A contribuição de Jane Jacobs ao modo de se olhar e pensar as cidades foi das mais importantes do urbanismo contemporâneo, fato visível na recorrência de suas ideias em debates cujo tema é a cidade, nos quais “Morte e Vida de Grandes Cidades” (The Death and Life of Great American Cities, 1961) é com frequência destacado. A obra só foi traduzida para o português e publicada no Brasil em 2000, pela Editora Martins Fontes.
Pode-se pensar que os quase quarenta anos que separam a publicação original da obra nos Estados Unidos e a sua tradução brasileira indiquem uma demora na chegada das ideias da autora ao Brasil. Há, de fato, uma lacuna temporal que deve ser considerada quanto à absorção de suas teses nos Estados Unidos e no Brasil. Entretanto, esse período por vezes visto como atraso na recepção de suas ideias pode ser problematizado: embora a difusão das ideias de Jacobs ganhe maior força somente após a publicação de sua obra em português, em 2000, é possível recuperar os caminhos pelos quais o discurso da autora aparece no cenário brasileiro antes dessa data. Este estudo reconstrói alguns desses caminhos, pesquisando a presença das obras de Jane Jacobs em acervos de bibliotecas, no meio acadêmico e em alguns órgãos da mídia.
Sabe-se que ainda há resistência aos textos de Jane Jacobs nos meios acadêmicos, mas que já foi maior, quando ela ainda não tinha o espaço que tem hoje no debate das cidades brasileiras. Jacobs vem sendo cada vez mais mobilizada, não só como crítica ao urbanismo modernista (como é vista por muitos ainda hoje), mas também como introdutora de uma maneira acessível e clara de se olhar para o espaço em que vivemos. Essa mudança de percepção em relação a suas ideias, como vimos aqui, não se deu somente pela tradução de sua obra mais famosa, mas também por diversos agentes que já vinham contribuindo para que sua tese fosse debatida e visada no Brasil muitos anos antes da publicação de “Morte e Vida de Grandes Cidades”, em 2000.
É certo que a publicação no Brasil aumentou a visibilidade das ideias de Jacobs, mas, como já apontado, mesmo antes da tradução brasileira de “Morte e Vida…”, as ideias da autora já circulavam em meios especializados no Brasil, e com uma interdisciplinaridade pronunciada. A publicação de seu texto mais célebre em português, em 2000, marcou, afinal, a captura de Jane Jacobs pelo debate sobre o urbanismo e a cidade, e consagrou no Brasil a hegemonia de “Morte e Vida de Grandes Cidades” sobre seus demais trabalhos.
Novas questões
A pesquisa aqui apresentada não teve intenção de encerrar a discussão de como se deu a recepção de Jane Jacobs no Brasil, mas serve de gatilho para que novos estudos sejam empreendidos sobre o tema.
Embora o estudo apresente dados de naturezas diferentes, que convergem para uma resposta comum de como foi a chegada das ideias de Jacobs ao Brasil, muitas outras questões podem ser tiradas desses resultados, não necessariamente sobre os dados mobilizados, mas de outros dados que estão disponíveis para estudo.
Como foi, afinal, a recepção de Jane Jacobs além da esfera acadêmica? Apenas um resultado de como se deu essa recepção na mídia foi destacado nesse estudo, em um só veículo, de uma só cidade. Um desafio é investigar quais outros veículos citam Jacobs e, se citam, de que forma o fazem e quem o faz em cada texto, para, assim, mapear mais amplamente como a fala da autora se reproduz nos meios de comunicação.
Além da mídia, como o poder público no Brasil absorve a fala de Jacobs? O ensaio apresentado por Lucas Mancini em “Situando Jane Jacobs” (CYMBALISTA, 2018) é fundamental nesse debate, mas ainda não mostra os reflexos das ideias de Jane que vão além do Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo, de 2014. Outras grandes cidades brasileiras seguem construindo seus Planos Diretores, e um desafio seria elencar se algum deles se apropria das ideias que Jacobs defendia assim como fez o município de São Paulo.
Tratando-se ainda de procurar esses reflexos fora de São Paulo, a amostra recolhida das bibliotecas universitárias nessa pesquisa já nos dá indícios da presença das ideias de Jacobs circulando em outras universidades, mas em um período ligeiramente posterior a sua inserção na USP. O que poderia explicar essa diferença cronológica da chegada das obras da autora entre as bibliotecas brasileiras? As ementas dos cursos de graduação e pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo (ou quem sabe outras áreas) dessas outras universidades poderiam ser uma resposta a essa pergunta, que essa pesquisa não visou analisar, mas inicia o debate.
Pode-se dizer que a conclusão da pesquisa sanou algumas dúvidas que envolviam a recepção das ideias de Jacobs no Brasil, mas também levantou outras questões, que embora não tenham respostas conclusivas, têm respostas metodológicas que abrem caminho a uma continuidade da investigação aqui iniciada.
Além das respostas diretas apresentadas, a pesquisa se coloca como um convite a um diálogo mais abrangente: com uma mobilização de fontes de estudo menos circunscritas à academia e à mídia paulistana, e que possibilitem uma compreensão mais panorâmica e talvez até mais conclusiva do que foi a recepção de Jane Jacobs no Brasil. E tendo uma frente de pesquisa — a de São Paulo — suficientemente investigada para possíveis comparações além de uma amostra preliminar do modo de recepção de Jacobs no restante do país — com a investigação dos acervos de bibliotecas de outras instituições de ensino superior que não apenas a USP.
Este texto é um trecho do artigo homônimo publicado na revista Cadernos de Pesquisa da Escola da Cidade #7.