Lucía Nogales é a coordenadora geral da "Ocupa tu Calle" - uma iniciativa promovida por Lima Cómo Vamos e apoiada pela Fundação Avina e pela ONU Habitat - que se concentra no "urbanismo cidadão" na América Latina para cidades mais justas, inclusivas e resilientes.
Entre suas ações recentes está a última edição do Festival Internacional de Intervenções Urbanas FIIU. Neste contexto, tivemos uma entrevista com ela sobre o assunto para conhecer seus entendimentos e inspirações, processos de trabalho, aprendizados e próximos passos.
Fabián Dejtiar (FD): Como coordenadora geral de "Ocupa tu Calle, Urbanismo Cidadão", gostaria de saber, antes de tudo, o que você entende por "Urbanismo Cidadão"?
Lucía Nogales (LN): Urbanismo Cidadão é um conceito que estamos promovendo e definindo junto com mais organizações da região para tentar englobar o movimento de pessoas, projetos e iniciativas que reivindicam um modelo urbano alternativo, forjado a partir do conhecimento das dinâmicas sociais. Um modelo que utiliza ferramentas de inovação, participação e colaboração para o desenho e planejamento de cidades mais justas; projetado a partir de, para e com as pessoas, incluindo-as em todos os níveis de tomada de decisão.
A ideia de promover este conceito é que sentimos que existe um uso indiscriminado de termos internacionais como Urbanismo Tático ou Placemaking para falar de intervenções urbanas de pequena escala, temporárias e participativas, que não respondem necessariamente ao contexto regional, nem abarcam todas as ações que estão surgindo.
Junto com Ciudades Comunes desenvolvemos uma publicação intitulada "Urbanismo Ciudadano en América Latina. Superlibro de acciones cívicas para la transformación de las ciudades" ("Urbanismo Cidadão na América Latina. Superlivro de ações cívicas para a transformação das cidades", em português), que esperamos lançar ainda este ano, com uma compilação de projetos de toda a região e uma série de artigos e pesquisas como uma estrutura teórica inicial do conceito. Vai ser ótimo, avisaremos quando for acontecer o lançamento.
FD: Entendo que Ocupa tu Calle é uma iniciativa cidadã que nasceu no final de 2014 promovida pelo Observatório Cidadão Lima Cómo Vamos e logo apoiada pela Fundação Avina e a ONU Habitat. O que o inspirou a desenvolver esta iniciativa em primeiro lugar e por que vocês decidiram continuá-la?
LN: Para responder a esta pergunta, chamei Mariana Alegre, nossa diretora e fundadora da iniciativa:
Em 2014, a COP 20 foi realizada em Lima e queríamos que os cidadãos pudessem "viver" a cidade sustentável, mostrando o potencial dos espaços públicos com escala humana. Após avaliar várias opções, implementamos o primeiro parklet em Lima, com o objetivo de promover este tipo de solução na cidade. Isto ocorreu em um supermercado no distrito de Miraflores. Tanto o prefeito da época (o atual prefeito de Lima Metropolitana) quanto o supermercado estavam convencidos da natureza temporária da intervenção. Inicialmente ela deveria durar 2 semanas, porém, graças às evidências geradas pelas medidas de impacto, foi demonstrado que as pessoas utilizavam muito o espaço, o que fez com que a intervenção ficasse muito mais tempo e fosse renovada duas vezes com materiais mais resistentes. A primeira intervenção foi feita graças a um pequeno fundo da Fundação Avina. Como resultado desta experiência obtivemos um fundo da ONU Habitat para fazer mais 8 intervenções e desde então não temos feito nada além de crescer.
Retomo a resposta para complementar que um dos potenciais que vimos foi o efeito contagioso e inspirador desses processos. Embora esta seja uma faca de dois gumes, já que o aumento do número de ações não reflete necessariamente a qualidade dessas ações. É irrefutável, entretanto, que este tipo de ações contribuiu para colocar na agenda e destacar a importância e o potencial do espaço público para a qualidade humana.
FD: Que ações estão sendo tomadas para "melhorar a qualidade e reduzir a desigualdade da vida urbana, promovendo a recuperação de espaços públicos fora de uso, a melhoria dos espaços existentes e a geração de novas áreas públicas"? Qual é o seu processo de trabalho neste sentido?
LN: Alguém nos disse uma vez que estes eram objetivos muito ambiciosos. Não queremos deixar de falar de desigualdade urbana, pois é um dos problemas estruturais que mais afeta a região (a América Latina é o continente mais desigual do mundo). É por isso que nosso foco sempre foi incidir sobre as políticas públicas e as práticas privadas. Para isso, temos várias linhas de ação: por um lado, fazemos um trabalho "nos bastidores", participando de reuniões com atores-chave do governo, dando nossa opinião e apoiando-os com informações ou propostas. Desde 2019, temos promovido o Pacto pelos Espaços Públicos. Este ano, 17 municípios de 4 cidades do país o assinaram. Estamos muito orgulhosas deste processo porque ele está evoluindo muito bem e acreditamos que ele tem muito potencial, por isso estamos elaborando uma estratégia de expansão.
Também coordenamos e promovemos a mesa redonda dos espaços públicos da Agenda Urbana Hacia dónde vamos? (uma iniciativa da Lima Cómo Vamos). Esta mesa redonda é um espaço de articulação, aprendizado e projeção que nos permite identificar projetos de curto e médio prazo com viabilidade de execução, e debater as transformações necessárias para o futuro de nossas cidades e territórios a nível nacional. Representantes do governo central, da cooperação internacional e do setor privado participam e, como produto principal, estamos desenvolvendo um Documento de Política sobre Espaços Públicos que será entregue a vários representantes do novo governo. Promovemos a geração de evidências ou dados para a avaliação dos resultados das intervenções, através de medições, a fim de poder aprender com os processos a partir de dados quantitativos.
Espaços como o Festival Internacional de Intervenções Urbanas e os cursos que oferecemos nos ajudam a dar visibilidade ao trabalho que vem sendo feito e a inspirar mais pessoas a se juntarem na transformação de nossos bairros e cidades em espaços mais humanos, inclusivos e resilientes, ou seja, mais justos. Acho que isso nos diferencia de muitas empresas ou organizações, não queremos fazer as coisas sozinhos. Acreditamos que a articulação e a colaboração são pilares fundamentais para gerar processos reais de transformação.
FD: "Urbanismo cidadão em tempos de crise" é o tema principal do Festival Internacional de Intervenções Urbanas que você organizou no Ocupa tu Calle. Uma das principais perguntas foi "O que aprendemos nestes meses? Agora que o evento terminou, você poderia resumir algumas das principais conclusões sobre o que aprendemos?
LN: A pandemia tem destacado o valor do espaço público, e esta é uma oportunidade que precisa ser gerenciada. Quando estávamos todos trancados em casa, muitas pessoas entenderam como o espaço público é necessário para a saúde. No Peru, por exemplo, os feminicídios aumentaram porque as mulheres não tinham mais espaço para fugir de seus agressores. Exemplos concretos como este nos mostram como a cidade pode não só cuidar de você, mas até mesmo salvar sua vida. A desigualdade foi evidenciada pela famosa hashtag #ficaemcasa, que somente aqueles que tinham uma casa e serviços podiam cumprir.
A crise sanitária causada pela crise ecológica e ligada às crises sócio-econômicas em que nos encontramos, não deixa uma perspectiva muito esperançosa. Entretanto, junto com as crises, a organização cidadã também está crescendo, e esta é a grande lição que o Festival quis destacar. Manifestações diversas e criativas, exigindo mudanças estruturais. Panelas comuns em face da fome. Processos virtuais de participação e co-criação que tentam vencer as distâncias que as novas medidas exigem de nós. Novas ferramentas para alcançar uma governança mais inclusiva e transparente. E redes, muitas redes para fortalecer processos e abordagens. Estas são algumas das lições que posso resumir do Festival, que está crescendo a cada ano e deixando o cheiro bom da possibilidade de mudança no ar.
FD: Quais você acha que são os próximos desafios a serem enfrentados em Lima sobre o assunto? Há algum projeto em mente?
LN: Descentralização através do fortalecimento dos bairros. Em 2020, lançamos o projeto Reinicia Tu Barrio, que visa precisamente destacar seu potencial de resiliência cidadã. Há alguns meses, encontrei uma definição de bairro que é bastante antiga, mas que eu gosto muito: (Certau, 1976) o bairro é aquela parte da cidade onde ocorre a transição entre o espaço privado de nossas casas e o espaço urbano mais amplo da própria cidade; um espaço, este, sempre cheio de códigos e desníveis que escapariam ao nosso controle. Ou seja, quando saímos de nossas casas, não entramos diretamente no turbilhão e efervescência que é a própria cidade, mas ainda temos que passar por um espaço de confiança onde nos sentimos confortáveis. O bairro como um espaço comunitário, doméstico, onde você pode saber os nomes de seus vizinhos e das lojas. Onde as redes de atendimento emergem. Onde os jardins urbanos são possíveis. Onde a identidade pode ser celebrada em vestido de festa e onde podemos caminhar por toda parte. Este último ponto nos leva ao grande desafio da mobilidade: é insustentável que as pessoas tenham que se deslocar várias horas por dia para chegar ao trabalho.
Estes aprendizados e abordagens serão aplicados no novo projeto que estamos iniciando com a Fundação Bernard Van Leer e seu programa Urban 95. Este projeto visa consolidar e estender a abordagem da primeira infância e os critérios de projeto promovidos pela Urban95 em Lima a outras cidades do Peru e região. Através de estratégias específicas de incidência e do trabalho em rede que permitem a coordenação dos diferentes processos urbanos existentes, focados na primeira infância. O projeto procura formar atores e agentes-chave na implementação de iniciativas urbanas sustentáveis que melhorem as condições de vida sob abordagens da primeira infância através de processos de aprendizagem experimental. Em breve o manteremos informado.
E para aqueles que perderam o VI Festival Internacional de Intervenções Urbanas e querem vê-lo, podem encontrá-lo em nosso canal do Youtube.
Lucia Nogales é mestre em Arquitetura pela Universidade Politécnica de Madri e diplomada em Habitabilidade Básica para a Inclusão Social pela Universidade Nacional de Engenharia do Peru. Após sua estadia na Pontificia Universidad Católica de Perú (2012), ela decidiu focar sua carreira em questões urbanas. Desde então, especializou-se no desenvolvimento de processos de análise, produção, ocupação e avaliação do espaço público, assim como no ensino. Atualmente ela é coordenadora geral da Ocupa Tu Calle e palestrante sobre questões urbanas na Pontificia Universidad Católica onde é membro do grupo de pesquisa sobre Urbanismo, Governança e Habitação Social, CONURB.
Este artigo é parte do Tópico do ArchDaily: Equidade. Mensalmente, exploramos um tema específico através de artigos, entrevistas, notícias e projetos. Saiba mais sobre os tópicos mensais. Como sempre, o ArchDaily está aberto a contribuições de nossos leitores; se você quiser enviar um artigo ou projeto, entre em contato.