Seja uma pequena varanda, um acesso a uma área verde ou um jardim privado, o espaço exterior tornou-se um privilégio para muitos, especialmente com o início da pandemia de Covid-19 e os vários períodos de lock down subsequentes. O espaço verde na cidade está constantemente sob ameaça do mercado ou de governos que buscam aumentar a densidade habitacional para alimentar uma demanda crescente por desenvolvimento suburbano. Como resultado, os jardins e o acesso a espaços verdes/exteriores têm diminuído nos últimos anos em algumas grandes cidades do mundo, uma vez que a prioridade é abrigar o maior número de pessoas possível em empreendimentos residenciais, muitas vezes desconsiderando características benéficas como o acesso a áreas externas.
Em termos de condições de vida, a falta de acesso a esses espaços apresenta desigualdades evidentes, reveladas em períodos de confinamento e restrições durante a pandemia. As pessoas foram confinadas em suas casas e espaços ao ar livre locais, onde poderiam se exercitar. Quem teve acesso a estes espaços públicos e teve os seus próprios jardins/espaço exterior teve muita sorte no sentido de poder usufruir de um elemento do exterior. Enquanto os menos afortunados em apartamentos e áreas pobres enfrentavam condições claustrofóbicas e desmoralizantes, contidas dentro da concha de suas casas.
O acesso a espaços verdes de qualidade tornou-se essencial para os moradores urbanos. Um relatório da Vivid Economics e Barton Willmore mostrou que quase dois terços da população do Reino Unido aprecia mais os espaços verdes locais devido ao Covid-19, e que querem que eles sejam uma prioridade maior para o governo.
A renda está predominantemente ligada ao acesso a espaços verdes/ao ar livre, com 1 em cada 8 lares britânicos sem jardim. Pessoas em empregos manuais semiqualificados e não qualificados, desempregados e pessoas sem emprego fixo são três vezes mais propensas a não ter jardim do que aquelas em ocupações administrativas ou gerenciais (20% comparados a 7%). De acordo com dados da pesquisa da Natural England, as minorias étnicas são quase quatro vezes mais propensas a não ter acesso ao espaço ao ar livre em casa (incluindo a presença de um jardim privado/compartilhado, um pátio ou varanda). Um espantoso 37% em comparação com 10%. Isso evidencia o acesso desproporcional a espaços externos privados dentro da comunidade.
De acordo com uma pesquisa de Lorien Nesbitt, professor assistente da Universidade da Colúmbia Britânica, em geral, o espaço verde é mais difícil de acessar em bairros de baixa renda. Nas zonas mais ricas é muito mais fácil encontrar jardins, varandas, terraços e até parques e árvores, pois estes requerem investimento e manutenção. Os espaços verdes públicos são muitas vezes financiados por orçamentos e conselhos municipais, o que significa que o investimento e a qualidade variam devido à forma como as diferentes áreas priorizam esses orçamentos.
O jardim/espaço exterior privado como um privilégio torna-se evidente ao observarmos os efeitos negativos de ficarmos presos dentro de casa por períodos prolongados. São vários os efeitos colaterais, incluindo problemas de saúde mental e física, como função cerebral reduzida, depressão e um sistema imunológico enfraquecido.
Conforme enfatizado por Anna Wirz-Justice, vencedora do Daylight Award 2022, a luz do dia é essencial para a saúde e essa exposição à luz sincroniza o ciclo circadiano. Sem esta sincronização diária, podem ocorrer consequências como irritabilidade, flutuações de humor e redução da concentração. A longo prazo, há um aumento do risco de doenças cardiovasculares, câncer, doenças mentais e obesidade. A redução do acesso a esses espaços aumenta esses riscos, pois a exposição à luz do dia é limitada.
As residências que incorporam espaço ao ar livre/verde apresentam efeitos positivos sobre a fisiologia, incluindo maior longevidade e concentração. A essência da 'biofilia', proveniente de nossa necessidade instintiva como humanos de estarmos próximos do mundo natural, é crucial, e se cortarmos esse vínculo através do ambiente construído pode desencadear estresse, rompendo a conexão entre o indivíduo e o mundo natural.
Para vencer essa disparidade, o acesso a esses espaços deve ser priorizado tanto como um método de tornar nossas cidades mais verdes, quanto como uma melhoria no bem-estar físico e mental. Visando as comunidades carentes e aqueles de origens socioeconômicas menos favorecidas para restabelecer o jardim/espaço privado ao ar livre como uma comodidade vital para todos, em vez de um privilégio para os mais afortunados. É importante notar que as soluções para tornar os espaços verdes não são necessariamente simples, já que os benefícios que estes espaços proporcionam são influenciados pelo contexto local, desvantagem social, cultura e demografia dos moradores. Para maximizar o impacto, os espaços verdes podem ser mais vantajosos com a contribuição da comunidade, em áreas de desvantagem social.
A ideia de tornar nossas cidades mais verdes tornou-se algo que se faz apenas para o cumprimento de regras, ignorando os amplos benefícios que o espaço ao ar livre oferece aos moradores. No entanto, à medida que nossas cidades se tornam mais densamente povoadas, surgem novas formas inovadoras de incorporar elementos verdes, incluindo a popularização de jardins verticais, tornando nossas fachadas mais verdes e oferecendo inúmeros benefícios à saúde física e mental. A introdução de elementos de design biofílico também pode amenizar a disparidade. Incorporar plantas de interior e maximizar a luz natural oferece maneiras sutis de oferecer acesso aos benefícios assumidos pelo mundo natural. Ao contrário do jardim privado tradicional, estes podem oferecer uma solução para reduzir o privilégio do jardim, entre outros novos esquemas inovadores.
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