As cidades têm um papel fundamental na busca por soluções e políticas para reduzir os problemas que resultam nas atuais mudanças climáticas globais. As áreas urbanas são, hoje, responsáveis por mais de 70% das emissões de dióxido de carbono (CO₂) — uma das principais causas do efeito estufa e de suas consequências para o meio ambiente e para a vida de todos.
O percentual é significativo, uma vez que os municípios ocupam apenas de 0,4 a 0,9% da superfície terrestre, como aponta a pesquisa “Efeitos da mudança da população ou densidade nas emissões urbanas de dióxido de carbono”, publicada pela Nature Communications — canal especializado em estudos no campo das ciências naturais.
O levantamento realizado pelos professores Haroldo V. Ribeiro, do Departamento de Física da Universidade Estadual de Maringá (PR), e Diego Rybski e Jürgen P. Kropp, ambos do Instituto Potsdam de Pesquisas sobre Impacto Climático (Alemanha), analisou a relação entre densidade e emissão de gás carbônico (como também é chamado o dióxido de carbono) por uma perspectiva diferente das investigações efetuadas sobre esse assunto até o momento, verificando simultaneamente os reflexos da população e da área sobre a quantidade de CO₂ liberado, assim como as possíveis interações entre essas duas métricas urbanas. Entre as descobertas feitas pelos pesquisadores está a de que o adensamento sempre tem menos impacto que o crescimento populacional.
Eles estimaram, com base em dados sobre as cidades dos Estados Unidos, que uma elevação de 1% na densidade de uma localidade com 10 mil habitantes está associada a uma diminuição das emissões de dióxido de carbono de 0,42%.
Já a mesma modificação em um município bem maior, com 1 milhão de moradores, apresenta uma redução de 0,56% no gás carbônico produzido. Segundo os docentes, os resultados do estudo sugerem que “o adensamento de grandes regiões urbanas populosas provavelmente terá contribuições importantes para baixar as emissões de CO₂”.
O planejamento urbano das cidades e a maneira como as pessoas acabam se distribuindo por seu território e em seu entorno afetam o volume de dióxido de carbono liberado, assim como de outros gases de efeito estufa.
Localidades mais espraiadas e com áreas metropolitanas em processo de expansão, cenário que vem sendo registrado, especialmente, em países em desenvolvimento acelerado — como China e Índia —, provocam alterações nos deslocamentos pendulares (percursos diários feitos entre casa e trabalho e/ou estudo), aumentando as viagens e o uso do automóvel e colaborando para o incremento das emissões de gás carbônico.
Ainda dentro do contexto das cidades norte-americanas, distintas pesquisas revelam que existe uma variação expressiva na liberação doméstica de CO₂, sendo menor nas regiões rurais, crescendo nos subúrbios até chegarem a um pico nas áreas urbanas e voltarem a cair nas partes centrais mais densas dos municípios.
Uma das razões para isso é a renda, explica o professor de Economia da Universidade Rutgers em Newark (Nova Jersey), Jason M. Barr, em artigo no site do seu livro: Building the Skyline — The Birth & Growth of Manhattan’s Skyscrapers (Construindo o horizonte: o Nascimento e Crescimento dos Arranha-céus de Manhattan). “Os bairros mais ricos dos subúrbios têm residências maiores, que precisam ser aquecidas no inverno e resfriadas no verão”, detalha.
Outro motivo destacado por ele é o padrão de condução dos moradores desses lugares, que “passam mais tempo se deslocando e utilizando seu carro para fazer compras e outras atividades diárias”. Por sua vez, nos centros urbanos as pessoas vivem em unidades menores — seja em edifícios de apartamentos ou em casas multifamiliares —, consumindo menos espaço o que gera, em média, menos gases de efeito estufa liberados.
“Tão importante quanto isso, os indivíduos nesses locais densos são mais propensos a caminhar ou a usar o transporte público, ambos meios de locomoção que reduzem a produção de gás carbônico por cidadão”, relata. A partir da avaliação das estatísticas sobre emissões de gases de efeito estufa de Nova York,Barr reforça que a densidade urbana é boa para diminuir a liberação dessas partículas no ar.
Políticas de adensamento devem integrar planejamentos urbanos atuais para terem reflexos positivos nas emissões e no uso de energia
Acabar com a expansão das cidades pode ser mais efetivo para reduzir as emissões de CO₂ nos prédios do que aplicar as tecnologias de economia de energia mais recentes, afirma artigo da revista Fast Company. Assim como identificado na investigação de Haroldo V. Ribeiro, Diego Rybski e Jürgen P. Kropp, a publicação assinala que os municípios estão caminhando para se tornarem menos densos e mais espalhados nas próximas décadas.
As consequências dessa movimentação vão desde o aumento da poluição do ar e a continuidade da cultura que privilegia a utilização dos carros em vez dos transportes coletivo e ativo (bicicleta e caminhar) até a invasão de habitats de vida selvagem, conforme o estudo “Cenários globais de densidade urbana e seus impactos no uso de energia em edifícios até 2050”.
Desenvolvido por uma equipe de pesquisadores e divulgado na revista científica PNAS, o levantamento defende que, se as localidades incluírem em seus planejamentos urbanos layouts mais densos agora, é possível diminuir significativamente a quantidade de energia que as edificações vão empregar, assim como as emissões de dióxido de carbono.
A relação entre densidade e economia de energia foi apurada em diversos panoramas e em como essa associação pode auxiliar na redução do consumo de energia para aquecer e resfriar as construções. Um dos resultados obtidos mostra que a combinação de desenvolvimento urbano compacto com as mais avançadas tecnologias de eficiência energética pode limitar a 7% a elevação da energia utilizada para deixar os ambientes mais quentes ou frios até 2050. Já em uma situação envolvendo cidades mais espraiadas e sem inovação, esse índice pode chegar a um crescimento de 40% no mesmo período.
Segundo o estudo, o elemento positivo da densidade sobre a economia de energia reside no fato de que em áreas mais adensadas as pessoas moram em apartamentos menores, gastando menos recursos para aquecer ou refrigerar os ambientes, além de trazer os benefícios já citados de diminuir o uso dos automóveis e incentivar os indivíduos a serem mais ativos, transformando o pedalar ou caminhar em um hábito.
Os pesquisadores concluem que a densidade urbana, em conjunto com outros elementos do desenho dos municípios, molda as condições dos lugares, como qualidade do ar, acesso a espaços verdes e o quão caminhável são as localidades — condições que influenciam o bem-estar dos moradores.
Outro ponto salientado pelo levantamento é que definir estratégias para se “adaptar e mitigar as mudanças climáticas em regiões urbanas requer olhar além das estatísticas agregadas sobre população, extensão física e utilização dos recursos”.
Por fim, os autores do estudo ponderam que a maioria das cidades em desenvolvimento no mundo pode ganhar muito em economia de energia e em redução de emissões de gases de efeito estufa, com benefícios expressivos para a sustentabilidade global, promovendo densidades urbanas mais altas.
Qualificação do transporte coletivo é mais um desafio para diminuir a liberação de gases de efeito estufa
Os caminhos para combater a poluição do ar e reduzir as sequelas das mudanças climáticas são muitos e passam tanto pela densificação dos centros urbanos como pela melhoria dos serviços públicos de locomoção, como ônibus, trens e metrôs, ressalta artigo do Centre for Cities — um dos principais think thank voltado para aprimorar a economia dos maiores municípios e vilas do Reino Unido.
Apesar de 46% do total de CO₂ (em 2016, foram 163,5 milhões de toneladas de gás carbônico) emitido na região, que abrange Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte, ser oriundo das cidades, o laboratório de ideias enfatiza que as localidades são muito mais verdes do que se pode imaginar. Isso porque é preciso considerar que elas concentram 54% da população do Reino Unido e 59% dos empregos. Londres, Manchester e Birmingham, por exemplo, emitiram sozinhas 17% do dióxido de carbono de todo o território em 2016, sendo a capital inglesa responsável por mais da metade desse índice.
As informações fazem parte do relatório Cities Outlook 2019, feito pelo Centre for Cities, e indicam que, por pessoa, os três municípios ficaram abaixo da média nacional de emissões de gás carbônico. Ao criarem lugares mais compactos e densos, que aproximam os residentes dos empregos, as localidades conseguem ser mais eficientes que as áreas rurais e os subúrbios na liberação dessas partículas. Enquanto nas cidades a produção de CO₂ per capita foi de 4,6 toneladas anuais, nas demais regiões do Reino Unido ela foi de 6,3 toneladas por ano.
O mesmo resultado é obtido quando se compara o deslocamento nos municípios e no campo. Conforme o artigo, em 2016 o transporte emitiu 1,5 tonelada de dióxido de carbono para cada residente de centros urbanos e nos demais pontos dos quatro países foi registrado 2,5 toneladas per capita. “Localidades com menos passageiros dirigindo um carro para o trabalho tendem a ter níveis mais baixos de CO₂ emitido por habitante”, aponta o laboratório de ideias.
Nas áreas industriais também são identificadas as mesmas diferenças, com parâmetros maiores em lugares que ficam fora das cidades, consequência da transferência, nas últimas décadas, das companhias pesadas e de manufatura para longe das áreas urbanas e a sua substituição por empresas de serviços.
Para o Centre for Cities, o planejamento urbano tem um papel essencial na luta contra as mudanças climáticas e uma maneira para os municípios começarem a fazer a sua parte na redução das emissões de gás carbônico é priorizar empreendimentos mais densos vinculados a serviços de transporte coletivo eficientes.
Já em artigo publicado em 2021, o laboratório de ideias apurou que as maiores cidades do Reino Unido foram responsáveis, em 2018, pela produção de 4,3 toneladas de CO₂ per capita enquanto que as demais localidades somaram 6,6 toneladas por pessoa.
Para chegar a esse valor, foram contabilizadas as emissões nos segmentos doméstico, industrial e de transportes. Dentro desse cenário, os principais municípios liberaram per capita 1,3 toneladas de gás carbônico na área residencial em 2018, 1,6 toneladas na industrial e 1,4 toneladas com o transporte. Já no restante das regiões, os índices foram, respectivamente, 1,6 toneladas, 2,5 toneladas e 2,5 toneladas. Em comparação aos dados do documento de 2019, houve uma pequena diminuição nas cidades e um leve aumento nos outros pontos do Reino Unido.
Via Caos Planejado.