A síntese entre arte e arquitetura remonta à origem da própria disciplina. Das formas elaboradas do barroco à estrutura geométrica do modernismo, a arte tem sido historicamente uma determinante fonte de inspiração para muitos arquitetos, os quais se tornaram responsáveis por traduzir estilos, técnicas e conceitos em estruturas habitáveis. Pensando nisso, neste artigo procuramos explorar a influência de cinco dos principais movimentos da história da arte na arquitetura, observando a forma como os arquitetos se apropriaram de algumas de suas características mais elementares para criar as suas próprias composições arquitetônicas.
Jugendstil
Embora o Jugendstil seja unanimemente reconhecido como um dos mais importantes capítulos na história da arte moderna, muitos historiadores discordam sobre as suas origens. Alguns afirmam que o Jugendstil foi fundado por Hermann Obrist no final do século XIX na cidade alemã de Munique. Embora Obrist tenha se dedicado ao estudo da botânica em seus primeiros anos de faculdade, foram suas visitas de campo e observações atentas das formas e movimentos orgânicos da natureza que o levaram a fundar o movimento—inspirado fortemente pelo conteúdo publicado nas páginas da revista de arte alemã Die Jugend. Outros historiadores defendem a versão de que o movimento foi fundado por um grupo artistas visuais, do qual faziam parte Georg Hirth, Peter Behrens e Otto Eckmann, para citar apenas alguns. Fundando como Jugend em 1896, o Jugendstil era mais um mecanismo de rebelião contra o sistema e o neoclassicismo maçante que tomava conta das instituições de arte e arquitetura na época. As características mais proeminentes do Jugendstil incluíam motivos florais, formas orgânicas inspiradas na flora e fauna, paisagens e, o mais importante, a relação harmônica entre o homem e a natureza. Estes elementos passaram então a ser incorporados na arquitetura e também no design de mobiliário, dando forma a um estilo que viria a ser chamado de Art Nouveau. Algumas das primeiras casas neste estilo foram construídas em Bruxelas por Paul Hankar e Victor Horta, as quais apresentavam motivos orgânicos e formas elaboradas e onde ficava difícil distinguir os limites entre arte, arquitetura e natureza.
Dadaísmo
Considerado o mais “rebelde e revolucionário” de todos os movimentos artísticos que surgiram no início do século XX, o dadaísmo foi ironicamente fundando em um clube noturno na cidade de Zurique chamado ‘Cabaret Voltaire’, um reduto de artistas que se opunham à guerra e buscavam refúgio no país. A partir de então, o movimento cresceu e ganhou visibilidade internacional entre os anos de 1916 e 1924, congregando novos adeptos principalmente nas cidades de Zurique, Paris e Nova Iorque. Entre seus notáveis fundadores e seguidores estavam Hugo Ball, Marcel Duchamp, Hans e Sophie Taeuber-Arp, para citar apenas alguns. Radicalizando o movimento de vanguarda, os artistas do dadaísmo buscavam ridicularizar o estado de guerra e a cultura capitalista, recorrendo a conceitos irracionais e ao humor para questionar as autoridades e a própria realidade através de uma abordagem “anti-arte”.
A proposta dos artistas dadaístas acabaram por influenciar importantes personages da arquitetura moderna, como Otto Wagner, Erich Mendelsohn e Adolf Loos, os quais passaram a criticar a ornamentação e o caráter ostensivo da arquitetura de finais do século XIX e início do século XX, repensando a forma com que se utilizavam os materiais, e assim, criando uma nova arquitetura completamente diferente de tudo o que estava sendo feito na época. O Pavilhão de Vidro em Colônia, construído por Bruno Taut, por exemplo, representou um momento de ruptura com as normas vigentes do início do século XX. Kurt Schwitters, por sua vez, ficou conhecido por sua série de instalações temporárias realizadas em sua própria casa, as quais buscavam questionar o conceito corrente de espaço doméstico. Neste contexto, o dadaísmo abriu caminho para muitos arquitetos repensarem a “arquitetura tradicional” e foi um dos primeiros movimentos artísticos a inspirar arquitetos a enxergar além da arquitetura e a abordar os edifícios como esculturas urbanas, propulsando novas linguagens e linhas de pensamento que vieram posteriormente a produzir movimentos como o desconstrutivismo, uma das correntes mais polêmicas do século XXI—na qual podemos enquadrar obras de arquitetos como Daniel Libeskind, Frank Gehry e Peter Cook, entre muitos outros.
De Stijl
“Nos referimos à nossa arte como arte concreta e não abstrata, porque nada é mais concreto, mais real do que uma cor, uma linha ou uma superfície” - Theo van Doesburg. Em 1917, nascia na Holanda o movimento De Stijl, liderado pelos pintores Theo van Doesburg e Piet Mondrian. Como um movimento de vanguarda, o De Stijl buscava destacar a relação entre forma e função, primeiramente na arte e então, em todas as esferas da vida. Assim como o dadaísmo, o movimento De Stijl também se posicionava contra o estado de guerra e excessão que reinava na Europa naqueles anos—e para isso eles se apropriavam de uma linguagem visual simples, baseada em formas geométricas puras e cores primárias. Muitos acreditam que o movimento também era uma resposta que se opunha à ostentação visual do Art Déco e que também havia sido inspirado indiretamente pelo cubismo. A influência do movimento na arquitetura foi tanta que, muitos acreditam que o De Stijl foi um dos principiais responsáveis pela eclosão do Estilo Internacional e posteriormente, do modernismo. O uso de formas simples e cores primárias pode ser visto em projetos da época como na Rietveld Schroder House, concebida por Gerrit Rietveld e no Café l'Aubette de Theo van Doesburg—espaços extremamente flexíveis e capazes de transformar-se de acordo com as necessidades dos usuários. Provocando uma mudança de paradigma na arquitetura, estes projetos continuam ainda hoje a serem estudados por muitos arquitetos, artistas e historiadores.
Pop Art
A Pop Art, por sua vez, introduziu uma abordagem totalmente nova à arquitetura, a qual buscava inspiração nas mídias visuais, na produção em massa e na cultura popular. O movimento surgiu por primeira vez no Reino Unido na década de 1950, quando as condições econômicas e sociais do pós-guerra levaram os artistas a celebrarem a simplicidade da vida cotidiana, transformando objetos banais em obras de arte. Rapidamente, muitos artistas americanos como Andy Warhol e Roy Lichtenstein aderiram ao movimento que logo se tornaria conhecido no mundo todo, opondo-se ao historicismo na arte através de um viés fundamentado na produção em massa e no imaginário da cultura popular. Em termos formais, o movimento inspirou muitos arquitetos e arquitetas a se libertarem da linearidade e simplicidade das formas modernas, os quais passaram a optar por estruturas que desafiavam os principais conceitos de “normalidade”. Semelhante ao que acontecia no mundo da arte, a produção em massa estava na linha de frente no pensamento da arquitetura, o que levou a uma apropriação sem precedentes de novas tecnologias, catapultando assim, a produção em massa de edifícios e produtos de consumo. Espaços, fachadas e edifícios tornaram-se um fecundo território de experimentação com a luz, a cor, as formas e também a escala na arquitetura.
Surrealismo
Como o próprio nome sugere, o surrealismo foi um movimento artístico que buscava “revolucionar a experiência humana” através de um imaginário fantástico e pouco convencional. Cunhado pelo poeta de vanguarda francês Guillaume Apollinaire no período entre guerras, o termo surrealismo tornou-se um movimento que buscava libertação da mente e da expressão artística, criando o que eles chamavam de “realidades alternativas”. Elementos e recursos explorados pelos surrealistas incluem escalas e perspectivas distorcidas, materiais pouco convencionais e sobreposição de camadas. Com o tempo, o surrealismo foi ganhando proporções universais, tendo seus maiores expoentes em artistas como Salvador Dali e Frederick Kiesler, os quais influenciaram profundamente a arquitetura do séculos XX e XXI. Espaços interiores surrealistas incluem a representação literal de símbolos do universo literário e a manipulação da perspectiva e escala. Para além disso, a icônica Endless House, projetada pelo arquiteto austríaco-americano Frederick Kiesler, ou o Vitra Design Museum de Frank Gehry, são algumas das principais obras vinculadas ao movimento surrealista na arquitetura.