Selvas de concreto: 6 alternativas ao cimento para reduzir seu impacto nas cidades

A expressão "tempestade perfeita" refere-se a um evento, geralmente não favorável, que é agravado em decorrência de uma confluência de fatores negativos ou imprevisíveis. É muito utilizada para retratar fenômenos meteorológicos, mas também abrange outros campos, como a economia, por exemplo. Essa analogia também pode funcionar para a relação entre a crise climática e a dependência do mundo com o concreto. Conforme evidenciado no Relatório da Chatam House, enquanto o cimento (essencial para a fabricação de concreto) é um material extremamente prejudicial ao efeito estufa e à crise climática, representando cerca de 8 % das emissões globais de CO2, prevê-se que sua produção global aumente nos próximos 30 anos para suprir a demanda da rápida urbanização de regiões como o Sudeste Asiático e a África Subsaariana. Ao mesmo tempo, o último relatório da IPCC nos alertou que nos restam apenas 11 anos restantes para reduzir as emissões e evitar danos irreversíveis da mudança climática. Ou seja, o setor de cimento está enfrentando uma expansão significativa no momento em que as emissões precisam cair rapidamente.

A cada ano, são produzidos mais de 4 bilhões de toneladas de cimento. Como mostrado neste artigo do The Guardian, “após a água, o concreto é a substância mais amplamente usada na Terra. Se a indústria de cimento fosse um país, ele seria o terceiro maior emissor de dióxido de carbono do mundo, com mais de 2,8 bilhões de toneladas, superado apenas pela China e pelos EUA.” Entretanto, para se alinhar às diretrizes presentes no Acordo de Paris, até 2030 as emissões do setor precisariam ser reduzidas em 16%, ao mesmo tempo que se estima que a produção global de cimento aumente para mais de 5 bilhões de toneladas até 2050.

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Cemitério de Presov – Svaby / STOA Architekti. Image © Jonas Verespej

Das emissões de carbono no processo de manufatura do cimento, a clinquerização responde a mais de 50%. O clínquer, ou clínquer Portland, provém da queima de matérias-primas moídas (rocha calcária predominantemente, mas também argila e óxidos de ferro e alumínio) a até 1450 °C. Estes fornos geralmente são alimentados por fontes não renováveis, como gás natural, ou outros derivados do petróleo. Estima-se que, para cada tonelada produzida de clínquer, são emitidos entre 800 e 1.000 kg de CO2, incluindo o gerado pela decomposição do calcário e pela queima do combustível fóssil. Como destaca este artigo do The Guardian, também há outros impactos ambientais menos falados. O concreto é um gigante sedento, sugando quase que um décimo do uso industrial de água do mundo e o material também aumenta o efeito de ilhas urbanas, absorvendo a energia térmica do sol e reduzindo a qualidade de vida e a biodiversidade dos espaços urbanos.

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599 Music School / Studio Organon. Image © Suryan // Dang

Porém, a dependência da humanidade com este material é enorme. O concreto é prejudicial, mas também trouxe inúmeros benefícios à humanidade. É muito raro uma obra que não use algum componente feito de cimento, seja para a estrutura, ou para assentar acabamentos ou construir pisos. Boa parte das infraestruturas urbanas também dependem do material, bem como grandes obras, como pontes, estradas, hidrelétricas, etc. Mas, diferentemente do plástico, outro grande vilão dos nossos tempos, é muito mais difícil mudar o comportamento em relação ao concreto e ao cimento. Conseguimos, por exemplo, recusar uma sacola plástica ou o uso de um produto descartável, mas dificilmente abdicaríamos usar a água que veio de encanamentos de concreto. Nos colocamos aí em um dilema complexo: Há uma real dependência deste material e as mudanças climáticas são cada vez mais sentidas no nosso cotidiano, como na onda de calor no verão da Europa este ano. Ainda que diversos materiais venham mostrado potencial para tomar o protagonismo na indústria da construção, é quase ingênuo afirmar que o concreto poderá ser substituído num futuro próximo. Mas há algumas possibilidades de tornar sua produção mais ecológica e reduzir sua demanda em alguns usos tradicionais:

AshCrete

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TEJ House / Neogenesis + Studi0261. Image © Ishita Sitwala | The Fishy Project

O Ashcrete utiliza cinzas volantes (um subproduto de resíduos produzido na combustão do carvão) como matéria-prima predominante para a produção de concreto. Ao ser misturado com borato, cinzas inferiores e um composto de cloro pode criar uma alternativa mais forte, mais durável e ecológica ao cimento Portland. Comparado ao concreto tradicional, o Ashcrete é mais resistente ao ácido, fogo, temperaturas drásticas e corrosão. Como um subproduto da combustão de carvão, o cimento de cinzas volantes é também muito mais barato que o cimento regular. Mas pelo mesmo motivo ele pode não ser viável economicamente em grande escala, pois o fornecimento das cinzas volantes pode ser um limitante e, principalmente, num futuro ideal, a exploração de carvão seria reduzida..

Finite

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Objects made of Finite, a material developed by students from Imperial College London using desert sand. Image © Finite

Através de um método criado pela empresa homônima para unir os finos grãos de areia do deserto, o material resultante é tão forte quanto concreto e pode ser facilmente derretido e remodelado para múltiplos ciclos de vida ou deixado biodegradar com segurança. Assim como o concreto, Finite pode ser moldado em qualquer forma ou tamanho, receber pigmentos naturais e não precisa ser queimado como argila, tornando-o menos intensivo em uso energia. Um ponto a ser considerado é que a humanidade já tem utilizado quantidades enormes de areia atualmente, e essa pode ser a próxima crise de sustentabilidade, reduzindo os potenciais deste material.

HempCrete

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Ateliers of Pascale Marthine Tayou / BC architects. Image © Thomas Noceto

Hempcrete é uma mistura de fibras de cânhamo com cal e água. cria tijolos oito vezes mais leves que o concreto, mas não é estrutural, ainda que possa ser integrado com sistemas de construção de edifícios tradicionais. Semelhante ao concreto tradicional, pode ser moldado no local ou pré-fabricado em componentes de construção como blocos ou chapas .Hempcrete é livre de umidade, evita mofo e é evitado por cupins, tornando-o uma opção atraente para uso interno. Por conter grandes vazios em sua composição, o material apresenta grande isolamento termo-acústico, sendo interessante para a necessidade de isolamento adicional. É importante lembrar que, apesar do potencial dos materiais de construção à base de cânhamo, esta planta ainda tem o plantio proibido em muitos países.

Micélio

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Hy-Fi Pavilion / The Living. Image © Andrew Nunes

Os cogumelos têm a vantagem de serem materiais que podem crescer, sob condições propícias de temperatura e umidade. As pesquisas ainda são incipientes, mas há exemplos de usos promissores para aplicações não estruturais. A empresa italiana Mogu tem desenvolvido uma linha de produtos à base de micélio, como placas acústicas, pisos e painéis. O biomaterial é altamente poroso, proporcionando um ótimo desempenho acústico com a capacidade de absorver o som, além de beneficiar a qualidade do ar ao absorver toxinas.

Ferrock

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A domed structure under construction made almost entirely of Ferrock. Image © David Stone

Descoberto por engano pelo pesquisador David Stone, o Ferrock é criado a partir de pó de aço - que normalmente seria descartado de processos industriais - e sílica a partir de vidro moído. O material endurece quando exposto a altas concentrações de dióxido de carbono, que é absorvido e preso, fazendo com que o composto se torne carbono negativo. O resultado é um material cinco vezes mais forte que o cimento Portland. O grande desafio é torná-lo econômico em escala e, por ser composto por subprodutos industriais, também pode ter uma limitação de produção. 

GrapheneCrete

O grafeno é um nanomaterial composto por carbono, sendo o cristal mais fino conhecido. Leve, condutor de eletricidade, rígido e impermeável, pode ser utilizado como aditivo para o concreto, ampliando sua resistência e  durabilidade. Como permite construir estruturas mais delgadas, isso poderia reduzir significativamente a pegada de carbono. O grande desafio é ter acesso ao grafeno e, como muitas alternativas concretas, os usos e a produção ainda estão nos estágios iniciais de desenvolvimento com muitas promessas.

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Centro de Meditação Botânica / HAS design and research. Image © Yu Bai

É importante notar que criar um produto que possa ser usado tão amplamente e com tanta frequência quanto o concreto não é tarefa fácil. Neste sentido, investimentos em inovação e pesquisas são primordiais.

Este artigo é parte dos Tópicos do ArchDaily: Tendências urbanas e habitacionais. Mensalmente, exploramos um tema específico através de artigos, entrevistas, notícias e projetos. Saiba mais sobre os tópicos do ArchDaily. Como sempre, o ArchDaily está aberto a contribuições de nossos leitores; se você quiser enviar um artigo ou projeto, entre em contato.

Sobre este autor
Cita: Eduardo Souza. "Selvas de concreto: 6 alternativas ao cimento para reduzir seu impacto nas cidades" 24 Ago 2022. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/985920/selvas-de-concreto-6-alternativas-ao-cimento-para-reduzir-seu-impacto-nas-cidades> ISSN 0719-8906

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