Espaços queer e um caminho de outras possibilidades na arquitetura: entrevista com Adam Nathaniel Furman

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© Kaoru Yamada

"Crescer sendo queer significa experimentar a desestabilizadora ausência de uma história queer ampla e acessível, principalmente em relação ao pensamento espacial". Este relato é o que intrigou o designer Adam Nathaniel Furman e o historiador de arquitetura Joshua Mardell a reunir uma comunidade de colaboradores para apresentar novas perspectivas ao campo da arquitetura. A partir de histórias de espaços que desafiam a moral cis-heteronormativa e abrigam pessoas que buscam viver suas próprias verdades, surgiu o livro intitulado "Queer Spaces: An Atlas of LGBTQIA+ Places and Stories", o qual explora distintos contextos sociais, políticos e geográficos da comunidade LGBTQIA+.

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© Vicente Vila

Para entender melhor as motivações por trás do livro e o que ele pode oferecer aos arquitetos, conversamos com o designer Adam Nathaniel Furman que compartilhou sua experiência por trás do projeto e como ele tem influenciado a sociedade. Veja a entrevista completa, abaixo.

Victor Delaqua (VD): No texto "Vespasiana", os conceitos de verdade e ficção são ambos enfatizados. Você pode comentar sobre a importância arquitetônica em explorar todas as histórias que o livro apresenta?

Adam Nathaniel Furman (ANF): O cânone arquitetônico ensinado nas universidades é extremamente estreito e excludente. Nesse sentido, o que é lecionado e canonizado é tanto uma ficção quanto uma verdade; uma vez que exclui e nega partes da realidade da experiência humana. Caso você queira expressar sua identidade num trabalho, e sua identidade não está de acordo com o cânone existente, é importante que você possa acessar uma história daqueles que são como você - como base e referência para os espaços que você deseja projetar.

Para designers e arquitetos queer, isto é especialmente difícil, pois desde o início da modernidade, padrões que fogem da cis-heteronormatividade são considerados os piores e mais degenerados aspectos da criação espacial e da expressão estilística. Não só não existem histórias acessíveis de grandes espaços e designers queer, mas qualquer um que queira operar dentro desta "linhagem" ou utilizar temas queer, é quase sempre atingido pelo peso da ridicularização e ódio de gerações que enxergam os temas queer inerentemente como algo moralmente errado em seus modos e formas.

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© Dell & Wainwright, RIBA Collections

Embora muitas pesquisas excepcionais tenham sido produzidas sobre questões e espaços queer nas últimas duas décadas, nosso livro se destaca ao conscientemente focar num formato acessível, visualmente denso e com uma voz plural a partir de um conjunto de estudos de casos em todo o mundo, e através da história moderna, que fornecerá aos estudantes uma história tangível da comunidade LGBTQIA+ na arquitetura. Isto é imensamente poderoso, pois pode proporcionar um "pedigree" para trabalhos em escolas de arquitetura, que muitas vezes são ridicularizados por acadêmicos cis-hétero, obcecados com sua visão míope da arquitetura como um espaço de conformidade interna. O leque de espaços apresentados em nosso livro é importante, pois mostra como o Queer se manifesta no urbanismo, na arquitetura e no design de interiores, rompendo com as categorias que as universidades normalmente utilizam para definir essas áreas, criando assim um novo espaço interdisciplinar para a liberdade criativa queer.

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© Archivo de la Memoria Trans

VD: Por que você e seu co-editor, Joshua Mardell, dividem o conteúdo do livro em doméstico, comunitário e público? Como estas esferas se interligam e falam sobre a vida queer e seus espaços?

ANF: Buscamos a máxima gentileza com as categorizações, querendo que os espaços e suas justaposições falassem por si mesmos. Abordamos o livro em uma espécie de espírito anti-Venturi-Scott Brown; em vez de sermos turistas em um espaço que nada tem a ver conosco, categorizando, rotulando e diagramando tudo como se estivéssemos em um safári arquitetônico para fácil consumo de um público acadêmico, os espaços são apresentados como são, através de uma infinidade de brilhantes vozes independentes. As três categorias são soltas, com fronteiras diluídas. Misturamos intencionalmente geografias, cronologias e tipos. Isto resulta em contrastes constantemente surpreendentes, destacando continuamente a diversidade e extensão dos espaços feitos por aqueles que pertencem à coalizão LGBTQIA+. Espaços construídos pela realeza são colocados ao lado das histórias de bichas da classe trabalhadora; organizações comunitárias radicais na América do Sul são colocadas ao lado de espaços para eventos comerciais no leste da Ásia; espaços dos séculos passados são colocados ao lado dos mais recentes. O livro, de forma autoconsciente, levanta a ideia de um atlas, criando uma geografia e cronologia queer, unindo - através do tempo e do espaço - aqueles que foram mantidos separados.

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© Jetmir Idrizi

VD: Algo que emerge em muitos projetos apresentados no livro é o fato de que espaços queer desfazem algumas questões binárias na arquitetura, tais como o público e o privado. Qual a sua opinião sobre isso?

ANF: O Queer e suas manifestações espaciais têm frequentemente (e necessariamente) ocupado as brechas existentes, os lugares escondidos. Quando se tornam visíveis, muitas vezes são parcialmente camuflados. Os espaços queer geralmente não se encaixam dentro das categorias convencionais de arquitetura e suas tipologias.

Portanto, sim, há uma tendência para que as fronteiras sejam embaçadas e a binariedade seja revogada, tanto por necessidade, como também em espírito, já que esta qualidade de flexibilidade multiforme e alegria na subversão é algo que deixou de ser um produto das circunstâncias, para ser um distintivo de honra. É uma forma de ser, que tem possibilidades excitantes e positivas dentro da própria arquitetura.

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© Archivo de la Memoria Trans

VD: Podemos definitivamente falar sobre espaços queer, mas é possível falar sobre arquitetura queer? Digo, é possível projetar uma arquitetura queer?

ANF: Acredito que sim, mas é apenas um fio dentro de uma tapeçaria ampla e rica de espaços queer que são feitos de muitas maneiras diferentes, não apenas por terem sido projetados em um sentido tradicional. Como designer queer, que sempre projetou, produziu e apresentou seus trabalhos de forma queer, a questão da arquitetura e espaços LGBTQIA+ sendo projetados por designers queer é de grande interesse pessoal, e nós incluímos vários exemplos no livro.

No entanto, foi muito importante para nós não pesar muito a publicação com nenhum tipo particular de espaço queer; assim, incluímos uma miríade de abordagens para a criação/conceituação desses ambientes, que por si só agem de forma representativa para muitos outros como eles. Por exemplo, vários registros são relatados no livro, afinal, são importantes representantes do ato de criar repositórios de história física para comunidades queer em todo o mundo. Mas, devido a limitações de espaço, muitos não puderam ser incluídos. Da mesma forma, um número seleto de projetos queer de arquitetos e designers LGBTQIA+ foram apresentados ao invés de muitos outros, não menos válidos e significativos.

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© Julian Cardoso

VD: O que os arquitetos podem aprender com este livro?

ANF: Com sorte, ele abrirá e ampliará os horizontes dos arquitetos que não são queer. Para quem se identifica como LGBTQIA+, esperamos que ele se revele como uma ferramenta de vida extremamente poderosa, além de encorajar a ocupar mais espaços, a ter mais orgulho e a produzir um trabalho que seja sem pudor e totalmente queer, consciente da gloriosa linhagem que possui.

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© Category Is Books
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Capa do Queer Spaces

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Sobre este autor
Cita: Delaqua, Victor. "Espaços queer e um caminho de outras possibilidades na arquitetura: entrevista com Adam Nathaniel Furman" [Queer Spaces and the Path of Positive Possibilities Within Architecture: an Interview with Adam Nathaniel Furman] 17 Jun 2022. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/982478/espacos-queer-e-um-caminho-de-outras-possibilidades-na-arquitetura-entrevista-com-adam-nathaniel-furman> ISSN 0719-8906

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