A arquitetura hostil pode estar com os dias contados no Brasil. Foi aprovado pela Câmara de Deputados um projeto de lei que proíbe o Poder Público de utilizar qualquer material, equipamento ou técnica construtiva que afaste ou dificulte o acesso das pessoas ao espaço público. O PL 488/21, batizado de Lei Padre Júlio Lancelotti, segue para a sanção do atual presidente Jair Bolsonaro (PL).
"Bancos com divisórias e formatos desconfortáveis, pedras pontiagudas embaixo de viadutos, grades no entorno de praças e jardins, muros com pinos metálicos, construções sem marquises ou com gotejamento de água programado, cercas elétricas e arame farpado. Os elementos e materiais utilizados para afastar pessoas dos espaços públicos são muitos e acabam influenciando a maneira como os indivíduos vivenciam os municípios e convivem entre si. A arquitetura hostil, termo que abrange todas as barreiras e desenhos urbanos que parecem dizer “não se sinta em casa” — como define a repórter Winnie Hu, do The New York Times —, é parte da realidade da maioria das cidades pelo mundo e vem despertando debates sobre o impacto dessas ações, principalmente através das redes sociais." [Veja mais em: "Arquitetura hostil: quando as cidades não são para todos".]
O projeto que visa acabar com essa política espacial já foi aprovado pelo Senado e pela Câmara. O nome de "Lei Padre Júlio Lancelotti" surge devido ao combate às desigualdades sociais e espaciais realizadas pelo padre. Conhecido principalmente pela forte atuação em políticas que ajudam pessoas em situação de rua. Em entrevista ao ArchDaily, Lancelotti nos lembra que:
"Nossos projetos arquitetônicos têm muitas intervenções de hostilidade e pouquíssimas de hospitalidade".
O texto da lei vai à sanção do presidente Jair Bolsonaro (PL), se aprovada, a proposta alteraria o Estatuto da Cidade para proibir o emprego dos materiais e técnicas ditos anteriormente, que servem para afastar principalmente as pessoas em situação de rua, idosos, jovens e outros segmentos da população, e que agridem o espaço público. A proibição serviria tanto para ações realizadas pelo pelo poder público como por associações de moradores.
Segundo o G1, o relator da matéria na Comissão de Desenvolvimento Urbano, o deputado Joseildo Ramos (PT-BA) sugeriu trocar o termo "arquitetura hostil" por "técnicas construtivas hostis". Segundo ele, "a palavra arquitetura deve preservar o seu sentido de arte e técnica de criação de ambientes para proporcionar bem-estar e qualidade de vida ao ser humano".
Além disso, o texto da lei ressalta a promoção de conforto, abrigo, acessibilidade e bem-estar em espaços livres de uso público como diretriz geral da política urbana, tornando a experiência em espaços livres e públicos mais agradáveis.
Assim, vale lembrar a fala do arquiteto e professor Fernando Fuão, no seu texto As formas do acolhimento na arquitetura, que afirma como a hospitalidade, em termos arquitetônicos significa “abrir o lugar, dar passagem, dar vez ao outro, acolher a diferença”, se aproximando da visão do Padre Júlio Lancelotti, que ressalta o compromisso da arquitetura perante a construção de ambientes hospitaleiros que refletem a dignidade e os diretos humanos, assegurando que só uma mudança estrutural é capaz de libertar os projetos urbanos e arquitetônicos da epistemologia neoliberal a qual são reduzidos hoje em dia.