Em novembro de 2021, o Parque Municipal Augusta Prefeito Bruno Covas foi inaugurado na região central de São Paulo. Apesar das celebrações, o desfecho poderia ser melhor. A decisão de virar parque resultou de um processo que se estendeu por anos entre empresas que construiriam torres residenciais e comerciais no terreno, e moradores e grupos de ativismo interessados na criação de um parque no mesmo terreno.
Após cerca de uma década de manifestações e negociações, a prefeitura celebrou acordo com as construtoras Cyrela e Setin, proprietárias do terreno.
Ao invés de exercer a desapropriação mediante compensação em dinheiro, a moeda de troca seriam certificados de potencial construtivo, que liberam a construção em determinadas áreas e que podem ser vendidas no mercado imobiliário. As incorporadoras, junto à alienação do terreno, pagariam também R$10 milhões visando melhorias e manutenção da área.
Em 2018, a Folha de São Paulo apurou junto a técnicos municipais indicados pela própria gestão Covas, com base em fórmulas do Plano Diretor, que estes certificados valeriam o equivalente a R$205 milhões, enquanto as construtoras gastaram cerca de R$110 milhões para adquirir e manter o terreno, conforme dados da promotoria.
Embora os certificados equivalessem a apenas 3.400 m² dos aproximadamente 24.000 m² do terreno, caso estes certificados fossem transferidos, conforme análise de Amanda Paulista de Souza, Flavia Taliberti Peretto e He Nem Kim Seo, da USP,para áreas da cidade onde os certificados têm menor valor, eles se tornariam equivalentes a cerca de 200.000 m² em uma região como Vila Mariana e quase 600.000 m² em Vila Prudente.
Quando o acordo foi firmado, a diretora da AMACON, Associação de Moradores e Amigos do Bairro da Consolação, uma das instituições que lutou pelo parque, comemorou o acordo, justificando que “ter o parque sem esse ônus de dinheiro público era a nossa grande briga”.
No entanto, do ponto de vista das contas públicas, a renúncia fiscal tem efeito equivalente de despesa. No ano quando o acordo foi firmado, o Fundo de Desenvolvimento Urbano (usado para a construção de habitações de interesse social, espaços públicos, entre outros), o qual deixou de receber os valores cedidos, arrecadou R$ 335 milhões. Ou seja, o valor que a Prefeitura deixou de receber para viabilizar o Parque Augusta equivale a mais da metade dos recursos arrecadados para investimentos em toda a cidade em um determinado ano.
Além disso, conforme matéria da VejaSP de 2020 sobre a má distribuição do verde na cidade, comparado a regiões de menor renda, a área tem presença relativamente boa de áreas verdes.
Em um raio de cerca de um quilômetro do Parque Augusta está o Parque Buenos Aires, a Praça Dom José Gaspar, a Praça da República, a Praça do Rotary e o recém-reinaugurado Vale do Anhangabaú, espaço público cuja reforma onerou o município em R$ 105,6 milhões.
Ainda, um pouco mais distantes — mas ainda menos de meia hora a pé — o Parque Trianon, com a Av. Paulista aberta nos finais de semana, e a própria região do Pacaembú, uma das áreas mais arborizadas de São Paulo.
Enquanto isso, seja em Sapopemba na Zona Leste ou Cidade Ademar na Zona Sul, há regiões onde não se encontra parque algum no mesmo raio, tampouco inúmeras outras infraestruturas públicas necessárias.
Assim, não é razoável supor que o desfecho do Parque Augusta é exemplo a ser adotado em outros casos na cidade. É difícil imaginar quantas vezes a prefeitura de São Paulo poderia entrar em novas negociações de centenas de milhões de reais, ainda mais sendo as encaminhadas por grupos organizados nas regiões mais estruturadas da cidade, as quais geralmente recebem maior atenção.
Escolhas extremamente onerosas diminuem o potencial de serem repetidas, o que nos faz pensar na necessidade de outras soluções que não só otimizem o uso de recursos municipais como a sua distribuição social e geográfica na cidade.
Via Caos Planejado.