Um futuro mais próspero, resiliente e inclusivo nas cidades brasileiras depende de uma retomada verde. Com investimentos urbanos sustentáveis, o Brasil pode conciliar a recuperação da economia brasileira no curto prazo com a transição gradual para uma trajetória de desenvolvimento de baixo carbono. Mas como financiar essa oportunidade?
A seguir, compartilhamos cinco ações com grande potencial para viabilizar a retomada verde e o financiamento das ações necessárias.
1. Pacotes de recuperação verde focados em cidades
A crise gerada pela pandemia de Covid-19 retraiu a economia, com queda de 4,1% do PIB em 2020. No mesmo ano, houve recuo de 7,9% do emprego, atingindo especialmente o trabalho informal. A renda média do brasileiro também sofreu redução na comparação com os níveis pré-pandemia, especialmente na metade mais pobre da população.
Diante das repercussões socioeconômicas da pandemia, o Brasil aprovou um conjunto de medidas de estímulo fiscal que totalizou US$ 224 bilhões entre 2020 e 2021. A maior parte desse esforço, entretanto, não promove a descarbonização da economia ou o fortalecimento da resiliência climática em cidades. Pacotes de estímulo que coordenem e direcionem as iniciativas para a retomada econômica e a criação imediata de renda e emprego são fundamentais, mas precisam estabelecer as bases para um desenvolvimento de baixo carbono e sustentável.
Direcionar ações no curto prazo para recuperação verde em cidades pode ajudar a impulsionar a trajetória de desenvolvimento urbano sustentável. Também permitiriam mapear, desde já, as estratégias de financiamento aderentes às necessidades dos municípios, além de identificar potenciais lacunas de implementação, facilitando o caminho para uma ação climática mais abrangente no longo prazo.
Isso exige um olhar sistêmico de todos os atores envolvidos. Em geral, os mecanismos e instrumentos de financiamento para investimentos sustentáveis são desenvolvidos de forma isolada no Brasil, sem coordenação entre ações políticas, atuação do sistema financeiro e setores econômicos cruciais. Para materializar as oportunidades da recuperação verde, os pacotes, planos e estratégias de recuperação precisam envolver cooperação entre governo federal, governos locais, instituições financeiras e setor privado, considerando conjuntamente fatores econômicos, políticos, financeiros, ambientais e sociais. Assim, evita-se que as soluções criadas enderecem somente as necessidades de um determinado grupo ou setor, em desalinho com o planejamento e as diretrizes de desenvolvimento dos municípios.
Um exemplo disso é o Plano Municipal de Desenvolvimento Econômico (PMDE) lançado pela prefeitura de São Paulo em 2022. A elaboração do plano começou em 2019 e foi ajustada para responder aos impactos da pandemia na cidade. Ações de curto, médio e longo prazo visam impulsionar uma recuperação econômica e estabelecer as bases para um desenvolvimento mais inclusivo e sustentável na capital paulistana. A colaboração com o setor privado e a sociedade civil ao longo da elaboração contribuiu para identificar as necessidades desses grupos, especialmente nas periferias, e abriu espaço para sugestões conjuntas que, alinhadas às ações do setor público, buscam promover uma estratégia integrada de desenvolvimento.
2. Priorização à infraestrutura urbana sustentável
Há um passivo histórico e crescente de infraestrutura e serviços urbanos nas cidades brasileiras. Saná-lo com investimentos em infraestrutura urbana sustentável tem um grande potencial para ajudar a promover a recuperação verde – e ainda pode dar às cidades acesso a novas fontes de recursos. É o caso do financiamento verde e climático, que vem sendo ampliado após o Acordo de Paris. Entre 2017 e 2018, em média US$ 384 bilhões foram direcionados anualmente ao financiamento climático urbano por atores públicos e privados no mundo.
De acordo com o Banco Mundial, cada US$ 1 investido em infraestrutura resiliente em países de baixa e média renda gera US$ 4 em benefícios socioeconômicos. Os setores de construção civil, transportes e gestão de resíduos, energia, tecnologia da informação e comunicação, e adaptação às mudanças climáticas (como soluções baseadas na natureza) são os setores com maior potencial de conjuntamente proporcionar crescimento econômico e impactos sociais, ambientais e climáticas positivos, segundo estudo recente da GIZ e da SITAWI Finanças do Bem. Outro estudo, da Coalition for Urban Transitions, estimou que medidas de baixo carbono em cidades considerando apenas os setores da construção civil, transportes e gestão de resíduos seriam capazes de reduzir em até 88% as emissões urbanas de gases do efeito estufa (GEEs) até 2050. Ou seja, uma ação coordenada de todos esses setores pode gerar um grande impacto no longo prazo.
3. Equilíbrio nas contas municipais
As cidades têm nas operações de crédito uma das principais formas para viabilização dos investimentos em infraestrutura. Para que consigam materializar os investimentos necessários e garantir a sua sustentabilidade no longo prazo e o custeio deste endividamento, os municípios precisam garantir saúde financeira. Por isso, é crucial que implementem ações que gerem receitas locais coordenadas com a gestão eficiente do espaço urbano. Exemplos disso são a Outorga Onerosa do Direito de Construir (OODC) e a Contribuição de Melhoria. Também é essencial garantir o uso eficiente de recursos, com a coordenação dos projetos, programas e planos setoriais com o planejamento e a execução orçamentária, direcionando maiores esforços para a alocação de recursos na elaboração de projetos que promovam o desenvolvimento urbano sustentável, alinhados com o descrito no item 2.
A médio e longo prazo, é essencial promover a reforma fiscal municipal e federal, equilibrando a distribuição das receitas tributárias e alinhando incentivos fiscais ao objetivo de promover uma economia de baixo carbono e inclusiva.
4. Qualificação da atuação das IFDs em prol de projetos sustentáveis em cidades
Em 2021, as Instituições Financeiras de Desenvolvimento (IFDs) nacionais foram responsáveis por quase 99% do crédito a municípios brasileiros. Essas instituições favorecerão a retomada verde em cidades, no curto prazo, caso adaptem seus produtos financeiros às necessidades dos municípios brasileiros e dos setores prioritários de infraestrutura urbana. Podem fazê-lo simplificando e homogeneizando processos e critérios de concessão do crédito, a exemplo da linha Municípios Sustentáveis da Agência de Fomento do Estado da Bahia (Desenbahia). No longo prazo, as IFDs nacionais podem criar produtos específicos e mais abrangentes, como fundos de garantia para investimentos urbanos de baixo carbono.
Players essenciais no financiamento do investimento em cidades, os bancos de desenvolvimento nacionais precisam conectar as cidades a oportunidades de financiamento com baixo custo. Mas essas instituições têm limitações na capacidade de financiamento. Para superar este entrave, podem recorrer a operações triangulares, captando recursos junto a bancos de desenvolvimento bilaterais e multilaterais e a fundos verdes e climáticos.
Operações do tipo já têm sido feitas para outros públicos. Em 2021, o Banco Europeu de Investimento (BEI) e o Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE) firmaram acordo para facilitar o financiamento a micro, pequenas e médias empresas afetadas pelo Covid-19 no sul do Brasil. A iniciativa pode ser replicada com foco em cidades e investimentos urbanos para a retomada verde. No longo prazo, operações de triangulação podem viabilizar programas mais estruturantes e abrangentes com foco climático, como é o caso do Projeto Sul Resiliente estabelecido pelo Banco Mundial e pelo BRDE para financiar projetos municipais integrados de resiliência urbana.
5. Capacitação técnica para a estruturação de projetos urbanos sustentáveis
Um dos principais entraves para o financiamento urbano sustentável no Brasil é a baixa capacidade técnica dos governos para elaborar projetos sustentáveis, que possam ser financiados tanto pelo setor público quanto pelo setor privado. Instituições financeiras e facilities de projetos têm iniciativas pontuais às quais os municípios podem recorrer no curto prazo para adaptar e qualificar projetos existentes. No entanto, é necessário promover apoio amplo e contínuo aos municípios, por exemplo, por meio de um programa nacional que vincule os esforços existentes e coordene novas ações a partir das melhores práticas.
Também é importante garantir condições financeiras para a estruturação de projetos. Estudos indicam que, em países em desenvolvimento, a fase de estruturação representa entre 5% e 10% do custo total do projeto. Pode-se criar ou adaptar fundos específicos para financiar a elaboração de projetos urbanos de baixo carbono. No curto prazo, cidades e financiadores devem priorizar a implementação de investimentos já previstos. Para projetos ainda não implementados ou em estágio inicial de implementação, caso haja espaço para renegociações, uma ação estratégica é adaptá-los para que se tornem mais verdes.
Menos emissões, mais resiliência e qualidade de vida
O financiamento do desenvolvimento urbano é um entrave de longa data no Brasil – situação agravada pela Covid-19 e pela emergência climática. O país pode responder a esses desafios por meio de uma recuperação verde. No curto prazo, as ações elencadas acima podem promover alívio social combinado à urgente mitigação e promoção da resiliência. Também são uma forma de testar caminhos para a ação climática em cidades, iniciando a transição para um desenvolvimento urbano de baixo carbono. Com o envolvimento de diversos setores e níveis de governo, é possível viabilizar recursos tão necessários para a superação das lacunas de infraestrutura urbana no Brasil e garantir mais qualidade de vida para a população no presente e no futuro.
Via WRI Brasil.