Muito além de suas características decorativas, o paisagismo traz consigo questões biológicas e culturais que precisam ser trabalhadas nos projetos. O que se vê em grande parte dos jardins públicos, residenciais, condominiais, comerciais e empresariais, porém, é uma série de abordagens que distanciam o paisagismo de todos seus atributos, reduzindo-o a uma camada decorativa na construção. A seguir, reunimos estratégias para se esquivar dos principais problemas do projeto paisagístico, juntando a estética com suas possibilidades ambientais e culturais.
Para Ricardo Cardim, em seu livro Paisagismo Sustentável para o Brasil, “o paisagismo usual no Brasil contemporâneo é, em geral, desprovido de maiores preocupações ambientais e funcionais”. Ele continua afirmando que o mercado do paisagismo, envolvendo tanto os projetos quanto a venda de plantas ornamentais, segue um modismo que resulta em “jardins desconectados das realidades naturais, urbanísticas e culturais locais, oferecendo serviços ecossistêmicos limitados e poucas possibilidades de uso pelas pessoas.” Assim, o jardim, seja ele público ou privativo, cujo imaginário está conectado com a ideia de um refúgio em meio à rotina, um local para descanso, apreciação e saúde, muitas vezes passa despercebido pelas pessoas ou se torna uma imagem a ser apreciada ao invés de um espaço para ser ocupado e vivido.
O jardim planejado e projetado precisa se conectar com diferentes escalas. Primeiramente, os jardins têm potencial para serem um espaço que disponha de serviços ecossistêmicos, que são benefícios obtidos dos ecossistemas que geram bem estar humano, os quais foram sendo degradados a partir do processo de urbanização contemporâneo. Um jardim pode se conectar com a fauna e a flora local, respondendo ao seu bioma natural, trazendo benefícios tanto para o entorno quanto para seus usuários. Além disso, os jardins também representam uma oportunidade de vivenciar a natureza local, aprendendo sobre a sazonalidade, clima, fauna e flora, reestabelecendo uma conexão que foi perdida no ambiente urbano, entre o ser humano e a natureza. Por fim, os jardins são um espaço de uso das pessoas, podendo promover atividades de lazer e autocuidado que trazem benefícios à saúde física e psicológica da sociedade.
Porém, como foi exposto por Cardim em seu livro, há algumas estratégias de projeto que precisam ser traçadas para que os jardins possam atingir todas as suas potencialidades. Veja a seguir quatro questões para se ater quando o assunto for projeto paisagístico:
Estudar o meio natural
A flora nativa de cada localidade é resultado de milhares de anos de evolução do Planeta Terra, respondendo à topografia, clima, umidade, sazonalidade e tantos outros aspectos naturais. Os projetos de paisagismo, porém, resistem a estudar o meio natural e as espécies originais de cada bioma, caindo muitas vezes na facilidade da compra das espécies disponíveis no mercado, sem grande reflexão do impacto disso, resultando em projetos sem coesão com a paisagem natural local. Os jardins, muitas vezes desconectados da flora nativa, combinam plantas dos mais diferentes biomas, climas e regiões do planeta, mesmo que de maneira quase imperceptível, como no caso dos “jardins tropicais” que, a partir de seu adensamento e notável diversidade, acabam empregando espécies invasoras de outras regiões que têm características parecidas. A estética não deve se sobrepor às demandas e definições biológicas.
Buscar diversidade de espécies
Uma seleção de palmeiras, somadas a outras espécies coadjuvantes que têm características similares e mais alguns arbustos, dispostos sobre um plano de grama. Esses jardins repletos de plantas exóticas são configurações áridas, sem biodiversidade, e com quase nenhum papel ecológico. Segundo Ricardo Cardim, o mercado de paisagismo reproduz composições paisagísticas no mundo a partir da repetição de 15 espécies do mercado global de plantas ornamentais, o que resulta em bairros inteiros com uma paisagem contínua e monótona. Essa homogeneização da flora urbana cria regiões consideradas “desertos verdes”, nos quais espécies invasoras impactam o ambiente natural, trazendo prejuízos ambientais e também de identidade cultural.
Compreender praças e jardins secos
A praça seca moderna continua sendo reproduzida nas cidades tanto quanto é adaptada para as edificações, criando jardins de baixa densidade, uniformes, com superfícies inteiras de pedras e cascalhos, facilitando a manutenção e com quase nenhuma interferência na edificação. A problemática dessa prática está em saber ler o local e compreender se as necessidades e características naturais possibilitam a existência desse tipo de espaço, considerando não somente a paisagem, mas também seu uso. O mesmo acontece para o emprego de estratégias de xeriscaping, uma metodologia que pretende reduzir o consumo de água do jardim projetado. Tanto um quanto o outro partem de lugares áridos e com baixa insolação, o que justifica essas estratégias, enquanto que, em regiões tropicais onde tanto a média pluvial quanto a insolação são maiores, não é necessário aplicar as mesmas soluções, correndo o risco de ter um resultado que afasta e impeça as pessoas de permanecerem e desfrutarem do jardim.
Equilibrar as estratégias decorativas
O paisagismo contemporâneo se apoia muitas vezes em estratégias que buscam reproduzir impressões do imaginário do passado, como é o caso do uso de espécies com cores saturadas, ou ainda as técnicas de toparia, que é a poda de árvores e arbustos criando formas geométricas ou animais. Essas duas estratégias remetem aos jardins nobres europeus, especialmente os franceses, e estão ligadas à riqueza e poder. Da mesma forma, uma outra estratégia consiste em reproduzir jardins temáticos inspirados em outras culturas. Todas essas estratégias decorativas utilizam principalmente de espécies não nativas em sua configuração, além de descolar as pessoas do verdadeiro ambiente natural local.
O paisagismo, portanto, apresenta grande potencialidade se, durante o projeto, for reconhecida a geografia natural local. O estudo das espécies possíveis de serem implantadas, com prioridade às espécies naturais, o olhar crítico ao mercado de plantas ornamentais e, finalmente, o reconhecimento dos partidos possíveis são ações necessárias para projetarmos jardins feitos para se usar, não apenas para se ver.
Referência: CARDIM, Ricardo 2022. Paisagismo Sustentável para o Brasil: Integrando natureza e humanidade no século XXI.