No restaurante Four Seasons de Nova York, projeto de Philip Johnson e Mies van der Rohe no icônico Seagram Building, uma piscina retangular assumia posição de protagonismo no espaço, destacada por quatro árvores plantadas em vasos em cada um dos vértices. O leve barulho que a água emitia tornou-se consagrado. Além de dotar o salão de personalidade, cumpria a função de absorver as conversas (muitas vezes sigilosas) entre as mesas. Bem como a maneira como a luz adentra um espaço, ou como serão apreendidas as paisagens do interior, o som é mais uma característica de um ambiente, algo geralmente preterido por parte dos arquitetos. Isso vai além de dotá-lo de uma acústica eficiente, mas criar uma atmosfera sonora a um espaço. O conceito de soundscape, ou paisagens sonoras, trata sobre isso.
O som é parte integrante do cotidiano, e dificilmente conseguimos abstrair dele, mesmo que tentemos. Em 1952, o compositor e maestro John Cage apresentou a obra 4'33", que correspondia a esta exata duração em que os músicos permanecem em total silêncio com seus instrumentos. O que se ouve são pequenos ruídos da plateia ou dos próprios instrumentistas, como uma música que apenas cria a expectativa, mas sem executar uma nota sequer. Ou seja, a paisagem sonora da sala de espetáculo.
Os espaços arquitetônicos e as cidades que nos rodeiam apresentam sons, agradáveis ou não, e os materiais moldam e impactam sua qualidade e intensidade. O conceito de soundscape teve origem e definiu-se através do grupo de trabalho dirigido por R. Murray Schafer (músico, compositor, ambientalista, professor e pesquisador). Derivado de landscape, refere-se a qualquer ambiente sonoro humano audível.
Uma boa definição vem da página sobre o termo no Wikipédia, de que “Uma paisagem sonora é um som ou combinação de sons que se forma ou surge de um ambiente envolvente. O estudo da paisagem sonora é assunto de ecologia acústica ou ecologia da paisagem sonora.” Paulo Chagas Rodrigues aponta em seu artigo que “diferente do que é comumente abordado nos estudos tradicionais da acústica ambiental – a do controle do ruído – a paisagem sonora foca na valorização e gestão dos sons como elementos fundamentais na transformação dos ambientes acústicos a partir do interesse da sociedade. Isto não significa que a paisagem sonora e o controle do ruído ambiental sejam abordagens antagônicas. Muito pelo contrário, são complementares, uma vez que se torna cada dia mais importante a avaliação holística do ambiente acústico a partir de parâmetros objetivos e subjetivos.”
Schafer, ao cunhar o termo, também desenvolveu uma linha de pesquisa transdisciplinar. Seus livros como "Soundscape" e "The Tuning of the World" contribuíram para refletir sobre a apreensão deste ambiente sonoro que nos rodeia e, sobretudo, quanto às modificações de tais paisagens sonoras no decorrer da história, com o surgimento das grandes fábricas, mas sobretudo após o advento das máquinas e mesmo computadores.
Karen Van Lengen, architect and Professor of Architecture at the University of Virginia, desenvolveu o Soundscape Architecture, em colaboração com o artista James Welty e com o músico Troy Rogers, Van Lengen. São registrados sons de espaços arquitetônicos icônicos para criar animações sinestésicas e composições musicais a partir dos ruídos gravados. Segundo ela, em entrevista para o site Urban Omnibus em 2014, “não estudamos como ouvir na arquitetura, que foi promovida como um campo visual desde o Renascimento. A arquitetura Soundscape é uma resistência a essa abordagem puramente visual. Ele pede aos designers que pensem sobre os sons dos espaços, como eles poderiam ser mais vibrantes e como eles podem reforçar os aspectos visuais da arquitetura.”
A própria representação da arquitetura desde sempre tem privilegiado a visão sobre os demais sentidos, como o olfato, o tato e mesmo a audição. Voltando a citar Van Lengen, "som é uma interseção entre o espaço e as pessoas nele, e esta interseção nunca é a mesma". O cineasta alemão Heinz Emigholz tem uma abordagem pouco comum e definitivamente distante do modo como arquitetos estão acostumados a registrar e a ver registros fotográficos e fílmicos de edifícios. Além de diversas outras particularidades, como enquadramentos de câmeras ou a edição, o som dos espaços é capturado cruamente, possibilitando ao espectador ter uma vivência do espaço através desta dimensão.
Trazer o aspecto sonoro a um projeto é algo desafiador, mas há exemplos que mostram como isso pode influenciar na vivência do espaço. David Libeskind, ex-músico, aponta que o som foi um aspecto imprescindível ao projeto para o Museu Judaico de Berlim. “A acústica do prédio, o som do prédio foi uma das dimensões principais da criação desse espaço vazio.” Uma das partes mais tocantes, no fim do trajeto de visita, é uma sala inteiramente de concreto, escura, com um pé-direito alto e apenas uma pequena abertura onde entra alguma luz e o vento pode ser ouvido, refletido nas superfícies cinzas e duras.
A instalação Soundscape, de Mandai Architects, utiliza vidros geradores de som, e cada uma das 35 lâminas espalhadas pelo espaço emite um som diferente da natureza, através de uma configuração de áudio multi-fonte. “Assim como em uma caminhada real na natureza, a exposição oferece uma paisagem sonora em várias camadas em que os sons podem ser sentidos de maneiras diferentes dependendo do local em que são ouvidos, fornecendo a cada visitante uma cena distintamente diferente para vivenciar. Um visitante, por exemplo, pode ouvir o canto dos pássaros em locais altos que se movem de forma intermitente, enquanto outro ouve os sons das ondas quebrando vindo de algum lugar abaixo, todas as quais se combinam para criar "câmaras" de som invisíveis e dispersas dentro do espaço geral.”
Assim como um exercício de meditação e mindfulness, concentrar-se na paisagem sonora que nos envolve é algo custoso, e que cada vez temos nos afastado por conta dos inúmeros estímulos que recebemos simultaneamente. Como Murray Schafer afirma, "quando você escuta atentamente a paisagem sonora, isso torna-se um tanto milagroso". Seja de um projeto ou de uma cidade em outro continente, cada local carrega uma particularidade sonora e o nosso percurso influenciará como absorvemos este som a que estamos expostos. Ter a ciência de como o som será apreendido em cada tipo de espaço ou material pode ser um recurso suplementar para criarmos as sensações desejadas que gostaríamos que tivessem os usuários das arquiteturas que desenvolvemos.