A população mundial está envelhecendo e uma das grandes questões que se abrem com essa nova composição etária, com mais idosos que crianças pequenas, é se os municípios estão adequados para que esses cidadãos possam usar os espaços urbanos com segurança e acessibilidade e sentirem-se incluídos na vida social e cívica de suas comunidades.
Relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) estima que o número de indivíduos com 65 anos ou mais deve duplicar até 2050, passando de 727 milhões (dado de 2020) para cerca de 1,5 bilhão — representando 16% do número total de pessoas no planeta.
As condições dos ambientes existentes fora de casa têm um papel essencial para assegurar a qualidade de vida não só de idosos mas de todos os moradores de uma cidade. Nesse sentido, a atenção dada às áreas construídas pode fazer toda a diferença entre alguém que participa da sociedade e quem fica isolado em sua residência, argumenta o gerente de políticas de habitação e transporte de uma das maiores instituições de caridade para o público mais velho do Reino Unido — a Age UK —, Joe Oldman, em matéria do The Guardian.
“Transporte coletivo acessível, pavimentos nivelados, lugares para sentar, remoção de riscos nos percursos, boa iluminação (nas ruas) e banheiros públicos são componentes vitais para incentivar os idosos a permanecerem envolvidos com seus bairros”, assinala. Por isso, o envelhecimento da população também deve ser considerado no planejamento urbano das localidades.
Mas o que torna um município bom para a população com mais idade e que estratégias podem ser adotadas para adaptar o espaço público para essa realidade que se configura?
Para responder a esses questionamentos e incentivar as localidades a acrescentarem esse debate na elaboração de suas políticas urbanas e se ajustarem às necessidades dos mais velhos, a Organização Mundial da Saúde (OMS) criou a Rede Global de Cidades e Comunidades Amigas das Pessoas Idosas — que reúne 792 municípios globalmente, sendo 19 deles brasileiros, como Porto Alegre (RS), Balneário Camboriú (SC), Pato Branco (PR) e São José do Rio Preto (SP).
Além disso, foi lançado pela OMS o “Guia Global: Cidade Amiga do Idoso” com orientações sobre como os municípios devem ser pensados ou readequados para abranger as demandas de quem tem 65 anos ou mais, começando por ouvir o que esse grupo tem a dizer sobre como eles se apropriam e utilizam os ambientes urbanos. Um estudo avaliou 33 localidades de diferentes países — entre elas o Rio de Janeiro (RJ) — para investigar o assunto e chegar às recomendações presentes no relatório.
Lugares caminháveis e que facilitam o uso do transporte coletivo foram apontados como mais amigáveis para os idosos, pois permitem os deslocamentos e a independência desses habitantes. O documento da OMS destaca ainda que vias e prédios sem obstáculos e calçadas mais largas, sem buracos ou rachaduras e com meios-fios baixos são melhores para indivíduos mais velhos e acabam refletindo na decisão deles de ir a pé, de ônibus ou de metrô até os seus destinos. Vizinhanças seguras para a prática de atividades sociais e esportivas também impactam na qualidade de vida das pessoas com mais idade.
A proximidade do oceano — como a capital carioca com seus calçadões à beira-mar —, rios e de espaços verdes e limpos para passear e descansar é outra característica que deixa os municípios mais amigáveis para os idosos.
O apoio ao trabalho voluntário — remunerado ou não — e à criação de locais para o convívio social e participação nos debates sobre a região onde residem, abrangendo faixas etárias variadas, são outros elementos que enriquecem a vida desse público e aperfeiçoam as cidades. Mais um ponto reforçado pelo guia é que a economia da comunidade é beneficiada com pessoas mais velhas consumindo e que possuem autonomia para se movimentar pelas ruas.
Cidades que possibilitam o uso misto do solo — aliando residências, serviços, comércio e lazer — e o adensamento dos bairros também deixam as localidades mais amigáveis para os idosos, frisa o coordenador do movimento Somos Cidade, Felipe Cavalcante, que tem 27 anos de experiência no setor imobiliário e turístico.
“Poder fazer as coisas a pé, sem depender de carro, é fundamental para a liberdade desse grupo etário. E só o adensamento permite isso”, pondera. Ele menciona a região de Copacabana como exemplo disso: essa parte da capital do Rio de Janeiro concentra um grande número de habitantes mais velhos, que buscam um lugar que tenha tudo que precisam perto de suas casas — a uma distância que possa ser percorrida com uma caminhada.
Como principal estratégia para alcançar e apoiar ações de construção de uma sociedade para todas as idades, a Assembleia Geral das Nações Unidas declarou, em dezembro de 2020, a “Década do Envelhecimento Saudável 2021–2030”.
A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) está liderando a agenda concentrada nas Américas com base nas quatro áreas de ação da década:
Mudar a forma como pensamos, sentimos e agimos com relação à idade e ao envelhecimento;
Garantir que as comunidades promovam as capacidades das pessoas idosas;
Entregar serviços de cuidados integrados e de atenção primária à saúde centrados na pessoa e adequados à pessoa idosa;
E propiciar o acesso a cuidados de longo prazo às pessoas idosas que necessitem.
Projetar localidades mais acessíveis a pé e de bicicleta para população com 65 anos ou mais desafia planejadores urbanos
O crescimento do número de idosos no mundo e o desejo desse grupo de poder envelhecer no lugar em que moram revelam a importância de desenvolver municípios que atendam às necessidades desse grupo, salienta a arquiteta e urbanista Kit Krankel McCullough em artigo para o jornal Public Square, publicação financiada pelo Congresso para o Novo Urbanismo (CNU).
Dar suporte para o transporte ativo, tornando as cidades mais acessíveis para caminhar e pedalar, será crucial para alcançar esse objetivo, defende Kit, que é consultora e professora na faculdade Taubman de Arquitetura e Planejamento Urbano.
Apesar da resistência de muitos cidadãos mais velhos em abandonar o carro para fazer os seus percursos e adotar os novos serviços de mobilidade, como bicicletas compartilhadas, a arquiteta enfatiza que esse público tem muito a ganhar com o uso dessas facilidades e de acrescentar a caminhada e o ciclismo em suas rotinas.
Além dos benefícios para a saúde física e mental de pedalar e de se locomover a pé, Kit vê um grande potencial dos pequenos veículos elétricos, como triciclos e scooters, para auxiliar os idosos a chegarem ao transporte coletivo e a outros lugares com segurança, utilizando ciclovias protegidas.
Segundo a professora, algumas iniciativas podem ser colocadas em práticas para estimular as pessoas com 65 anos ou mais a mudarem a forma como se deslocam, como diversificar a oferta de itens que podem ser compartilhados.
Bicicletas convencionais e elétricas, triciclos e scooters (elétricos ou não) em que o usuário pode ir sentado permitem que os indivíduos experimentem esses equipamentos e passem a usá-los com mais frequência. Outro detalhe ressaltado por ela é que o serviço deve poder ser acessado não só pelos smartphones, uma vez que muitos idosos não se sentem confortáveis utilizando aplicativos.
Estações com instruções físicas e liberação do veículo por meio de um cartão são alternativas para fazer uma pessoa com mais idade alugar uma e-bike, por exemplo. No Los Angeles Metro Bikeshare, o checkout de uma bicicleta é realizado com o cartão do transporte público, cita Kit. Já no Sul de Londres, a instituição de caridade Wheels for Wellbeing realiza aulas em bicicletas adaptadas para que os idosos sintam como podem se manter ativos e autônomos, destaca a reportagem do The Guardian.
O jornal aponta ainda que o transporte coletivo é fundamental para que uma localidade seja amiga dos cidadãos mais velhos e traz dados de uma pesquisa feita com 18 mil pessoas com mais de 50 anos no Reino Unido que descobriu que a gratuidade no ônibus e metrô diminuiu os casos de depressão.
O acesso ao transporte público foi identificado por diversos municípios, como Washington D.C. (EUA) e Bilbao (Espanha), como a base de suas estratégias de envelhecimento, que incluem medidas de conscientização de motoristas de ônibus sobre as demandas de quem tem 65 anos ou mais, manutenção das paradas e calçadas, e divulgação das informações sobre as rotas de forma bem visível.
Envelhecimento impacta também o desenvolvimento imobiliário
A moradia é um outro componente importante do Guia Global: Cidade Amiga do Idoso, da OMS. O relatório detalha elementos que devem ser considerados na construção de prédios e habitações para que eles sejam adequados aos indivíduos ao longo de toda a sua vida.
O documento descreve, por exemplo, que edifícios precisam ter elevadores, rampas, portas e corredores amplos e pisos antiderrapantes, assim como uma área de estar com sofás e poltronas confortáveis, banheiros adaptados para quem tem mobilidade reduzida e sinalização eficiente.
Erguer novas residências ou atualizar as existentes para responder às necessidades de quem tem mais idade é “imperativo” na opinião da arquiteta do escritório Levitt Bernstein, da Inglaterra, e coautora do livro Age-friendly Housing, Julia Park.
Ouvida pelo The Guardian, ela pondera que, tradicionalmente, aposentados costumam ir para os subúrbios ou para o litoral, contudo o transporte coletivo mais qualificado e a maior diversidade da infraestrutura local tornam os grandes centros urbanos uma escolha mais lógica. “A vida em apartamento também faz sentido para as pessoas mais velhas”, observa.
Ela lembra ainda que a maioria dos imóveis não foi construída com as demandas desse grupo etário em mente e muitos deles são pequenos e têm muitas escadas — o que dificulta entrar e sair desses lugares, participar da vida comunitária e ter contato com amigos e familiares.
Outro fator trazido pela matéria é que boa parte dos cidadãos não se muda ao envelhecer, por isso ajustar o parque habitacional já edificado é fundamental, com ações como melhorar a eficiência energética das unidades e instalar equipamentos de iluminação e aquecimento que podem ser controlados remotamente.
As iniciativas de revitalização das moradias podem envolver banheiros inteligentes que ajudam a aprimorar a higiene e aumentar a independência dos idosos. Além disso, câmeras instaladas nos tetos podem detectar alterações no padrão de caminhada de um residente com mais idade e dispositivos acoplados em vasos sanitários podem verificar diabetes na urina, por exemplo.
Unir gerações em um mesmo prédio ou habitação vem mostrando retorno positivo e a medida vem sendo implementada em países como Espanha e Alemanha. O homeshare ou cohousing, explica o The Guardian, reúne indivíduos que possuem um quarto vazio e outros que precisam de acomodação. Nesses casos, o aluguel é trocado por companhia e por cerca de 10 horas semanais de tarefas a serem combinadas, beneficiando os dois lados e permitindo que os mais velhos permaneçam em seus imóveis.
De acordo com o cientista de dados da empresa A Place for Mom, Ben Hanowell, os idosos terão um “grande impacto no desenvolvimento de moradias nas próximas duas décadas”. Ele afirma, em entrevista para a revista Curbed, que, como sociedade, é preciso prestar mais atenção ao comportamento e preferências de quem possui 65 anos ou mais.
A reportagem indica que o “boom populacional de pessoas com mais idade está prestes a remodelar não apenas a maneira como os norte-americanos pensam a velhice, mas com os empreendedores imobiliários respondem e constroem para essa comunidade”.
Estudo da A Place for Mom — um serviço de referência no atendimento de idosos com sede em Nova York — demonstrou que cidadãos mais velhos nos Estados Unidos valorizam centros urbanos caminháveis e poder viver em um bairro que facilite os deslocamentos a pé.
“É hora de abandonar a ideia de que somente millennials e a geração X se preocupam com a mobilidade e as comodidades existentes em comunidades urbanas densas”, pontua o chefe de Marketing da empresa, Charlie Severn. Para ele, essa é uma tendência que deve ser lembrada pelos desenvolvedores.
Via Caos Planejado.