As temporadas de verão no hemisfério sul, principalmente na região entre os trópicos e a linha do Equador são marcadas por alta umidade, fortes chuvas e alta temperatura. Junto das tempestades de verão, o Brasil também lida com uma série de eventos violentos como enchentes, desbarrancamentos e rupturas de barragens. Ao longo dos anos, tem sido cada vez mais comum a concentração desses eventos durante os meses de novembro a março e seu acontecimento está diretamente relacionado às chuvas de verão, mas também às atividades econômicas em curso no Brasil.
Recentemente, o estado de Minas Gerais, região sudeste brasileira, tem enfrentado diversos acidentes naturais devido às fortes chuvas. Até o dia 13 de janeiro deste ano, o estado contava com 374 cidades em situação de emergência, 26,4 mil desalojados e mais de 20 fatalidades. Um dos grandes desabamentos afetou a cidade de Ouro Preto, considerada Patrimônio Mundial pela Unesco desde 1980 devido à sua história e arquitetura colonial. O desabamento de terra ocorreu no perímetro urbano da cidade e destruiu construções coloniais do século XIX e colocou ainda outras em risco.
O estado também já foi local de desastres ainda maiores, quando em 2015 em Mariana e 2019 em Brumadinho as barragens de rejeitos do Fundão (Samarco) e do Córrego do Feijão (Vale S.A) romperam e destruíram cidades inteiras, deixando mais de 250 mortes registradas e um rastro de destruição ambiental, cultural e social. Esses desastres estão longe de serem “acidentes”. São resultado de décadas de uma das atividades econômicas mais importantes do PIB nacional: a extração de minério.
A mineração representou 4% do PIB brasileiro em 2020, na ordem dos mais de R$200 bilhões de reais. Essa atividade econômica dialoga com a economia extrativista que herdamos do Brasil Colônia, desde a extração do pau Brasil. O extrativismo e a dependência das commodities é uma característica da economia brasileira e impacta de diferentes modos o território nacional e sua população. Ao mesmo tempo, a mineração é uma das principais atividades comerciais do Brasil atualmente e consiste em manipular o meio natural para extrair matéria-prima a ser transformada na produção de diversos tipos de produtos, já que os minerais estão presentes em praticamente tudo aquilo que consumimos.
Muitas vezes o minério precisa passar por processos transformadores e preparatórios para sua comercialização, os quais geram resíduos e rejeitos que em geral não têm utilidade e precisam ser descartados, como é o caso dos rejeitos da mineração do ferro, que já foram depositados em rios e hoje em dia são concentrados em barragens, como aquelas que se romperam em Brumadinho e Mariana. Independentemente do método, a extração mineral é danosa ao meio ambiente principalmente quando feita sem controle.
E o que a arquitetura tem a ver com isso?
A construção civil conforme praticada hoje é uma das principais consumidoras da mineração. Em todas as suas etapas os materiais utilizados são provenientes da mineração: areia, os agregados como as britas e outras rochas, o cimento, o aço, a cerâmica que faz os tijolos e também os acabamentos, até mesmo as tintas são compostas por minérios. É importante entendermos o funcionamento da cadeia produtiva na qual nossa profissão se enquadra e refletir essa compreensão nas nossas escolhas projetuais, desde a técnica construtiva empregada, passando pelos materiais e as tecnologias e processos envolvidos.
A cadeia produtiva ainda pode ser expandida, quando pensamos nos processos de fabricação dos produtos em geral, como o cimento ou os porcelanatos e tintas, por exemplo. Todos exigindo etapas de industrialização que são amplamente apoiadas no minério: seja pelos equipamentos utilizados, seja pela matéria prima. Outro exemplo está nos maquinários necessários para produzir edifícios cada vez mais altos, guindastes, gruas e cremalheiras, todos fabricados em aço ou outros derivados do ferro. Os grandes centros urbanos do mundo são o produto, o resultado dos anos e anos de mineração e outras formas de extração da terra.
Desde o final do século XIX, o produto da mineração está correlacionado ao progresso. A partir do uso do aço nas construções e do concreto armado, as cidades grandes foram ganhando forma com edifícios altos, pontes imponentes e grandes obras viárias, o que foi também uma resposta ao aumento populacional e o consequente adensamento das cidades e esvaziamento das áreas rurais. Até hoje, porém, o desenvolvimento econômico impõe novas construções como marcos urbanos, apoiando-se em novas arquiteturas para criar uma imagem de alcance e apelo global, atraindo investimentos e interesse do restante do mundo.
Os grandes desastres naturais vistos em Minas Gerais, mas também em outros estados brasileiros e países, não são, portanto, acidente, mas consequência direta do modelo econômico mundial. Nos deparamos, como sociedade e como profissionais, com o grande desafio de encontrar alternativas para a matéria-prima mineral. Como arquitetos, engenheiros e trabalhadores da construção civil como um todo, precisamos buscar uma atuação profissional mais consciente, investir em novas tecnologias e investigar formas de torná-las usuais no mercado e inclusive rever a necessidade de novas construções. Ainda que seja difícil imaginar alternativas, precisamos questionar as cidades que construímos e a forma como habitamos o planeta, e como podemos evoluir.
Referências
VASCONSELOS, Sueli, 2020. Artigo do Estado de Minas Mineração em Minas Gerais: um cenário de desenvolvimento e impactos. Acesse aqui.
VIEIRA, d. c.; GIANASI, l. m.; MARSHAL, j.; PERKINS, p. e.; OLIVEIRA, b. j. 2019. Mineração, Desastres, Formação Crítica: Casos no Brasil e no Canadá. Acesse aqui.