Transporte e segregação espacial: entenda os impactos do aumento da tarifa

Verão, carnaval e aumento da passagem: o começo de ano no Brasil é geralmente quando as prefeituras e governos estaduais anunciam o aumento das tarifas de transporte público. Com a pandemia de coronavírus essas tarifas foram congeladas em 2021, porém muitas cidades voltaram a sofrer esse aumento agora em 2022. Entenda o impacto do aumento das tarifas de transporte público na nossa sociedade. 

Se por um lado a mobilidade é entendida como um direito do cidadão e um dever do Estado, conforme pautado pelo Estatuto da Cidade e previsto pela Lei 12.587/12 de mobilidade urbana, por outro as políticas neoliberais entendem o transporte como mercadoria, regido pela lógica dos negócios. O transporte público nas cidades brasileiras é organizado e pautado pelas empresas que fazem sua administração, e portanto, o lucro é muitas vezes priorizado em detrimento das necessidades dos usuários. O resultado dessa diferença de visão é a dificuldade em se deslocar pela cidade e acessar empregos, escolas, universidades, equipamentos de culturas e locais de lazer, o que tem reflexos tanto sociais quanto espaciais.

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© Pedro Godoy on Unsplash

Ocupando o 55º lugar de um ranking que analisa os preços mais altos de transportes públicos ao redor do mundo, estima-se que o Brasil tem mais de 170 milhões de pessoas que utilizam transporte público diariamente para se deslocar. O preço médio da tarifa de deslocamento é de R$4,40, variando desde R$3,50, em Rio Branco, até mais de R$5,00, como é o caso de Brasília. Esses valores de tarifa significam que, em média, uma pessoa gasta mais de 16% de um salário mínimo em deslocamento. Se considerarmos ainda a alta no custo de vida, o desemprego dos últimos anos, e a consequente diminuição do poder de compra, podemos supor que essa proporção é muito mais violenta para a economia doméstica das famílias de trabalhadores, trabalhadoras e estudantes brasileiros, que são a grande maioria das pessoas que usam o transporte público no Brasil: os mais pobres e residentes de periferias.

A urbanização brasileira, pautada no rodoviarismo voltado ao automóvel individual e nos interesses do mercado imobiliário e da indústria da construção civil, traz uma organização espacial que concentra grande parte dos empregos, hospitais, escolas e equipamentos de lazer e cultura nas regiões centrais, onde moram os mais ricos, enquanto expulsa para as periferias os mais pobres, que enfrentam dificuldades de acesso aos seus trabalhos e equipamentos públicos de educação, saúde e lazer. O pesquisador Sandro Barbosa de Oliveira explica que o processo socioespacial da periferização de São Paulo pode ser entendido como elemento formador da classe trabalhadora periférica, criando assim um modo de vida distinto, sendo o tempo de deslocamento um de seus aspectos fundamentais.

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Sandro diz que esse deslocamento “significa parte do tecido da vida dessas pessoas”: os trabalhadores periféricos encaram longos tempos de deslocamentos para ir e voltar de casa ao trabalho, escola ou universidades em todos os dias úteis dessas atividades, que são distribuídas desigualmente no espaço urbano. Além das obrigações cotidianas, também há a concentração de atividades de lazer em áreas centrais, o que obriga que eles também enfrentem grande tempo de deslocamento nos momentos livres para ter acesso à cultura e lazer. O resultado desse quadro, no qual o trabalhador, trabalhadora ou estudante precisa gastar mais de 16% de um salário mínimo para se transportar por longos períodos de tempo para cumprir com suas responsabilidades, é a segregação e a marginalização das populações periféricas, ainda potencializada quando analisada a partir de questões estruturais como o racismo e o machismo. 

Um dos caminhos para combater essa segregação está na mudança na forma como o Estado operacionaliza a mobilidade urbana. Ao compreender a mobilidade como direito e não como mercadoria, e transformar as dinâmicas urbanas existentes em relação à mobilidade, empregando planos de mobilidade multimodal, ou ainda, o passe livre, por exemplo, o Estado devolve ao cidadão seu direito de se transportar pela cidade. Lugares como Caeté em Minas Gerais, Florianópolis em Santa Catarina, Corvallis no estado do Oregon, Estados Unidos, e tantas outras, mostram que medidas que levam isso em consideração são uma realidade possível a partir da iniciativa popular e do interesse do poder público.

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© Ryoji Iwata, via Unsplash

Referências:

  • OLIVEIRA, Sandro Barbosa, 2022. Condição socioespacial e (i)mobilidade urbana como barreiras espaciais da classe trabalhadora periférica em São Paulo. Acesse aqui.
  • Movimento Passe Livre, 2020. Série Papo Livre - Transporte Como Direito. Acesse aqui.
  • SUMMIT Mobilidade Urbana 2022; Estado de São Paulo, 2022. Tarifas de transporte público mais caras do Brasil. Acesse aqui.

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Sobre este autor
Cita: Giovana Martino. "Transporte e segregação espacial: entenda os impactos do aumento da tarifa" 22 Mai 2022. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/981213/transporte-e-segregacao-espacial-entenda-os-impactos-do-aumento-da-tarifa> ISSN 0719-8906

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