O que poderia ser diferente no ato projetual se você se colocasse à frente das expectativas e limitações da sociedade e trouxesse uma mirada queer nas suas referências? Conversamos com Andreas Angelidakis, que se refere a si mesmo como "um arquiteto que não constrói", mas que enxerga a arquitetura como um local de interação social, criando obras que refletem sobre a cultura urbana ao misturar ruínas, mídia digital e psicologia para entender como mergulhar em si mesmo pode ser tão poderoso para encontrar diferentes caminhos de projeto.
Baseado em Atenas, Angelidakis explora a ideia da ruína das sociedades antigas e contemporâneas. Para apresentar uma perspectiva afiada sobre nosso presente e possibilidades de futuro, o arquiteto grego adota uma linguagem que reúne elementos virtuais e físicos numa prática artística que questiona o mundo através de um olhar que atravessa o passado e culturas dissidentes.
Victor Delaqua (ArchDaily): No texto "Me as a Building" você relaciona as interseções entre a compreensão de sua sexualidade e a maneira como você vê a arquitetura e a cidade. Você pode falar um pouco mais sobre isso?
Andreas Angelidakis:
Na época em que escrevi o texto, durante uma sessão com meu terapeuta, me perguntei por que continuo voltando a edifícios inacabados ou ilegais, estudando suas formas e função econômica, e assim por diante. E o Sr. Bakirzoglou respondeu: "talvez porque você também cresceu como 'desautorizado', você queria usar os vestidos de sua mãe e brincar com a maquiagem dela".
Naquele momento, comecei a ver Atenas como uma cidade que atravessou as expectativas das pessoas em relação a ela, uma ruína clássica, quando na verdade ela era uma cidade que queria se tornar algo diferente, e, obviamente, as decisões geopolíticas do programa de reconstrução do Plano Marshall do pós-guerra a moldou. No texto, enquanto eu falo sobre como Atenas teve que renegociar repetidamente sua identidade entre um passado glorioso e um presente muito questionável ao se construir, percebo que poderia estar falando de mim mesmo, sendo o passado glorioso a infância onde eu vivi o mundo mais ou menos fora das expectativas profissionais ou pessoais da sociedade. A infância é o momento em nossa vida no qual ainda começamos a tentar "ser" alguém, nós simplesmente somos. Como tal, parece um momento glorioso de liberdade pessoal, poder interior, ser você mesmo sem esforço, da maneira mais livre possível. No geral, a infância é o momento da vida no qual você está lacrando [slaying], vivendo [living], ou, como diria Paris Hilton, você está Sliving. E pode-se dizer o mesmo para o século V a.C de Atenas, ela estava arrasando demais, deu à luz ao mundo ocidental (oops!), e vivia provavelmente sua melhor vida. Mal sabia ela que com o passar dos séculos, seria vendida como escrava ao Império Otomano, depois se tornaria uma nação em vez de uma colônia despreocupada, encontrando-se finalmente como pária na Europa nos anos 2010.
É uma queda e tanto, mas talvez ao atravessar as dificuldades seja possível encontrar a própria essência. O modo como penso nas cidades ou edifícios, é a maneira como penso em meu próprio progresso na vida, fazendo o trabalho com diferentes tipos de psicoterapia, cura energética, pilates, cartas de tarô, e o que mais vier.
Encontrar seu caminho como um homem bicha tem suas adversidades porque a sociedade não é queer. Talvez o tipo de cidade que Atenas quer se tornar, não se reconhece em seus genitores, ela também quer ser diferente.
(VD): Em 1992 você estava encarregado do projeto da Factory Nightclub em Atenas, e disse que tratou a renovação do espaço como uma "espécie de remake-renovation drag-queen". Você poderia falar um pouco mais sobre isso? E como sua experiência queer integra a sua prática arquitetônica?
(AA): Eu tinha acabado de me formar com menção honrosa pela Sci-ARC, que na época era a escola mais badalada de arquitetura, e um amigo e agente de relações públicas me apresentou à máfia noturna de Atenas para projetar boates.
Os mafiosos me mostraram uma casa de kebab fechada perto da praça Omonia, na qual eles questionavam em qual tipo de casa noturna eu a transformaria, em um bairro tão sombrio. Eu os convenci de que uma discoteca underground gay, que tocasse house music, era o caminho a seguir. Eles encolheram os ombros concordando e eu estava livre para começar.
Meu primeiro instinto foi pensar em como realmente fabricar algo clandestino, que de alguma forma é sobre não ser fabricado, autêntico e áspero, como os garotos que gostamos. Assim, criar uma decoração dentro do kebab parecia um pouco ridículo, e eu queria que o espaço tivesse uma qualidade de bricolage, que se tornasse um lugar que a comunidade fizesse para si mesma. Pintei a antiga casa de kebab com uma prata brilhante, para transformá-la em algo um pouco mais abstrata. Pintar sobre um espaço existente lhe dá uma vibração surreal, um clima tableaux vivant de George Segal, mas sem os humanos. Eu encontrei alguns sofás no espaço e os reformei com tecido fluorescente laranja e deixei a área da geladeira do porão completamente intocada, pois este seria o darkroom do clube.
O processo de transformar a casa de kebab em um clube gay foi, para mim, como uma maquiagem de drag queen: apenas tinta e alguns detalhes fosforescentes. Obviamente, este era o clube que eu desejava ir, então eu apenas o manifestei para o cliente, e a Factory se tornou o clube mais babado que as gays dos anos 90 lembram, mesmo que tenha fechado há pouco mais de um ano, como uma borboleta noturna - e quase todas as bichas que eu conheço - ela se aproximou demais da luz e se queimou. Assim como as gays de hoje que usam speed ou ecstasy.
(VD): Seu trabalho lida com a noção de ruína. Isto tem um grande impacto quando pensamos em uma sociedade que valoriza tanto a monumentalidade enquanto se vê cada vez mais arruinada. Como olhar para as ruínas pode ser uma fonte importante para a concepção de novas perspectivas ou conceitos?
(AA): Suponho que a adoração à ruína vem do drama que uma ruína apresenta, que lembra a seus admiradores um passado grandioso e seu posterior desaparecimento de uma só vez. Portanto, essas mensagens conflitantes possuem uma espécie de grandeza.
Ao mesmo tempo, as ruínas, de certa forma, ajudam a abandonar suas ambições agonizantes, pois se até os edifícios quebrados merecem atenção, você também é digno dela. Acho que é bom ver o futuro como um lugar onde não desejamos mais ser ninguém além de quem já somos.
Neste momento estou trabalhando no Center for the Critical Appreciation of Antiquity [Centro de Apreciação Crítica da Antiguidade], no Espace Niemeyer em Paris. A exposição abrirá em outubro e é comissionada pela Audemars Piguet Contemporary. O projeto é sobre a negociação do binário entre a antiguidade e o presente, considerando que a arquitetura de Oscar Niemeyer tentou prever um futuro que nunca chegou, mas que nos parece curiosamente nostálgica. Não pude resistir em enviadecer um pouco o Sr. Niemeyer, pois, sejamos francos, por mais que ele seja uma figura venerada, Lina Bo Bardi nos serviu com uma visão de mais engajamento e nuances sobre o Brasil e o futuro.
A antiguidade, neste caso, está lançada no papel de nossas civilizações e, talvez, de nossa própria infância. Portanto, é basicamente um auto-retrato, de um homem queer tentando sentir a liberdade de ser criança novamente, diante das expectativas e limitações da sociedade. O Center for the Critical Appreciation of Antiquity olha e examina pequenos fragmentos de uma civilização infantil, que podem informar a realidade que você está construindo hoje.
(VD): Trocando os papéis entre arquitetura, arte e curadoria, você tem uma prática que borra as linhas entre fato e ficção. Como a fusão destes conceitos afeta seu trabalho e o ajuda a criar novos pontos de vista para a vida comum?
(AA): Acho que sempre que você borra a fronteira entre dois papéis, você se aproxima do que é estar em meditação, num estado de fluxo. Para mim, desfazer as linhas entre fato, ficção, arquitetura, etc, está próximo deste estado, embora, infelizmente, eu não tenha descoberto como transformar isso num fluxo emocional ou físico, ainda.