lógica se manteve até mesmo com o programa habitacional público de maior escala da história brasileira até hoje, o Minha Casa Minha Vida, tendo ele tanto a frente de projetos de construtoras, quanto a frente de projetos de entidades.
A luta pela garantia dos direitos violados pela nossa organização social é constante e a habitação é um tema basal, mas não é o único: saúde, educação, transporte, lazer, e outros são também carências com as quais a população mais vulnerável convive e luta diariamente. Já desde a década de 1970 acadêmicos e juristas se empenham em criar debates e mecanismos legais que consigam pautar as carências sociais. Em 2001 o Brasil aprovou o Estatuto da Cidade, uma lei que regulamenta os instrumentos de política urbana da Constituição Federal de 1988, funcionando como um importante artifício legal perante o Direito à Cidade.
Com a ampliação do debate da habitação para dentro das universidades e dos órgãos de classe, ia-se galgando espaço para a criação da Lei 11.888 de 2018, Assistência Técnica Pública e Gratuita, a qual “assegura o direito das famílias de baixa renda à assistência técnica pública e gratuita para o projeto e a construção de habitação de interesse social, como parte integrante do direito social à moradia previsto no art. 6o da Constituição Federal”. Seu intuito é criar oportunidade de transformar os projetos de habitação, assegurando às famílias de mais baixa renda o atendimento por profissional competente para elaborar projetos, executar obras de melhorias e construção de novas unidades habitacionais.
A partir dos anos 2010 ocorre uma potencialização das discussões sobre assessoramento técnico e sobre habitação no Brasil. Ao mesmo tempo em que a Lei de ATHIS é lançada, o Programa Minha Casa Minha Vida está em curso, movimentando um grande contingente de recursos para produção habitacional e levantando uma série de debates. Muitas faculdades e universidades incluem esse tema em suas aulas, enquanto a organização estudantil também busca suas alternativas dentro dos projetos de extensão universitária a partir dos escritórios modelo. Nesse contexto, o recém criado Conselho de Arquitetura e Urbanismo começa a pautar a assistência técnica e lança o primeiro edital de apoio institucional para trabalhos em ATHIS.
Com a pulverização do debate, o ATHIS hoje ganhou uma multiplicidade de entendimentos e práticas. Há muitas frentes que atuam na formação de arquitetos para trabalharem com assistência técnica, promovendo seminários sobre o tema. Há também as frentes que atuam diretamente na prática, a partir da execução de projetos e obras relacionadas com grupos e associações populares organizadas. Há outros que atuam de forma autônoma, observando as problemáticas individuais de famílias em situações vulneráveis. Dentro de um conjunto tão variado de possibilidades de atuação são muitas as contradições e por vezes o assessoramento técnico cai em discussões ensimesmadas buscando uma definição. O importante é que essas discussões consigam focar naquilo que é fundamental: a conquista dos direitos constitucionais e o fortalecimento da luta por direito à cidade.
Referências
Cau BR - Ações de Assistência Técnica para Habitação de Interesse Social: Linha do Tempo. Acesse aqui.
IAB- Manual para a Implantação da Assistência Técnica Pública e Gratuita a Famílias de Baixa Renda para Projeto e Construção de Habitação de Interesse Social. Acesse aqui.