As novas tecnologias vindas do mundo digital promoveram uma série de mudanças na arquitetura e urbanismo. Novos materiais, novas técnicas construtivas, novas formas de fabricação e construção mudaram a forma como projetamos e como pensamos a construção. Mas, para além disso, as novas tecnologias também parecem revelar outras possibilidades de interação entre a sociedade e a arquitetura, transformando a compreensão do que é arquitetura e de qual sua finalidade.
A dupla de artistas alemães Lonneke Gordijn e Ralph Nauta, do Studio Drift, recentemente apresentou uma intervenção em edifícios históricos europeus utilizando drones com luzes para finalizar construções inacabadas ou que foram destruídas. A ideia era relacionar as novas tecnologias às antigas técnicas construtivas desses edifícios. O resultado são imagens que usam a arquitetura para marcar o novo e o antigo, mostrando tanto o que já foi como o que poderá ser no futuro, o qual, a partir dos debates mais recentes, parece apontar para as tecnologias digitais.
A realidade virtual e a realidade aumentada são duas ferramentas que passaram a fazer parte do cotidiano de escritórios de arquitetura e urbanismo. A partir de softwares especializados, é possível passear por dentro de projetos inacabados e não construídos, dando aos clientes experiências vivas do resultado daquilo que está sendo proposto, e aos arquitetos um contato mais assertivo a respeito das propostas de projeto. A evolução disso, o metaverso, também surge trazendo opções de enfrentamento à arquitetura construída, abrindo possibilidades de se projetar e construir cidades inteiras no mundo virtual.
O metaverso é a forma como chama-se popularmente um possível mundo virtual, que busca tanto replicar o mundo existente quanto encontrar também outras formas de se viver e interagir. Utilizando ferramentas como a internet e a realidade aumentada, o metaverso, dentro do contexto da arquitetura, coloca em xeque a existência do construído ao neutralizar limitações próprias da matéria, como recursos naturais e financeiros e até as leis da física. Projetar dentro do metaverso significa poder explorar novas formas e espaços de maneira quase ilimitada, transformando a arquitetura em uma experiência virtual, e não mais construída.
Ao mesmo tempo, a arquitetura evoluiu a partir da necessidade de abrigar comunidades das intempéries do tempo e de predadores, manipulando os materiais disponíveis na natureza. A arquitetura ao longo dos anos se dedicou a entender os materiais e combiná-los tecnicamente para poder construir, de modo que os espaços que temos hoje são resultado não somente das demandas sociais e culturais, mas também de técnicas construtivas que foram evoluindo com o passar do tempo. A arquitetura que vemos construída é justamente resultado daquilo que o mundo virtual considera limitações e essa construção carrega consigo as evidências físicas da história.
Ao longo da história a produção arquitetônica passou por uma série de transformações que refletem no meio construído. No princípio o canteiro de obras era uma prática coletiva e de formação, porém foi sendo modificado, tanto tecnicamente quanto socialmente, para que se tornasse um ambiente mais veloz, eficiente e controlado. Assim como a industrialização foi fundamental para essa mudança de produção, o que resultou também em uma mudança formal e estética da arquitetura, os instrumentos digitais também podem interferir no meio construído, ou ainda impor novos questionamentos para a arquitetura.
Ao desmaterializar a arquitetura, deixamos de olhar para elementos fundamentais da nossa compreensão enquanto sociedade: a forma como produzimos o espaço e o meio construído revela tanto as relações sociais existentes no contexto, bem como os materiais e técnicas disponíveis durante aquele período. Ao compreendermos a arquitetura enquanto um objeto mais amplo, um processo produtivo inteiro que vai além do espaço resultante e experimentado socialmente, é possível refletir como os instrumentos virtuais precisam ser mais uma ferramenta do que um meio, somando na reflexão e evolução do meio construído e habitado.