Em 1854, o escritor estadunidense Henry David Thoreau escreveu a obra clássica “Walden”, relatando sua experiência de vida nos bosques e enaltecendo as vantagens da vida simples e autossuficiente. Logo no início do livro, o autor comenta que, caso alguém queira fazer uma viagem de 48 km para visitar o campo, seria mais rápido andar a pé do que optar por uma locomotiva.
Isso se dava não porque a velocidade do trem quando em movimento fosse mais lenta, mas porque Thoreau propunha que se considerasse como tempo de viagem aquele despendido em trabalho para pagar os custos da passagem, o qual, à época, equivaleria a quase um dia de salário.
Já no século XX, com a proliferação do uso dos automóveis, outros autores recuperaram a ideia, sistematizaram-na e passaram a aplicá-la para analisar o desempenho do carro e de outros meios de transporte. Assim, em 1973, Ivan Ilich publicou o livro “Energia e equidade”, onde aponta que, das dezesseis horas que passa acordado, o americano típico gasta quatro na estrada ou juntando recursos para essa atividade. Anualmente, isso representa 1.600 horas dedicadas aos automóveis, enquanto a distância percorrida gira em torno de 12.000 km, o que resulta numa velocidade média de apenas 7,5 km/h.
Esse modo de contabilizar o tempo despendido com transportes se mostra extremamente pertinente e oportuno para os dias de hoje. Os apelos e atrativos para consumo dos automóveis sempre envolveram a questão da velocidade e da suposta economia de tempo.
Claro que outras variáveis estão presentes no desejo e opção por este modal, como sensação de segurança, conforto, praticidade ou até mesmo status. Todavia, seria muito difícil convencer as pessoas a optarem por um meio de transporte tão dispendioso se a velocidade fosse percebida como menor do que a de outras opções.
Em 2004, o professor Paul Tranter da Universidade Nova Gales do Sul (Austrália) propôs que esta comparação holística fosse denominada de velocidade efetiva, a qual poderia melhor balizar as decisões de consumo individuais e as definições de políticas públicas para a mobilidade urbana. Para calculá-la, basta dividir a distância percorrida pelo tempo. A diferença para a fórmula tradicional é que, nesse caso, deve-se somar ao tempo de deslocamento também o trabalhado para viabilizar seus custos.
Por exemplo, o IBMEC estima que os custos anuais com combustível, troca de óleo, manutenção, estacionamentos, seguro, taxas, e IPVA de um Honda FIT 2022 estariam por volta de R$ 22.000. Mas é importante contabilizar a depreciação e o custo de oportunidade do capital na compra do automóvel e também na compra do lugar para sua guarda (garagem residencial).
Afinal, quando se compra um veículo, a pessoa “perde” dinheiro todo ano, seja pela desvalorização (depreciação), seja por deixar de auferir ganhos com aplicações financeiras ou outros investimentos mais rentáveis (custo de oportunidade do capital), o que, em certa medida, também vale para as vagas de garagem residenciais.
Portanto, a soma dos custos fixos e variáveis deste modelo de automóvel pode resultar num comprometimento da renda anual perto de R$ 40.000. Nesse sentido, caso a pessoa tenha um rendimento laboral de R$ 160.000 por ano, ela precisará dedicar 25% do seu tempo de trabalho para pagar somente por seu meio de transporte. Isso implica que, para uma jornada de trabalho de 8 horas, essa pessoa deverá reservar 2 horas diárias de trabalho para pagar por sua locomoção.
Por sua vez, caso receba R$ 80.000, precisará dedicar 50% do seu tempo laboral para financiar os R$ 40.000 gastos com a carcaça de metal que lhe promete economia de tempo, o que, em termos diários, corresponde a 4 horas de labuta. Assim, quanto menor o salário, maior vai ser o tempo necessário para financiar seu modo de transporte e menor será sua velocidade efetiva.
A partir dessas premissas, diversos estudos realizaram estimativas sobre a velocidade efetiva para os principais meios de transporte em diferentes cidades do mundo:
- Em Boston, nos EUA, uma pesquisa calculou velocidades efetivas dos carros sempre abaixo da bicicleta e em alguns casos pouco acima de uma caminhada.
- Em Camberra, na Austrália, as estimativas encontradas foram que apenas o modelo de carro popular (23,1 km/h) era efetivamente mais veloz do que o ônibus (21,3 km/h) e a bicicleta (18,1 km/h), enquanto automóveis mais caros tinham desempenho entre 12 km/h e 15 km/h.
- Em Perth na Austrália, o ranking dos resultados para velocidade efetiva foi: 1.º – Trem (37,1 km/h); 2.º – Ônibus (19,5 km/h); 3.º – Carro mais barato (18,7 km/h); 4.º – Bicicleta (18,1 km/h); 5.º, 6.º, 7.º e 8.º – Outros carros (16,7 km/h; 15,6 km/h; 13,9 km/h; 11,5 km/h).
- Estudo realizado em Mossoró, no Rio Grande do Norte, identificou que para quem ganha abaixo de R$ 100.000 por ano (o que na cidade representa quase 99% das pessoas), a bicicleta teve velocidade efetiva superior a todos os outros modos de transporte e a caminhada se mostrou mais rápida do que o carro em quase todas as comparações. Mesmo para quem ganha próximo de R$ 300.000, pelo menos 3 modelos de carros tiveram velocidade efetiva abaixo da bicicleta.
- Em Recife, Pernambuco, dissertação de mestrado constatou que a velocidade efetiva do metrô foi bem mais rápida para todas as faixas de renda e o carro ficou em último lugar em todos os cenários. O ranking para faixas de renda acima de 5 salários-mínimos foi: 1.º – Metrô (32,6 km/h); 2.º – Ônibus (10 km/h); 3.º – Motocicleta (9,8 km/h); 4.º – Bicicleta (8,3 km/h); 5.º – Pedestre (7 km/h); 6.º – Carro (4,5 km/h).
Sob esses parâmetros, os automóveis são bem mais lentos do que usualmente se imagina, chegando a perder em velocidade para a boa e velha caminhada. É claro que os resultados podem variar bastante conforme as condições de trânsito de cada lugar, os custos dos modos de transporte e os rendimentos laborais de cada um. Mas, no geral, o que se percebe é que, para a grande maioria, o tempo gasto em trabalho para pagar pelos acréscimos de velocidade na via quase nunca compensa.
Aliás, é possível ir além e trabalhar com o conceito de velocidade efetiva social, o qual considera não apenas os custos pagos pelos proprietários mas também os custos arcados por toda a sociedade. Afinal, é sempre bom lembrar que os motoristas não arcam individualmente com os problemas que geram, como poluição, sinistros de trânsito, impermeabilização do solo, aquecimento global, ilhas de calor, espraiamento urbano, barreiras a outros meios de transporte, etc.
Pesquisa realizada por professores da Universidade de Pernambuco encontrou os seguintes resultados para estimativas de velocidade efetiva social na cidade de Recife: 1.º – Transporte Público (9,6); 2.º – Motocicleta (9,3 km/h); 3.º – Caminhada (8,3 km/h); 4.º – Bicicleta (7,3 km/h); 5.º – Automóvel (3,7 km/h); 6.º – Táxi (3,3 km/h).
Neste sentido, ao se contabilizar algumas externalidades produzidas pelos transportes, o desempenho do automóvel cai ainda mais e se compara à velocidade da caminhada de pessoas com dificuldade de locomoção. Vale lembrar que os pesquisadores levaram em conta estimativas apenas de congestionamentos, acidentes de trânsito e poluição, sendo que existem muitas outras.
Com isso, é salutar que a sociedade compreenda que pode estar subestimando o tempo total gasto com transporte, de modo que seria muito benéfico que tal conceito ganhasse maior expressividade. Tranter propõe que, assim como ocorreu com a obrigatoriedade de alguns produtos conterem selos a indicar o consumo de combustível e emissão de CO₂, a indústria automobilística também deveria ser obrigada a estampar estimativas da velocidade efetiva dos automóveis à venda.
A ideia não parece ruim, afinal, para quem já acha desagradável ficar preso em um congestionamento e/ou gostaria de poder trabalhar menos e/ou ter mais recursos para atividades mais aprazíveis, utilizar o conceito de velocidade efetiva pode ser muito benéfico a si e à sociedade.
Via Caos Planejado.