Um antigo conto folclórico indiano narra a história de um semideus, Hiranyakashipu, que recebeu a dádiva da indestrutibilidade. Ele desejou que sua morte nunca fosse provocada por qualquer arma, humana ou animal, nem de dia ou de noite, e nem dentro nem fora de sua residência. Entretanto, para cessar sua trajetória, o Senhor Vishnu assumiu a forma de um ser meio-humano-meio-animal para matar o semideus durante crepúsculo no limiar de sua casa.
Espaços arquitetônicos de transição sempre tiveram um profundo significado cultural para o povo indiano. Eles são encontrados em meio às atividades diárias como pátios, escadas e varandas. Ao longo da variada paisagem do país, os espaços de transição são ladeados por varandas frontais distintas que fundem a rua com a casa.
Na Índia, a varanda de entrada vernacular surgiu da necessidade de um espaço ao ar livre que oferecesse um melhor conforto térmico. Para evitar o calor, as pessoas passavam a maior parte do dia nesse limiar que, por sua vez, abrigava diferentes atividades, desde tarefas matinais até aulas noturnas para crianças da comunidade.
Revestindo o limite da rua com uma espessura permeável, a varanda mediava a esfera pública com a casa privada. O espaço fomentava atividade pública, mantendo as ruas vivas a um braço de distância dos interiores abrigados. Os sons e cheiros do movimento constante de pessoas eram compartilhados entre as áreas públicas e semi-públicas. O ganhador do prêmio Pritzker, B V Doshi, descreve as varandas como “ponto de encontro entre o sagrado e o profano; a casa e a rua”.
O misticismo do espaço intermediário é um tema recorrente na filosofia indiana. A varanda recebia atenção especial todas as manhãs através do culto e da decoração, principalmente durante as festividades. Ela também era um espaço para estender a hospitalidade, onde vizinhos e transeuntes podiam parar e travar uma conversa espontânea. Legalmente, a varanda pertencia ao proprietário da habitação. Socialmente, era vista como uma extensão da rua, um espaço público para a comunidade trabalhar, se reunir e fofocar.
Com climas variados, a varanda assumiu diferentes formas e tamanhos em todo o país, mantendo a mesma função. As tipologias geralmente denotavam a transição da rua para a casa com mudanças de material e elevação. "O thinnai das colônias do sul da Índia, o otla do norte da Índia, casas pol, e a inspiração portuguesa, balcao variavam em ornamentação e influências socioculturais" afirma Lester Silveira do The Balcao. As varandas eram ainda profusamente decoradas pelos moradores para expressar seus valores culturais.
O espaço de transição serviu como uma ponte vital entre a vida privada e pública. Entretanto, a urbanização provocou um aumento da distância entre a vida pública e privada e, com ela, o desaparecimento da varanda. As noções sobre privacidade e socialização mudaram ao longo das últimas gerações. Paralelamente, novas formas de habitação surgiram nas cidades, ditadas mais pela economia do que pelos padrões socioculturais.
O advento das cidades e as formas modernizadas de construção fizeram com que a arquitetura indiana vernacular continuasse presente apenas na história. Os projetos de apartamentos e casas maximizam a vida interna, considerando os espaços ao ar livre como uma necessidade antiga. Enquanto a varanda da frente encolheu, grandes pátios e sacadas cresceram na parte posterior da casa, oferecendo uma experiência ao ar livre mais privada. Os edifícios que possuem varandas são isolados da rua por muros e portões.
A tecnologia também alimentou o declínio gradual da capacidade da arquitetura de se envolver com o domínio público. Condicionadores de ar, televisão e internet criaram ambientes internos mais confortáveis, tornando os espaços ao ar livre redundantes. Dispositivos alternativos de sombreamento arquitetônico desafiaram a capacidade da varanda de resfriar os espaços. As ruas não estão mais cheias de conversas de pedestres e vendedores ambulantes. O ruído do tráfego de veículos mantém as moradias afastadas das estradas. Sendo visualmente isolados, os edifícios estão se envolvendo cada vez menos com o tecido urbano.
Uma versão moderna da varanda é o hall de entrada, uma sala fechada que é mais segura para as entregas e conversas transacionais de hoje. No entanto, as aldeias na Índia ainda se apegam aos modos de vida tradicionais e à arquitetura que as sustenta, mas as cidades respondem aos estilos de vida privatizados. Pode-se ocasionalmente encontrar uma pessoa lendo um jornal no corredor de seu apartamento ou gritando para um vendedor que passa pela rua. A agitação das zonas intermediárias, no entanto, é rara de se encontrar.
A perda do espaço de transição entre a esfera privada e pública esgotou o senso de comunidade em ambientes compartilhados. Estruturas que oferecem locais para atividade orgânica foram substituídas por edifícios introvertidos cercados por espaços públicos mecânicos. Os arquitetos podem usar a varanda como espaços de memória - de uma época com limites esfumaçados - mas o espaço é desprovido do caráter pretendido. O charme da varanda foi perdido para sempre?
Os ambientes construídos ecoam as necessidades culturais e práticas de gerações fugazes. Ao olhar para o passado com nostalgia, ideias para tornar as cidades e comunidades melhores se revelam. O exemplo da varanda destaca a arquitetura como uma entidade dinâmica, ativando o entorno em escala humana e relacionando-o com as atividades cotidianas. Edifícios que dialogam externamente produzem automaticamente zonas intermediárias ativas. Os espaços de transição podem regular o ritmo entre áreas públicas movimentadas e habitações mais isoladas, traduzindo suavemente uma na outra.
Simplesmente trazer de volta a varanda não modificará as relações existentes. O que os arquitetos podem levar adiante não é um espaço de transição, mas um lugar que possa nutrir a comunidade, convidar à permanência e manter o caráter místico do limiar.