O design ativo e a redução de velocidade vêm transformando os municípios que adotam essa estratégia de planejamento urbano em espaços mais seguros e qualificados para as pessoas caminharem, pedalarem, praticarem esportes ao ar livre e se divertirem.
Ao projetar uma infraestrutura que incentiva os moradores de todas as idades a terem uma rotina mais saudável, mudando a forma como se deslocam e aproveitam os ambientes públicos, as cidades ativas impactam positivamente na saúde física e mental da população, aumentam a atratividade desses lugares e sua vitalidade econômica e diminuem a poluição ambiental e sonora.
Amsterdam é um exemplo mundial de localidade pensada para a locomoção de bicicleta e a pé e para que seus residentes se tornem protagonistas na utilização de áreas coletivas. Compactar os bairros e conectá-los às regiões centrais, converter as vias em ruas compartilhadas por distintos modais e deixar o tráfego mais lento foram algumas das medidas implementadas pela capital holandesa para se consolidar como uma referência em mobilidade urbana.
As chamadas zonas de baixa velocidade, que acalmam o fluxo de veículos e vêm sendo instaladas em diversos países, incluindo o Brasil, são também uma importante ferramenta para reduzir os índices de mortes no trânsito — uma vez que a velocidade é um dos principais fatores de risco para acidentes — e para possibilitar que os cidadãos usem os locais abertos de suas comunidades para o lazer, os exercícios e para o descanso de maneira protegida.
Anualmente, cerca de 1,3 milhão de pessoas perdem a vida devido a acidentes de trânsito no planeta, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Diante desse cenário e com o objetivo de evitar, pelo menos, 50% das mortes e das lesões que ocorrem nas vias até 2030, a OMS lançou, em outubro de ano passado, o projeto “Década de Ação pela Segurança no Trânsito 2021-2030”.
E um dos métodos defendidos pela entidade é exatamente a disseminação das zonas de baixa velocidade nos municípios. O plano reforça ainda que iniciativas físicas de moderação do tráfego e velocidades-alvo de 30 quilômetros por hora ou menos trazem, comprovadamente, mais benefícios.
As zonas de baixa velocidade são áreas definidas, como uma zona escolar, um bairro ou distrito comercial, que buscam disponibilizar espaços com maior proteção para os indivíduos através de intervenções como a instalação de calçadas mais largas, sinalização horizontal e vertical das ruas, mobiliário urbano, vegetação e faixas mais estreitas para os veículos, como explica reportagem do The City Fix.
Para orientar as cidades no design e implementação dessas estruturas em suas comunidades, o instituto de pesquisa WRI e o Banco Mundial publicaram, em 2021, um guia com as diretrizes para planejar, projetar, colocar em prática e avaliar essas áreas em quatro contextos: vias de uso misto de alta densidade, ruas residenciais, zonas escolares e vias compartilhadas.
Características das ruas determinam ações para acalmar o tráfego
Diminuir a velocidade dos veículos em 1,6 quilômetro por hora representa 6% menos mortes no trânsito, revela artigo do WRI Brasil. As zonas de baixa velocidade, além da segurança, proporcionam localidades mais amigáveis, sustentáveis e propícias para a interação social. Isso porque esse instrumento de planejamento estimula as pessoas a deixarem seus carros mais vezes na garagem e a optarem por caminhar ou pedalar até o seu destino, reduzindo as emissões de carbono e permitindo conhecer melhor seus bairros e estabelecer novos vínculos com eles.
O design dessas regiões é influenciado pela maneira como elas são utilizadas e onde estão localizadas. A matéria do The City Fix detalha algumas orientações do Guia para Zonas de Baixa Velocidade do WRI e do Banco Mundial para a concepção dessas áreas, como nas vias de uso misto e de alta densidade, onde o tráfego é intenso e ocorrem muitas funções.
Nesse contexto, a recomendação do documento é contar com separações claras e adequadas entre os diferentes meios de transporte. Elementos visuais e físicos devem ser empregados para motivar os motoristas a andarem mais devagar, em uma velocidade de 20 ou 30 quilômetros por hora. Canteiros centrais para estreitar as faixas e mobiliário urbano podem ajudar a priorizar os pedestres e ciclistas e a desenvolver atividades sociais, econômicas e culturais.
Já nas ruas residenciais a sugestão é privilegiar ambientes para as famílias e crianças circularem e brincarem com segurança, com calçadas mais largas, vegetação e iluminação pública adequada. A velocidade aconselhada também é a de 20 ou 30 quilômetros por hora, assim como contar com uma sinalização eficiente e diminuir a largura das faixas para os carros, levando os condutores a dirigirem com mais cuidado. O guia ressalta ainda que as interseções devem ser apontadas de maneira fácil para identificar onde cada meio de locomoção e os cidadãos devem transitar.
Extensões de meio-fio, sinais de trânsito, cruzamentos com ótima visibilidade e elementos físicos e visuais bem posicionados são os mais indicados para as zonas escolares. Restrições de estacionamento perto dos cruzamentos e velocidade que não deve ultrapassar os 20 quilômetros por hora são outras observações feitas pelo documento do WRI e do Banco Mundial para deixar esses locais mais calmos para o deslocamento dos estudantes.
Por fim, as vias compartilhadas — aquelas que aliam pedestres, ciclistas e condutores no mesmo espaço — funcionam melhor em áreas comerciais com intenso tráfego de pessoas e devem ter as velocidades mais baixas de todas, não superior a 10 quilômetros por hora, para facilitar o acesso aos estabelecimentos.
Em geral, essas ruas não possuem meio-fio vertical, sinalização ou marcações que evidenciem a separação entre os modos de transporte. No lugar desses itens, contam com interseções elevadas e mudanças de textura no pavimento para marcar a transição para esse tipo de via.
Conforme o guia, utilizar mobiliário urbano, instalações públicas e iluminação agrega funcionalidade e vitalidade a esses ambientes. Levantamento feito na Holanda mostra que ruas compartilhadas bem desenhadas auxiliam na redução de acidentes em até 50%, afirma a reportagem do The City Fix.
Recife e Salvador apresentam resultados positivos com as zonas de redução de velocidade
Antes da pandemia do coronavírus avançar pelo mundo, em fevereiro de 2020, 140 países assinaram a Declaração de Estocolmo sobre Segurança Viária, entre eles o Brasil, comprometendo-se a diminuir os óbitos no trânsito pela metade até 2030, como recorda artigo da WRI Brasil.
Para isso, as nações concordaram em adotar uma série de ações, como a de implementar zonas de baixa velocidade em suas cidades. Recife (PE) e Salvador (BA) aderiram ao documento e já estão pondo em prática medidas no sentido de tornar o tráfego mais calmo em algumas de suas ruas, destaca matéria do Global Designing Cities Initiative (GDCI).
Também em 2020, as duas localidades passaram a fazer parte do programa Bloomberg Initiative for Global Road Safety (Iniciativa Bloomberg de Segurança Viária Global), que tem consultoria da Nacional Association of City Transportation Officials (Nacto) e do GDCI.
Na capital de Pernambuco, a prefeitura local já entregou vias redesenhadas para priorizar os pedestres e ciclistas e reduzir as velocidades. Em março do ano passado, a Rua Velha, na área central do município, foi reaberta com pintura colorida no chão para ampliar os espaços para as pessoas e levar os condutores, em especial os de motocicletas, a andarem mais devagar — no limite de 30 quilômetros por hora.
Além disso, foram feitas 12 novas faixas de pedestres e as calçadas foram expandidas em 125 metros quadrados ao longo do trecho abrangido pela mudança. Recife conta com outras ruas calmas, como as da Ilha do Leite e do Largo da Paz, que ganharam sinalização e foram humanizadas com marcações no asfalto.
Mais uma região que passou por transformações foi a da Rua da Palma, também no Centro da capital, que darão maior segurança para circulação dos mais de 1,7 mil cidadãos que passam no lugar todo o dia, de acordo com a prefeitura.
A via foi recapeada, teve seus passeios públicos ampliados em mais de 1 mil metros quadrados, a velocidade dos veículos reduzida para 30 quilômetros por hora e ganhou bancos, vegetação e bicicletário. Depois de um debate com os comerciantes locais, o número de vagas de estacionamento foi diminuído para aumentar a proteção e o espaço para os indivíduos.
Já no histórico e cultural bairro do Bonfim, em Salvador, a principal alteração introduzia foi na instalação de uma zona de baixa velocidade (de 30 quilômetros por hora) na área. As modificações na circulação possibilitaram a criação de uma praça, com nova pintura no pavimento, elementos físicos de segurança e colocação de bancos e equipamentos urbanos lúdicos para as crianças, como descreve a reportagem do Global Designing Cities Initiative.
Em torno de 400 metros quadrados foram acrescentados ao ambiente para serem usados pelos pedestres, além de sinalização e novas faixas para as pessoas atravessarem. O retorno positivo do projeto levou a capital baiana a implementar zonas de 30 quilômetros por hora em outros pontos da cidade.
A busca por soluções para diminuir as mortes no trânsito brasileiro e acalmar o tráfego nas ruas não é de agora. Em 2015, Curitiba (PR) baixou a velocidade limite para 40 quilômetros por hora em 140 quarteirões da região central da localidade, assinala artigo da WRI Brasil. Em um ano, os acidentes com vítimas caíram 24,7% e os sem vítimas reduziram 46,7%. Já em São Paulo (SP), o novo Manual de Desenho Urbano e Obras Viárias traz diretrizes para a implantação de zonas com velocidade de 30 quilômetros por hora em diversas áreas do município, como em São Miguel Paulista, Santana, Lapa e Sé.
Europa mobiliza-se para diminuir acidentes de trânsito e poluição do ar
Além de Amsterdam (Holanda), que já é reconhecida por suas medidas para favorecer outras maneiras de mobilidade e valorizar os pedestres, outras cidades europeias estão revendo o design de suas ruas para atingir as metas de redução de acidentes e mortes no tráfego e de emissão de gases de efeito estufa. As maiores localidades do continente estão modificando os limites de suas vias para 30 ou 20 quilômetros por hora, como salienta reportagem do Yahoo Finance.
Em agosto de 2021, Paris (França), por exemplo, estipulou em 30 quilômetros por hora o limite da velocidade em todo o município, com exceção de algumas ruas principais, como a Champs-Élysées e o anel viário ao redor da capital francesa.
A ação se soma a outra definida pela prefeita Anne Hidalgo que proibiu a circulação da maioria dos veículos no Centro da cidade. Bruxelas (Bélgica) também implementou baixas velocidades em ruas da capital no ano passado, assim como Bilbao (Espanha) — que foi uma das percursoras a adotar essa estratégia de planejamento urbano, em 2018.
Segundo a matéria, os limites menores de velocidade estão virando uma alternativa para as autoridades da Europa incentivarem as pessoas a usarem menos os seus automóveis para se dirigirem às regiões centrais e apostarem nos transportes público e ativo — caminhar ou pedalar. Estudo na França identificou uma diminuição de 9% no trânsito de veículos leves depois da redução para 30 ou 20 quilômetros por hora nas vias, afirma o Yahoo.
As zonas de baixa velocidade também estão se espalhando pelos Estados Unidos, com iniciativas em diversas localidades, muitas delas que começaram durante a pandemia e podem se tornar permanentes. Bosto, São Francisco e Los Angeles são alguns dos municípios que investiram no redesenho de muitas de suas áreas.
Via Caos Planejado.