Desde o surgimento da profissão de designer, impulsionada na Revolução Industrial com o a produção crescente de objetos e o desejo de uma classe média ávida por consumir; designers, decoradores e arquitetos são conhecidos como profissionais que criam espaços e produtos para embelezar o mundo.
A origem da classe média, termo registrado por volta de 1745 na Irlanda (Bryson, Bill: Breve História da Vida Doméstica) e que nominava comerciantes, banqueiros, editores, advogados e outras pessoas dotadas de espírito criativo; também injetou novos níveis de demanda na sociedade. Essas pessoas ansiavam e buscavam por inovação doméstica e decoração, além de objetos desejáveis para encher suas casas. De repente coisas como tapetes e espelhos que raramente podiam ser encontrados antes de 1750 se tornaram comuns.
Quase 300 anos se passaram e arquitetos e designers continuam fazendo praticamente a mesma coisa desde à época da Revolução Industrial: criar produtos bonitos como espelhos e tapetes para ornar ambientes e espaços residenciais e comerciais.
Não há nada de errado nisso. Mas será que é disso que o mundo realmente precisa das profissões criativas agora?
E que problemas os designers precisam resolver urgente?
Os problemas do CO2
O mundo moderno e baseado nas premissas industriais foi fundado na suposição de que nossos recursos são infinitos e inesgotáveis: quem poderia imaginar que um dia ficaríamos sem petróleo? Ou florestas? Ou lugares vazios para descartar os subprodutos de nossa prosperidade material?
Mas essa é precisamente a situação em que nos encontramos agora, presos como estamos em uma economia linear que começa em uma mina, pedreira ou plataforma de petróleo e termina em um aterro sanitário.
Segundo um relatório do IPCC(Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), a humanidade tem apenas três anos para frear as emissões de poluentes do efeito estufa e impedir consequências irreversíveis ao planeta desencadeadas pelo aquecimento global.
Os especialistas também concluíram que a quantidade de gás carbônico emitida até hoje corresponde a 80% de tudo o que a humanidade pode produzir se quiser ter uma chance de 50% ou mais de estabilizar o aquecimento da Terra em 1,5°C, mas a produção desse poluente gerada pelo setor industrial e a queima de combustíveis fósseis caiu apenas 0,3% por ano, na última década.
A construção civil é um dos maiores responsáveis por essas emissões, tanto na energia gerada no funcionamento de edifícios como no transporte e fabricação dos insumos de uma obra.
Segundo um relatório do CNN Climate Change Forum, os três principais emissores de CO2 vem das cidades, seus carros e prédios: é a gasolina que queimamos para o transporte, atividades industriais para construção de edifícios (fábricas de cimento, por exemplo) e termoelétricas para gerar energia para nossas casas.
Os problemas da água
Bilhões de pessoas em todo o mundo continuam sofrendo com o acesso precário a água, saneamento e higiene, segundo um relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e da Organização Mundial da Saúde (OMS). Cerca de 2,2 bilhões de pessoas em todo o mundo não têm serviços de água tratada, 4,2 bilhões de pessoas não têm serviços de saneamento adequado e 3 bilhões não possuem instalações básicas para a higienização das mãos.
A água é o recurso mais precioso do mundo. Para sustentar nossa população e estilo de vida, é essencial administrarmos de forma eficaz nossos recursos hídricos, rios, áreas costeiras e infra-estrutura associada.
Além disso, enchentes no Brasil têm se tornado cada vez mais frequentes. Enchente é um fenômeno natural que ocorre quando a água que corre em um rio atinge o limite máximo do leito menor e passa para o leito maior, mantendo-se ainda dentro do canal. Embora se trate de uma ocorrência natural, quando há o incremento da vazão em um curso d’água, as enchentes podem se intensificar.
Essa intensificação ocorre como consequência das ações do ser humano sobre a natureza, trazendo assim uma série de danos à sociedade. Encontramos, em ambos os casos, os motivos pelos quais as enchentes acontecem no Brasil. O principal deles (mas não o único) é a forma como decorreram o processo de urbanização no país e, consequentemente, a expansão das cidades.
O crescimento das cidades brasileiras da forma como ocorreu implicou profundas transformações no uso da terra. A falta de planejamento urbano e intervenções inadequadas ou feitas de forma incorreta no espaço intensificaram os alagamentos e os efeitos prejudiciais das enchentes.
A necessidade de mais profissionais estudando recursos hídricos nas cidades é urgente. Este campo de estudo fornece a arquitetos, engenheiros e designers o conhecimento integrado e as habilidades necessárias para compreender todo o ciclo hidrológico urbano e as ligações entre seus diferentes aspectos.
Os problemas do resfriamento
A mudança climática está fazendo com que nosso planeta fique cada vez mais quente e, à medida que todos nós ligamos nossos condicionadores de ar em resposta às altas temperaturas, estamos na verdade piorando o aquecimento global, paradoxalmente tornando-o mais quente enquanto tentamos nos manter frios.
Um dos aspectos mais desafiadores dessa mudança será atender às crescentes demandas de resfriamento de maneira ecologicamente correta. O resfriamento é mais difícil do que o aquecimento para o planeta: qualquer forma de energia pode se transformar em calor, e nossos corpos e máquinas geram calor naturalmente, mesmo na ausência de sistemas de aquecimento ativos.
Já existem 3,6 bilhões de aparelhos de refrigeração em uso em todo o mundo agora, e esse número está crescendo em até 10 aparelhos a cada segundo, de acordo com o relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e da Agência Internacional de Energia. Em 2050, os especialistas preveem que precisaremos de 14 bilhões de unidades para atender às necessidades de todos.
Antes de pensar em resolver problemas de calor com o ar-condicionado, soluções naturais deveriam ser exigidas por prefeituras e códigos de obras, implementando sistemas que obriguem arquitetos e engenheiros a evitar ao máximo o uso de aparelhos.
Os problemas da alimentação
Segundo Dikson Despommier, Professor de Saúde Pública e Microbiologia de Columbia, se cada cidade no mundo produzisse 10% da sua alimentação indoor, permitiria que 34.000 m2 de terra fossem retornados às florestas todos os anos.
Projetos de agricultura urbana têm por objetivo trazer mais áreas verdes para as cidades ao utilizar os telhados dos edifícios e terrenos ociosos de estacionamento para o plantio de vegetais, frutas, cereais e legumes.
Algumas cidades já estão de olho nas estratégias de cultivo dentro de território urbanos há algum tempo. A atual prefeita de Paris, Ana Hidalgo, acaba de inaugurar na capital francesa a maior das fazendas urbanas em telhado do mundo. O projeto vem reforçar a tese de que grandes quantidades de alimentos saudáveis podem ser cultivadas em uma fazenda 100% urbana e de forma comunitária.
O futuro da alimentação não inclui só grandes fazendas urbanas controladas por prefeituras ou empresas privadas em parceria com governos. Nós também podemos cultivar nosso próprio alimento. Existem diversas empresas trabalhando com estratégias de plantio caseiro refrigerado, ou seja, cultivar o seu alimento em “geladeiras”, dentro de casas e apartamentos.
Arquitetos e designers que planejem a alimentação urbana e indoor serão mais do que necessários num futuro próximo.
Os problemas da diversidade
Você já parou para pensar que, praticamente todas as cidades do mundo, desde os primórdios da humanidade, foram e continuam sendo criadas e pensadas por homens? Do planejamento urbano ao desenho dos edifícios, dos transportes públicos às cadeiras – as mulheres pouco fizeram parte do processo de criação de tudo que nos rodeia.
Há e sempre existiram mulheres arquitetas, planejadoras e políticas urbanas inspiradoras, mas em todo o mundo, as profissões de ambiente construído – e em particular seus escalões superiores – permanecem fortemente dominadas por homens, mais do que outras esferas, como educação ou saúde.
Hoje, 64% dos arquitetos formados no Brasil são mulheres. Na Engenharia, houve um aumento de 42% no número de mulheres registradas no CREA desde 2016. Mas, onde estão esses reflexos na sociedade brasileira?
Quando criamos alguma coisa colocamos a nossa visão de mundo no que fazemos. Mesmo que a metodologia de um projeto seja muito inovadora, ainda assim, podem acontecer problemas graves pela falta de olhares múltiplos.
Mas as questões de gênero não são o único problema da diversidade.
Recentemente a consultoria McKinsey divulgou um relatório constatando as vantagens da mistura étnico-racial nas empresas.Para analisar a relação da diversidade étnica com o desempenho financeiro, a McKinsey estudou diferenças raciais e culturais em seis países. Os dados indicam que as empresas com maior diversidade étnica, em suas equipes executivas, têm 33% mais propensão à rentabilidade.
Mas infelizmente apenas 4,33% dos arquitetos do Brasil são negros, apesar de da população preta ser 54% do total de habitantes no Brasil. Além disso, 27% dos arquitetos e urbanistas desempregados são mulheres negras, assim como as arquitetas negras sofrem 16 vezes mais assédio sexual no ambiente de trabalho e seu rendimento salarial é de R$ 3436,15, quase a metade do que um homem branco ganha.
Os problemas das privadas
Embora haja registros de latrinas desde 3.100 a.C., a primeira privada foi criada em 1596 pelo inglês John Harington (Bryson, Bill: Breve História da Vida Doméstica). Ele fez duas unidades: uma para ele e outra para a rainha Elizabeth 1ª.A ideia não pegou à época e só em 1775 o escocês Alexander Cumming patenteou a privada moderna, já visando o escoamento num sistema de esgoto.Em 1885, outro inglês, Thomas Twyford criou a primeira privada em porcelana que substituiu as peças de madeira, descritas anteriormente.
A revolução industrial foi um grande marco para popularizar o uso de vasos sanitários e difundir ideais de higiene e saúde pública. Não só na produção de peças de louça, mas também no fomento de pesquisas sobre o tema do saneamento básico.
Entretanto, a ONU aponta que4,5 bilhões de pessoas ainda não possuem acesso a saneamento básico no mundo. Ou seja, 2 em cada 3 pessoas no mundo não podem usar o vaso tradicional.
Há algum tempo, Bill Gates chamou a atenção de diversas pessoas ao redor do globo ao apresentar uma máquina capaz de converter cocô em água limpa em cinco minutos sem necessidade de água, apenas com aditivos químicos.
Segundo dados da sua fundação, a esterilização dos resíduos excretados por humanos poderia impedir 500 mil mortes de crianças e economizaria US$ 233 bilhões por ano em gastos com tratamento de diarreia e cólera, porém essa tecnologia ainda é cara e insuficiente.
Os problemas da tecnologia
Urban Techs são empresas de tecnologia que melhoram diretamente a vida e a sustentabilidade das cidades. Algumas das principais startups que emergiram na última década são empresas voltadas a cidades, urbanismo e conexão de pessoas, as chamadas UTs, como Uber, Ifood, Waze, AirBnb, WeWork, Yellow e Lime, entre outras.
O conceito de Urban Techs está diretamente ligado à tendência das cidades inteligentes, também chamadas de Smart Cities ou Cyber Cidades, são aquelas que usam a tecnologia de modo estratégico para melhorar a infraestrutura, otimizar a mobilidade urbana, criar soluções sustentáveis e outras melhorias necessárias para a qualidade de vida dos moradores.
Ao mesmo tempo que essas empresas crescem, como ficam as regras urbanas para que elas possam trabalhar? Não precisamos de mais ciclovias por conta do Ifood? Como fica o turismo local com o AirBnb? Quem está pensando essas relações nos órgãos públicos? E as relações de trabalho com os entregadores?
Só nos últimos três anos, as UTs arrecadaram 75 bilhões de dólares, representando cerca de 17% de todo o dinheiro circulando em venture capital no mundo. As Urban Techs são o maior setor de investimento em startups atraindo mais fundos do que empresas de medicamentos e biotecnologia.
Segundo Richard Florida, diretor de cidades da Universidade de Toronto, os EUA são o país dominante no jogo das startups urbanas, com mais de 45% de todo o capital de giro investido nesse setor. A China vem depois com quase 30% e em seguida Cingapura, India, Reino Unido, Alemanha, Coréia do Sul, Emirados Árabes, França, Holanda e Canadá.
O Brasil nem aparece na lista.
À medida que mergulhamos mais fundo no século 21, fica mais claro que a maioria de nossos sistemas sociais não está mais adequada aos seus propósitos. Eles foram projetados para atender aos requisitos da primeira era da máquina e permaneceram essencialmente inalterados desde o século XIX e início do século XX.
Quais são os problemas para os quais os designers devem direcionar energias? Qual pode ser o impacto se pudermos aplicar com sucesso nossas habilidades criativas aos verdadeiros problemas de hoje?
Via Tabulla.