Este artigo foi publicado originalmente no Common Edge.
Há poucas perguntas mais poderosas que “de onde você é?”. As pessoas se sentem profundamente conectadas às cidades e se identificam com outras pessoas que sentem essa mesma conexão. Em outras palavras, tendemos a entender e vivenciar os lugares de uma forma muito pessoal.
No entanto, para entender o lugar – na verdade, para entender os assentamentos humanos em geral – é importante reconhecer que os lugares não são criados por acaso. Eles são criados com o propósito de promover uma agenda política ou econômica. Cidades melhores surgem quando as pessoas que as moldam pensam de forma mais ampla e consciente sobre os lugares que estão criando.
Por mais fundamental que seja o conceito de lugar, ele não pode ser totalmente separado da prosperidade. Por milhares de anos, as cidades existiram em grande parte como veículos de comércio: locais onde as pessoas se reúnem, onde se trocam conhecimentos e bens, onde as matérias-primas são transformadas em bens manufaturados e, em alguns casos, onde os bens são simplesmente transferidos de um meio de transporte para outro. Por mais que nós, planejadores urbanos, gostemos de pensar nas cidades principalmente como lugares para se viver, e em nossos empregos como a criação de ótimos lugares para se viver, as cidades crescem ou murcham, e as pessoas levam vidas satisfatórias ou não, principalmente porque as cidades ou são bem-sucedidas ou fracassam como motores do progresso.
Ao longo da história, as cidades surgiram em locais específicos pelos motivos descritos acima. Mas, com o tempo, elas prosperam, ou não, com base em sua capacidade de se adaptar a novas condições e ir além de seus propósitos originais.
Pense em Boston, por exemplo. Como é que, ao longo de centenas de anos, um lugar que era essencialmente uma cidade portuária se transformou no principal centro de ensino superior do mundo? Como Pittsburgh, uma cidade siderúrgica, se reinventou com sucesso em grande parte aproveitando os ativos de uma pequena universidade, a Carnegie Mellon? Por que Pittsburgh prosperou enquanto as cidades dos Grandes Lagos de Detroit, Cleveland e Buffalo lutaram tanto para se adaptar às condições pós-industriais? Talvez o caso mais milagroso de todos, o Vale do Silício, que nas décadas de 1950 e 1960 era basicamente um centro de fabricação de eletrônicos e se transformou no centro de alta tecnologia mundial?
As respostas estão na relação entre lugar e prosperidade e na visão que os líderes de cada cidade trazem para a tarefa de usar o lugar como plataforma para a prosperidade. A prosperidade de uma cidade ao longo do tempo em geral não depende de uma empresa individual, não importa quantas pessoas ela possa empregar ou quão espalhafatoso foi o discurso do prefeito quando ela chegou à cidade.
Pelo contrário, a prosperidade depende do uso de empresas para construir ativos em um local específico que possa ser reciclado. Esses ativos podem ser uma força de trabalho, uma universidade, um porto ou aeroporto ou a riqueza criada por gerações anteriores. É por isso que o Vale do Silício e Pittsburgh são bem-sucedidos: eles reciclaram riqueza e conhecimento por meio de suas universidades locais para criar uma nova geração de prosperidade. É por isso que Boston conseguiu ser uma dúzia de cidades diferentes ao longo de quatro séculos. É por isso que minha cidade natal de Auburn, Nova York, ainda é uma cidade manufatureira de sucesso: porque depois de 200 anos, as pessoas ainda sabem como fazer coisas e adoram fazê-las. Com o tempo, um lugar de sucesso cria ativos econômicos duradouros que não desaparecem e estabelece as bases para a prosperidade futura.
Em sua essência, a prosperidade das cidades não diz respeito ao sucesso de um único negócio, mas aos ativos permanentes que um esforço de desenvolvimento econômico cria. A questão de desenvolvimento econômico mais relevante não é “Que negócios você está atraindo?” mas sim "O que você deixou no dia seguinte ao fim do negócio?"
E a resposta é o lugar: o caráter e a qualidade do local que você está vendendo para as empresas. Na era industrial, isso geralmente significava proximidade com recursos naturais ou rotas de transporte. Hoje em dia, significa mais frequentemente fornecer equipamentos urbanos e espaços naturais atraentes para as pessoas que impulsionam a economia da inovação. Na minha cidade natal, Ventura, a empresa mais bem-sucedida da cidade era a empresa de roupas localizada nos arredores do centro da cidade chamada Patagonia. Era muito bem sucedida por uma razão simples: o fundador, Yvon Chouinard, gostava de surfar lá. E até hoje um dos diferenciais de trabalhar na Patagonia é: surfar na hora do almoço.
É claro que hoje em dia vivemos em um mundo de extrema desigualdade, um mundo em que as comodidades dos lugares são altamente valorizadas e, portanto, acumuladas pelos ricos. Nesse sentido, lugar e prosperidade estão mais intimamente ligados do que nunca. Está chegando ao ponto em que apenas os prósperos podem pagar os bons lugares. Isso nem sempre foi o caso, e não é inevitável.
Historicamente, as cidades forneciam lugares para todos viverem e trabalharem: famílias de classe média e trabalhadoras, ricos e pobres. Nas últimas décadas, famílias de classe média se mudaram para os subúrbios, deixando os ricos para residir nos melhores bairros e os pobres para viver onde quase não há equipamentos e serviços de qualidade. A maioria das políticas urbanas hoje está focada em corrigir esse problema distribuindo de maneira mais equitativa a infraestrutura e as oportunidades econômicas nas cidades, por exemplo.
Não sei se as cidades podem resolver todos os problemas da nossa sociedade por meio de políticas urbanas. A desigualdade que vemos nas cidades hoje é em parte o resultado de tendências socioeconômicas mais amplas. No entanto, eu sei que as cidades são resilientes. Elas foram atingidas ao longo das décadas pelo êxodo branco, pela decadência e renovação urbana, pelo investimento desigual, por eventos climáticos cada vez mais extremos e agora a pior pandemia do século, que ainda persiste. Na melhor das hipóteses, elas não apenas nos inspiram e nos elevam, mas tornam nossa vida mais conveniente e mais gratificante. Em um momento em que a divisão entre ricos e pobres é preocupante, talvez as cidades possam percorrer um longo caminho para domar a desigualdade. Mas só funcionará se entendermos o vínculo fundamental entre lugar e prosperidade, além de garantirmos que ótimos lugares estejam disponíveis para todos, não apenas para aqueles com recursos para acumular os benefícios das cidades.
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