Design é para aqueles que podem pagar?

A pioneira feminista negra Gloria Jean Watkins – mais conhecida por seu pseudônimo em minúsculas bell hooks – faleceu recentemente aos 69 anos. Ela deixa para trás inúmeras ideias que servem de base para a crítica moderna de raça, classe e gênero.

Por conta de sua morte, um antigo texto publicado por bell em 1998 foi divulgado em um blog que ela costumava escrever ocasaionalmente chamado Lion´s Roar. O texto intitulado “Design: A Happening Life” é tão atual que nem parece que foi escrito há 25 anos atrás.

Design criado para vender

O argumento de hooks no texto revela-se dentro das tensões fundamentais no design – especificamente que o design foi cooptado por estruturas de poder capitalistas e supremacistas brancos.

Isso significa que nós tendemos a celebrar o design por seu valor atribuído por empresas e indivíduos de alta classe. No entanto, como o design recebe tal valor, muitas vezes perdemos de vista seu significado inerente.

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Foto © alberstudio

Hooks argumenta que, embora apreciar o desenho e a estética seja uma habilidade aprendida até certo ponto, o maior presente do design é sua capacidade de proporcionar alegria contínua e existencial. E essa alegria é difícil de descobrir para quem não tem acesso.

Mesmo que seja claro que alguns indivíduos nascem dotados de uma aguda sensibilidade estética, a maioria de nós deve aprender a “ver” a beleza. E mesmo aquelas pessoas que são dotadas devem praticar a arte de procurar manter seus dons.

Hoje o design tem pouco significado para as massas de pessoas para quem a interexistência parece apenas um sonho romântico enquanto lutam para realizar fantasias materialistas, acreditando – como tudo os ensina – que consumir é o único caminho para o êxtase. A tristeza mexe comigo toda vez que enfrento as inúmeras maneiras pelas quais o capitalismo avançado remove as condições culturais que permitiriam a todos, incluindo os pobres, ter acesso ao aprendizado de uma apreciação estética do design. — bell hooks 

Hooks fundamenta a discussão em sua própria vida, falando das intrincadas colchas produzidas por sua avó, que ensinou a apreciar o desenho e a estética – mas que também eram tentadores de descartar quando comparados a tecidos mais polidos e produzidos em massa.

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Foto © Denilson Machado – MCA Estúdio

Segundo ela, quando a maioria de nós está cercada por projetos de baixo custo que podemos pagar – de bens a moradias – não podemos aprender a apreciar o design em um nível que possa nos trazer felicidade.

Hoje, não há design para todos. O design é principalmente para aqueles que podem pagar e/ou as pessoas que são ensinadas a pensar sobre estética. Simplesmente porque as pessoas têm dinheiro não significa que elas terão um olho para a beleza, mas existe uma pedagogia cotidiana do design em nossa cultura. Suas lições são trazidas para aqueles de nós com privilégio de classe que conhecem as revistas certas para olhar, as lojas certas para ir, os melhores designers para contratar. — bell hooks

Isso aponta não para um fracasso por parte dos pobres e da classe trabalhadora em investir em capital cultural, mas sim para aqueles momentos históricos problemáticos em que o desejo de status material altera a capacidade de apreciar o valor de um objeto.

No entanto, à medida que os consumidores materialmente privilegiados começaram a registrar através da mídia de massa seu senso de colchas como objetos valiosos e significativos, outras pessoas começaram a mudar sua maneira de ver esses artefatos. O cerne da questão não era realmente o valor estético, mas o status material – ter para ser.

Design e felicidade cotidiana

Em última análise, reproduções baratas de colchas de estilo antigo não aumentam a sensibilidade estética de quem as compra. Quer estejamos falando de moradias abaixo do padrão ou de chaleiras, cafeteiras e colchas, é claro que a economia corporativa garante que a maioria dos indivíduos aceitará a noção de que o status derivado do consumo conspícuo é mais importante para a felicidade individual do que a estética.

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Foto © Hong Kiwoong

Para bell, buscar a beleza na vida cotidiana é buscar a felicidade nas pequenas coisas. Descartar a prisão do excesso de consumo e aprender a ver a elegância na simplicidade, pautando nossa atenção na beleza de tudo que nos cerca.

Não deixe o design se tornar rotina. Comece cada novo design com um ar de entusiasmo, com a confiança de que dele surgirá uma coisa totalmente nova, não uma reforma. É uma vida de descoberta – descoberta de sua própria natureza e descoberta da natureza do universo. É o meio pelo qual você cresce pessoalmente. Não estou falando da arquitetura como meio de ganhar a vida; Estou falando da arquitetura como vida. — bell hooks

O artigo de bell me marcou profundamente. Nesse artigo já havíamos falado sobre a beleza da vulnerabilidade e a busca pelo bonito no feio, naquilo que não é considerado belo pelo capital.

Será quem hoje em 2022 estamos encontrando esse caminho?

Via Tabulla.

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Sobre este autor
Cita: Marília Matoso. "Design é para aqueles que podem pagar?" 16 Fev 2022. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/975598/design-e-para-aqueles-que-podem-pagar> ISSN 0719-8906

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