Soluções baseadas na natureza (SBN) têm se difundido como abordagens eficientes para adaptar as cidades à crise do clima e mitigar os desastres cada vez mais frequentes. Projetos como jardins de chuva, parques lineares, restauração de encostas e agricultura urbana, ajudam a tornar as cidades mais resilientes diante de eventos climáticos extremos, enquanto geram benefícios adicionais para a sociedade, a economia e o meio ambiente.
No Brasil, deslizamentos de encostas, alagamentos e enchentes desafiam os centros urbanos e impactam de modo desproporcional as populações mais pobres e desassistidas. As soluções baseadas na natureza e a criação de políticas públicas para promovê-las têm avançado em algumas cidades. Para a maioria dos municípios, no entanto, as SBN ainda são um conceito novo.
Conhecer casos de sucesso na implementação de SBN pode ajudar mais municípios a iniciarem novos ciclos de adaptação baseada em ecossistemas saudáveis, com inclusão social e redução de vulnerabilidades. A seguir, confira exemplos de cidades brasileiras que têm enfrentado desafios com ajuda da natureza.
Região Sudeste
Belo Horizonte (MG)
Belo Horizonte conta com três jardins de chuva implementados – no Parque JK, na rua Prof. Ricardo Pinto e no Parque Municipal Fazenda Lagoa do Nado. Agora, a cidade planeja implementar outros 60 na Bacia do Córrego do Nado, região norte da capital mineira, a partir de projeto elaborado pela Secretaria Municipal de Política Urbana (SMPU), Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura (Smobi) e pela Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap).
O Plano Diretor de Belo Horizonte, de 2019, aponta 44 áreas com elevado risco de inundação na cidade, e a tendência de aumento de 32% em problemas associados a chuvas intensas em decorrência das mudanças climáticas. Melhorar a permeabilidade do solo urbano é um dos desafios da política, que prevê 930 km de conexões arborizadas entre áreas verdes, restauração dos cursos d’água, formação de parques lineares e priorização de pavimentos permeáveis, para contribuir para a drenagem urbana.
Campinas (SP)
Campinas tem políticas públicas para a resiliência e a biodiversidade que preveem a implementação de SBN, como o Plano Municipal do Verde e o Plano de Ação para Implementação da Área de Conectividade da RMC. Este último foi elaborado com outros 19 municípios de sua região metropolitana e prevê SBN como parques lineares, arborização urbana e corredores ecológicos conectando as áreas verdes remanescentes na região, para recuperação da paisagem, de forma integrada e em nível regional.
O WRI Brasil apoiou o aprimoramento dos mapas desses corredores. Os mapas identificam as melhores oportunidades de restauração para a reconexão dos remanescentes florestais, de modo a reverter a fragmentação da Mata Atlântica, protegendo e recuperando a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos. Em 2022, a cidade deve concluir a revisão de seus planos ambientais e uma estratégia para implementação de soluções baseadas na natureza, que também contaram com o apoio do WRI Brasil.
Contagem (MG)
Em março de 2022, Contagem inaugurou seu primeiro jardim de chuva, instalado na Praça Presidente Tancredo Neves.
Niterói (RJ)
O projeto Parque Orla Piratininga Alfredo Sirkis consiste em um parque linear na margem da Lagoa de Piratininga. O propósito do parque é criar, através de soluções baseadas na natureza, um ambiente que priorize e aproxime o usuário do meio natural, ainda que num contexto urbano. Com 680 mil metros quadrados de área, o parque foi planejado de modo a proteger e recuperar os ecossistemas da Lagoa de Piratininga e o seu entorno, recuperar a qualidade ambiental de suas águas e oferecer equipamentos de lazer, recreação, contemplação, cultura e educação ambiental. Entre as SBN previstas, estão 35.290 m² de jardins filtrantes. A área também contará com píeres de contemplação e de pesca, ciclovia integrada ao sistema cicloviário, um ecomuseu, entre outras infraestruturas.
São Paulo (SP)
São Paulo tem implementado jardins de chuva em diversas regiões da cidade para melhorar o sistema de drenagem urbana. No início de 2021, a cidade lançou o Manual de Desenho Urbano e Obras Viárias, elaborado com apoio do WRI Brasil. Além de uma perspectiva sistêmica, sustentável e segura para o desenho das vias, o manual incorporou também orientações para a implementação de soluções baseadas na natureza como parques lineares e jardins de chuva.
Região Nordeste
Fortaleza (CE)
O Parque Linear Rachel de Queiroz é um parque composto por 19 trechos, e passou por uma requalificação no âmbito do Programa Fortaleza Cidade Sustentável. O parque na capital do Ceará tem 134 hectares de área e interliga diversos recursos hídricos, como os açudes João Lopes e Santo Anastácio, e a Lagoa do Alagadiço. Além de funcionar como instrumento para fortalecer a Rede de Sistemas Naturais de Fortaleza, por ser um extenso parque linear, conta com uma série de soluções baseadas na natureza para manejo do ecossistema e dos recursos hídricos. As SBN formam um dos eixos do Plano Municipal de Ação Climática de Fortaleza.
Recife (PE)
Recife está implementando um jardim filtrante de 7 mil m² no Riacho do Cavouco, um dos mais importantes da zona oeste da capital pernambucana. O projeto-piloto irá contribuir diretamente no processo de despoluição local, realizando a filtragem das águas no trecho em que o riacho corta o Parque do Caiara e deságua no Rio Capibaribe. A iniciativa é um piloto do projeto CITinova, do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, financiado pelo Fundo Global para o Meio Ambiente, e é implementado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, em parceria com a Agência Recife para Inovação e Estratégia (ARIES), Porto Digital e Prefeitura do Recife.
Salvador (BA)
Salvador desenvolveu a estratégia Salvador Resiliente. Parte da estratégia, o Plano de Mitigação e Adaptação às Mudanças do Climáticas (PMAMC) foi lançado em 2020. Prevê a implantação de telhados verdes, SBN para drenagem, ampliação do espaço destinado a hortas e pomares urbanos, entre outras SBN, com ênfase em abordagens participativas e foco em populações vulnerabilizadas e de baixa renda.
Um projeto notável da cidade é a qualificação do Parque Pedra do Xangô, em Salvador – um exemplo de SBN que tem, em seu cerne, os benefícios da natureza para a espiritualidade. Em 2005, a pedra foi completamente desnudada e por pouco não foi implodida para dar lugar à construção da Avenida Assis Valente. Cerca de 90% dos materiais usados no parque são naturais e sustentáveis. A restauração da área empregou materiais sustentáveis, como tijolo de barro, pedra natural e madeira. Para as paredes, utilizou-se a técnica milenar de taipa de pilão, que usa apenas o barro.
Sobral (CE)
O Parque Pajeú, em Sobral, no Ceará, é um exemplo concreto de planejamento integrado gerando soluções com benefícios múltiplos. A área de 51 mil m² foi requalificada para atender demandas ambientais, de lazer, educação, esporte, mobilidade e saúde. Houve plantio de novas árvores que melhoram o microclima e a drenagem, e a construção de academias, playgrounds e campo de futebol. Um jardim filtrante, que trata esgoto de forma natural e sustentável, também foi integrado ao paisagismo. A qualificação do Pajeú é um dos cartões de visita do Programa de Desenvolvimento Socioambiental de Sobral (Prodesol), criado em 2018 para melhorar a qualidade dos serviços públicos e o desenvolvimento socioambiental do município integrando investimentos em infraestrutura de saneamento ambiental à ampliação de equipamentos sociais e a requalificação de espaços públicos.
Região Centro-Oeste
Anápolis (GO)
Anápolis iniciou, em 2017, um programa para lidar com os desafios concorrentes da falta de água durante a estiagem e de enchentes no período de chuvas. O Pró-Água já recuperou 123 nascentes, plantou mais de 250 mil mudas de árvores nativas do Cerrado, instalou viveiros, jardins sazonais, pomar, cacimbas para canalizar a água da chuva para o lençol freático, além de jardins de chuva em pontos críticos de alagamento na cidade. Uma compostagem municipal converte em matéria fértil 25 toneladas de resíduos orgânicos e 5 toneladas de galhos de podas diariamente, gerando economia de R$ 20 mil reais por mês para os cofres públicos. Os eixos de atuação articulam agendas como conservação de recursos hídricos e da biodiversidade, educação ambiental para redução do risco de queimadas e segurança alimentar.
Goiânia (GO)
Goiânia começou a implantar jardins de chuva em 2019, em rotatórias próximas a locais críticos de alagamento. A experiência deu tão certo que a cidade fez dos jardins de chuva uma política pública. Um projeto de lei aprovado em 2020 “institui o jardim de chuva nas rotatórias, calçadas e canteiros centrais na cidade de Goiânia, melhorando o escoamento e absorção de águas pluviais”, e obriga a implementação da solução baseada na natureza em alguns casos, como em novos empreendimentos que impermeabilizem áreas superiores a 500 m² e em calçadas de edifícios públicos. Além da drenagem, os jardins aumentam a beleza paisagística e podem ser integrados em intervenções para redução de velocidade veicular nas vias.
Região Sul
Curitiba (PR)
Em 2020, a capital paranaense inovou ao lançar sua primeira Fazenda Urbana, com 4 mil m2 dedicados integralmente ao cultivo de alimentos orgânicos. Uma nova unidade, com 11 mil m2, foi anunciada em 2022. A prefeitura de Curitiba dispõe de uma série de políticas para a agricultura urbana, incluindo programas de incentivo a hortas em comunidades, escolas e instituições. A cidade oferece apoio técnico, que avalia a viabilidade de implantação e realiza treinamentos teóricos e práticos sobre cultivo e manutenção de hortas, por um período estabelecido tecnicamente.
Florianópolis (SC)
Florianópolis tem mais de 100 hortas orgânicas, segundo levantamento da prefeitura. Por meio do Programa Municipal de Agricultura Urbana de Florianópolis, o Cultiva Floripa, técnicos municipais dão orientações sobre preparo do solo, adubação, plantio e colheita. O Cultiva Floripa foi criado em 2017 para fortalecer a agricultura sustentável na capital catarinense. O programa prevê a implementação de hortas urbanas em áreas verdes de lazer e em prédios públicos, além de criar espaços de produção de mudas e compostagem, promover a produção de orgânicos e a recuperação de áreas degradadas de mata. Essas ações integradas contribuem para a melhoria das condições nutricionais, de saúde, lazer e saneamento. Valorizam a cultura, a interação comunitária, a educação ambiental e o cuidado com o meio ambiente. Também geram emprego e renda, promovem o turismo de base comunitária, a melhoria urbanística da cidade e a sustentabilidade.
Soluções urgentes, momento oportuno
Pela combinação de benefícios e serviços ecossistêmicos que prestam à cidade e às suas populações, as SBN são um caminho eficiente para reduzir as lacunas no acesso a infraestrutura e serviços urbanos, ao mesmo tempo em que promovem adaptação e resiliência climática, mitigam desastres e reduzem vulnerabilidades. Cidades que despertaram para a oportunidade das soluções baseadas na natureza podem se espelhar nos exemplos acima.
Via WRI Brasil.