A quase sete quilômetros do verde do Parque Uhuru, no centro de Nairóbi, fica o assentamento informal de Kibera. É uma área cujo caráter urbano é composto por telhados de ferro ondulados, paredes de taipa e uma complicada rede de postes de energia. Kibera, neste momento, é um lugar bem conhecido. Muito já foi escrito e pesquisado sobre essa “cidade dentro de uma cidade”, desde suas questões de infraestrutura até sua navegação na pandemia do COVID-19.
Kibera é frequentemente rotulado como o maior assentamento informal da África por causa de sua população estimada de 1 milhão, conforme citado por muitas ONGs ativas na área. No entanto, uma pesquisa feita com o auxílio de Sistemas de Informação Geográficas (GIS) colocou a população perto de 200.000, um número confirmado por um censo de 2009. E isso é um problema. Essa discrepância nos números levanta questões adjacentes inquietantes, sobre como os assentamentos informais podem ser pesquisados excessivamente, como a arquitetura de comunidades de baixa renda no Sul Global pode ser fetichizada e como as condições materiais desses assentamentos observam pouca melhoria concreta.
Em 2014, os moradores do famoso assentamento Torre de David, na Venezuela, foram despejados. Expulsos de uma comunidade estabelecida no prédio e de um ecossistema econômico informal. Dois anos antes, o estúdio de design interdisciplinar Urban-Think Tank (U-TT) ganhou o Leão de Ouro na Bienal de Arquitetura de Veneza de 2012 por uma instalação baseada no assentamento. A instalação era um restaurante pop-up, que transportava uma fatia da condição urbana de Caracas para a Bienal.
O projeto foi uma lente útil para explorar a condição urbana informal de uma cidade no hemisfério sul, talvez o mais importante, servindo como um modelo aspiracional que reconhece o vigor de um método de organização de baixo para cima. No entanto, críticas foram feitas à instalação, tais como “fundamentalmente parasitária” e “aproveitadora do trabalho dos moradores do edifício”. São críticas difíceis de ignorar e que lembram uma relação de exploração, um cenário onde os moradores de assentamentos informais são vistos como sujeitos passivos.
Embora a visão da instalação fosse louvável, ao colocar o design a serviço de um futuro mais sustentável, questiona a adequação de como os assentamentos informais são pesquisados, dissecados e depois empacotados para um público situado principalmente no hemisfério norte. Isso é feito em meio a uma ofuscação de problemas estruturais que causam a formação desses assentamentos – urbanização insustentável e planejamento deficiente, para citar alguns.
Em Kibera, essa ofuscação é demonstrada na inconsistência numérica entre seus moradores reais e os números citados por muitas das ONGs locais. Simplesmente há um incentivo para que as coisas pareçam "piores" para obter mais fundos de doadores. Este incentivo é agravado quando se leva em conta que na área de 2,5 quilômetros quadrados de Kibera estima-se que há mais de 500 ONGs.
Esse ambiente leva a situações em que as soluções para a melhoria da qualidade de vida em assentamentos informais são unidimensionais. Um projeto iniciado em 2003, patrocinado pelo governo queniano e pela ONU-Habitat, procurou fornecer aos moradores de Kibera apartamentos fora do assentamento. No fim das contas, no entanto, a iniciativa falhou. As pessoas que conseguiram obter uma casa optaram por usar um quarto enquanto sublocavam outros quartos, enquanto alguns alugavam a casa inteira e optaram por voltar para Kibera, porque eles não podiam pagar o aluguel sem emprego. O problema estrutural era gritante: as casas foram fornecidas pelos patrocinadores, mas nenhuma consideração foi feita sobre como os moradores poderiam viver nelas.
Além do problema habitacional, Kibera abriga apenas um número limitado de escolas. Uma dessas escolas é a Kibera Hamlets School, que consistia em salas de aula escuras envoltas por chapas de ferro. Em 2016, o Louisiana Hamlet Pavilion projetado pelos arquitetos SelgasCano e Helloeverything para um museu de arte de Copenhague seria transportado para Kibera, onde seria remontado e substituiria a escola existente.
Uma empresa criativa de Londres pagou pelo transporte e construção e, embora isso seja visualmente interessante e uma melhoria óbvia em relação ao prédio anterior, sua implementação evidenciou as limitações de não se envolver com assentamentos informais e suas questões. Além das críticas à falta de isolamento térmico e acústico e à falta de adesão aos códigos de construção do Quênia e do Reino Unido, há uma discussão mais ampla a ser feita sobre a estrutura geral em torno do projeto.
Por exemplo, os materiais usados na escola transportada não são do Quênia, o que significa que os fornecedores de materiais quenianos não recebem nenhuma receita do projeto. Embora o arquiteto queniano AbdulFatah Adam tenha contribuído para o projeto e os trabalhadores e artesãos tenham vindo da vizinhança ao redor do local, questões podem ser levantadas sobre a replicabilidade - se os moradores de Kibera estavam capacitados o suficiente para construir escolas semelhantes no assentamento.
Como arquitetos, urbanistas, pesquisadores e estudantes buscam contribuir para um futuro sem as precárias condições de vida encontradas em assentamentos informais, o que deve estar em primeiro plano é a ação dos moradores e não a extração da pobreza para consumo de quem está confortável.