A história mostra que, quando atingidas por crises e desastres, as cidades em geral se recuperam e saem mais fortes e resilientes do que antes. O grande incêndio de Chicago ficou famoso por dar origem aos arranha-céus. Surtos de doenças contagiosas contribuíram para políticas de saúde pública e para as práticas modernas de saneamento. A devastação causada pela Segunda Guerra Mundial catalisou investimentos sem precedentes em habitação e infraestrutura.
À medida que a pandemia de Covid-19 desacelera, muitas cidades no mundo passam por um momento de repensar algumas práticas. Essas cidades têm se questionado sobre qual a melhor maneira de se recuperar, passar por essa transição e renovar os espaços urbanos em um mundo no qual abalos, incertezas e crises podem ser o novo normal.
Nesta edição do WRI Ross Center Prize for Cities, o WRI convidou a comunidade urbana para participar com projetos e abordagens que respondessem à seguinte questão: como as cidades e comunidades podem prosperar, de forma inclusiva, em tempos turbulentos?
Cada uma das cinco iniciativas finalistas, entre 260 inscrições de 155 cidades em 65 países, enfrentaram crises simultâneas em suas comunidades. Por meio de ações inovadoras voltadas aos moradores mais vulneráveis, as lideranças dessas cidades ajudaram essas populações a se tornarem mais resilientes, equitativas e bem preparadas para resistir a futuros abalos.
Juntas, essas iniciativas são exemplos poderosos de como as cidades podem reagir a incertezas, abalos e crises.
A revitalização de Barranquilla através de espaços verdes
Dez anos atrás, a cidade de Barranquilla, na Colômbia, passou por uma estagnação econômica. Cerca de 43% dos moradores viviam na pobreza, muitos em condições de saúde precárias, sem confiança no setor público, expostos à criminalidade e à degradação ambiental. Os parques e espaços públicos existentes costumavam ser pouco utilizados e mal administrados, gerando poucos benefícios para as pessoas.
Em 2011, o governo municipal criou o Todos al Parque, um programa que já revitalizou 202 parques na cidade e construiu outros 48 com a participação dos moradores. Hoje, 93% dos habitantes de Barranquilla têm acesso a espaços públicos verdes dentro de oito minutos de caminhada ou menos.
Esses parques acabam funcionando como centros importantes para a vida comunitária, oferecendo aos moradores espaços de lazer, convivência e prática de atividades físicas, em especial nos bairros de baixa e média renda que antes não contavam com esse tipo de infraestrutura. Durante a pandemia de Covid-19, os parques também abrigaram serviços relacionados ao enfrentamento da doença, como pontos de testagem e vacinação, além de serem uma oportunidade de encontro respeitando os protocolos de distanciamento social.
Barranquilla se tornou a primeira “BiodiverCidade” da Colômbia e lidera uma rede de oito cidades da América do Sul que trabalham para incorporar soluções baseadas na natureza e na biodiversidade em seus processos formais de planejamento.
Resiliência construída pela comunidade na Cidade de Iloilo
Ao longo dos últimos 20 anos, a Cidade de Iloilo, nas Filipinas, enfrentou uma crise no setor de habitação, causada por desastres naturais e pela urbanização acelerada.
Em 2008, o Tufão Fengshen inundou 80% da cidade. A situação contribuiu para tornar ainda mais difícil o desafio da administração municipal de oferecer moradia para um grande número de moradores de assentamentos informais. Os projetos do governo de contenção de inundações em geral reabrigavam as pessoas longe de suas antigas casas e sem condições seguras de habitação.
Em resposta, uma coalizão de grupos da sociedade civil liderada pela Homeless People’s Federation of the Philippines trabalhou em conjunto com a administração municipal para implementar o projeto “Habitação e Desenvolvimento Urbano Participativos na Cidade de Iloilo”. A iniciativa reúne diversas estratégias inovadoras lideradas pela comunidade para melhorar a situação da habitação na cidade. Juntos, os membros da coalização desenvolveram soluções de moradia para que quase dois terços das 27 mil famílias de baixa renda do município não passassem por despejos ou realocações em áreas distantes.
O governo municipal doou terrenos ociosos para o projeto. Os grupos então organizaram as famílias utilizando estratégias variadas para oferecer condições seguras de moradia. O processo de auto-organização incluiu a formação de grupos responsáveis por um fundo coletivo de recursos para construir e qualificar as casas e adquirir terrenos para novas construções.
Por meio desse trabalho, a população de baixa renda obteve participação permanente nos processos formais de planejamento urbano. Desde então, a Cidade de Iloilo tem se tornado um lugar onde futuros desastres naturais podem ser antecipados, com a sociedade se planejando para enfrentá-los com antecedência e de forma inclusiva, e onde a construção de infraestrutura preventiva pra tempestades e inundações não desloca as pessoas . Em vez disso, oferece a elas novas oportunidades para um futuro mais seguro.
Uma reação rápida as impactos de longo prazo em Odisha
O bloqueio nacional de 21 dias promovido pela Índia no início da pandemia de Covid-19 gerou uma profunda crise de desemprego entre a população de baixa renda, uma vez que as atividades econômicas foram interrompidas quase da noite para o dia.
Em questão de semanas, o Departamento de Desenvolvimento Urbano e Habitação do estado de Odisha lançou a iniciativa “Trabalho Assalariado Urbano” (UWEI, na sigla em inglês) para gerar oportunidades de renda para 700 mil pessoas pobres, além de trabalhadores informais e imigrantes, nas 114 cidades de Odisha. Grupos comunitários já existentes, associações de moradores de favelas e grupos de mulheres alocaram pessoas desempregadas na realização de 22,5 mil projetos de obras públicas de baixo carbono, incluindo captação de água da chuva, construção de centros comunitários, atividades de saneamento e desenvolvimento de espaços públicos.
Desde então, o programa se tornou permanente e foi replicado em outros três estados do país. O governo indiano considera o projeto uma referência nacional.
A transformação de Paris em uma “cidade de 15 minutos”
Como muitas grandes cidades do mundo, Paris, na França, enfrentava a necessidade de reduzir emissões e, ao mesmo tempo, melhorar a qualidade de vida da população. A crise da Covid-19 reforçou a necessidade de uma visão atrativa, capaz de guiar a cidade rumo ao futuro.
Em 2020, a prefeita Anne Hidalgo apostou em seu plano de transformar Paris em uma “cidade de 15 minutos”. Desenvolvida originalmente em 2016 pelo professor Carlos Moreno, essa abordagem envolve uma visão hiperlocal e de baixo carbono da vida na cidade. Deslocamentos usando meios de transporte com uso intensivo de carbono são reduzidos de forma significativa, e os moradores podem atender a todas as suas necessidades dentro de uma curta distância de suas casas.
A política de Anne Hidalgo inclui uma ampla expansão da infraestrutura cicloviária, construção de parques urbanos, bloqueio de ruas escolares para o tráfego de veículos, orçamento participativo e um processo de tomada de decisão descentralizado. Desde 2020, a cidade tornou permanentes mais de mil quilômetros de ciclofaixas temporárias criadas durante a pandemia.
Endossada por órgãos internacionais de desenvolvimento urbano e prefeitos em todo o mundo, a cidade de 15 minutos se tornou um movimento global que tem inspirado outros municípios na França e no resto do mundo a fazerem mudanças parecidas.
Vidas transformadas pelo transporte em Peshawar
Por muitos anos, os moradores de Peshawar, no Paquistão, enfrentaram as opções de transporte caóticas, poluentes e inacessíveis oferecidas pela cidade, que consistiam principalmente em ônibus e veículos privados movidos a diesel. Pessoas com deficiência e dificuldades de mobilidade não conseguiam se locomover pela cidade. Alternativas pouco seguras e a falta de assentos reservados tornava o transporte intimidador para mulheres, crianças e pessoas trans.
Entre 2017 e 2020, a TransPeshawar reestruturou a indústria de ônibus local, desmanchou veículos antigos e construiu um sistema BRT de última geração. As estações e os ônibus passaram a ser acessíveis para as pessoas com deficiência e a reservar assentos prioritários para usuários de grupos vulneráveis. As viagens feitas por mulheres saltaram de 2% para 20% do total, abrindo novas oportunidades profissionais e de educação. A TransPeshawar substituiu veículos antigos e poluentes por 220 ônibus híbridos (elétricos e a diesel) que agora operam ao longo de 59 quilômetros. A empresa também construiu ciclofaixas e bicicletários e implementou um sistema de bicicletas compartilhadas com pagamento integrado ao BRT.
A experiência de Peshawar mostra como uma solução de mobilidade de alto nível pode abrir oportunidades antes inacessíveis para grupos marginalizados e criar uma cidade mais segura e saudável para todos.
Prosperando juntos em tempos turbulentos
Ao longo dos últimos dois anos, especialistas e profissionais da área de desenvolvimento urbano foram colocados na linha de frente da maior crise de saúde pública de que se tem conhecimento. Os bloqueios interromperam a vida nas cidades, aumentaram drasticamente as desigualdades já existentes e expuseram a vulnerabilidade dos sistemas urbanos – como transporte, habitação, logística, orçamento municipal, empregos, entre outros.
Os exemplos das cidades mencionadas aqui, porém, mostram que, em meio a uma crise de saúde pública – ou de qualquer outro tipo – existe um caminho. E, lançando mão das abordagens adequadas, as cidades podem se recuperar e se fortalecer. Com intervenções inovadoras, podem beneficiar múltiplos grupos – incluindo pessoas pobres, mulheres, crianças, pessoas trans, imigrantes e trabalhadores informais – e se tornar mais fortes, resilientes e inclusivas.
Via WRI Brasil.