A relação da humanidade com os insetos é antiga e complexa. Enquanto eles podem disseminar doenças e arrasar plantações, também são vitais para nossa sobrevivência no Planeta Terra, como polinizadores e recicladores. Edward Osborne Wilson, importante biólogo norte-americano, afirmou, em um de seus artigos, que “se os insetos desaparecessem, quase todas as plantas com flores e as teias alimentares que elas sustentam desapareceriam. Essa perda, por sua vez, causaria a extinção de répteis, anfíbios, aves e mamíferos: na verdade, quase toda a vida animal terrestre. O desaparecimento de insetos também acabaria com a rápida decomposição da matéria orgânica e, assim, interromperia a ciclagem de nutrientes. Os humanos seriam incapazes de sobreviver.”
Sobretudo com as abelhas a opinião pública tem mudado nos últimos anos e sua importância para a produção de alimentos tem acendido alertas sobre o uso indiscriminado de venenos e agrotóxicos pelo mundo. Mas diferente da natureza, com meandros e inúmeras possibilidades de locais para repouso, nossas cidades e edifícios modernos geralmente não criam bons locais para receber os insetos, e mesmo pássaros ou outros animais. A empresa inglesa Green&Blue tem trabalhado nisso e criado refúgios para incorporar a natureza às nossas edificações. Conversamos com eles para entender sobre estes produtos.
A inspiração veio, segundo Faye Clifton, diretora na empresa, “à medida que começamos a reconhecer a escala do problema enfrentado pela nossa vida selvagem, queríamos pensar em soluções e parceiros maiores. Percebemos que a indústria da construção é tão grande e o ritmo de crescimento prolífico que, ao fazermos parceria com essa indústria e garantir que os edifícios abrissem espaço para a natureza, teríamos uma solução realmente escalável que poderia fazer uma enorme diferença.”
A empresa conta com uma gama de produtos para incorporar abelhas, pássaros e mesmo morcegos às construções. Um de seus produtos mais populares são os Bee Bricks - blocos que substituem um tijolo na parede, proporcionando um local de nidificação elegante para diversas espécies de abelhas solitárias (que não vivem em colméias) por seu padrão irregular de furos. Os Bee Bricks precisam estar voltados ao sul (no hemisfério norte) e a pelo menos um metro acima do nível do solo, enquanto os SwiftBlocks (casas para os ninhos dos pássaros andorinhões) precisam estar em um local com sombra em um prédio, idealmente sob o beiral e a pelo menos 5 metros do nível do solo.
De fato, criar locais para nidificação de abelhas e aves nas nossas cidades é importante para manutenção das espécies. No caso das abelhas solitárias, os ninhos são estabelecidos na primavera ou verão e contêm de seis a 12 ovos, cada um em uma célula abastecida com pólen e néctar e selada. O Bee Brick™ é sólido na parte de trás e tem cavidades moldadas onde as abelhas depositam seus ovos, para vedarem a entrada com lama ou vegetação mastigada. Os filhotes emergem na primavera e iniciam o processo de nidificação novamente, repetindo o ciclo. Já para as aves os ninhos são imprescindíveis pois os embriões nos ovos desenvolvem-se nos ovos e mesmo após o nascimento dos filhotes eles precisam de algum período ocultos e protegidos.
Faye comenta que não só o crescimento das cidades, mas a maneira como elas são construídas têm influência nas condições de vida da fauna: “Abelhas solitárias, por exemplo, fazem ninhos em tijolos e argamassa em ruínas há anos, enquanto espécies como andorinhões, morcegos e andorinhas fazem casas em celeiros e beirais. Os materiais, métodos e estilos de construção modernos praticamente removeram esses habitats naturais e esse é um dos fatores que levam ao declínio das espécies, por exemplo, o número de andorinhões caiu mais de 50% nos últimos 20 anos. Nossos produtos são criados para tornar os lares refúgios para a vida selvagem, para colocar de volta aqueles cantos e recantos em edifícios onde, de outra forma, não haveria habitat.”
Outra preocupação é em relação às mudanças climáticas. O aumento do efeito estufa traz mudanças que afetam e desequilibram os mais diversos ecossistemas. Este artigo aborda de que forma o aquecimento global pode afetar os insetos, com as alterações nas precipitações, desertificação de certos pontos e inundações de outras partes do planeta. “Adoraríamos ver as cidades drasticamente repensadas para responder à emergência climática. Precisamos pensar mais na natureza e em como podemos coexistir, em vez de esperar que as espécies permaneçam 'lá'. Adoraríamos ver a renaturalização entrar em nossos ambientes urbanos, alimentos sendo cultivados de maneira natural, crianças sendo ensinadas sobre a vida selvagem e o mundo natural com tanto foco e importância quanto matemática e ciências. Nossa desconexão com o mundo natural precisa ser revertida e nossa crença de que somos uma espécie superior precisa ser repensada.”
Como humanos, é vital que, além de tentar interferir o mínimo possível nos ecossistemas naturais, possamos contribuir positivamente em alguns casos. Entender que todas as espécies cumprem uma função e que o equilíbrio é a palavra chave, é importante para que possamos viver em harmonia. Faye finaliza dizendo que "Ficamos tão desconectados da natureza que esquecemos que somos natureza, esperamos que nossas interações com animais e insetos aconteçam em um lugar específico em um momento de nossa escolha, em vez de ser absorvidos e cercados.”
Este artigo é parte dos Tópicos do ArchDaily: Arquitetura sem edifícios. Mensalmente, exploramos um tema específico através de artigos, entrevistas, notícias e projetos. Saiba mais sobre os tópicos do ArchDaily. Como sempre, o ArchDaily está aberto a contribuições de nossos leitores; se você quiser enviar um artigo ou projeto, entre em contato.