O cloreto de sódio, mais conhecido como sal, está em toda parte. Abundante na natureza, seu uso é feito há muito tempo, preservando ecossistemas locais, degelando estradas, sendo vital em uma variedade de processos industriais e temperando nossas comidas. Hoje, lhe é atribuído relativamente pouco valor - considerando que costumava ser tão caro quanto ouro - e, diferentemente de outras alternativas derivadas da natureza, como algas ou micélio, não parece haver pesquisas e interesse suficiente em torno de toda a sua física, propriedades mecânicas ou estéticas. No entanto, trata-se de um material com potencial infinito e extraordinário. Além de suas qualidades de apoio à vida, o sal é acessível, facilmente disponível, antibacteriano, resistente ao fogo, pode armazenar umidade e calor e é ótimo em refletir e difundir luz.
Sabe-se que um dos principais desafios para melhorar a eficiência dos recursos na indústria da construção é identificar materiais que podem substituir os recursos naturais raros. O sal, com todas as suas características, poderia se tornar uma opção viável, um material do futuro? Assim como há potencial, existem dificuldades associadas ao sal que limitaram seu uso como material de construção: ele é naturalmente propenso a absorção de umidade, suscetível à erosão pelo vento e pela água e pode causar corrosão aos componentes metálicos usados em construção. Isso implica que uma longa lista de critérios deve ser atendida, mas também oferece a oportunidade de explorar certas aplicações em que o sal pode ser benéfico, apesar dos desafios.
O sal é essencialmente um composto químico formado por íons de sódio e cloreto que, quando dissolvidos em água, separam e ficam cercados por moléculas de água. Se a água evapora, os íons se aproximam e formam uma estrutura de treliça que resulta na formação de cristais de sal. Os cristais podem se formar de várias maneiras, desde a evaporação da água do mar até a mineração subterrânea e as reações químicas. À medida que a população mundial cresce e os padrões de vida melhoram, a quantidade de sal produzida como resíduos através da dessalinização da água do mar e mineração de potássio aumentou dramaticamente, o que significa que o recurso está mais abundante do que nunca.
Para surpresa de muitos, pesquisadores e designers exploraram o sal como material de construção por séculos em algumas partes do mundo, de forma crua, compósita ou processada. Alguns exemplos interessantes incluem um hotel construído a partir de milhões de blocos de sal, um restaurante feito com sal explorado localmente e um pavilhão não construído no qual os quadros metálicos foram projetados para incentivar o crescimento do sal. Novos usos também surgiram na última década, desde o sal processado usado em painéis de parede flexíveis e nos protótipos de fachada, até objetos impressos em 3D feitos a partir de misturas de sal e amido.
Painéis de sal cristalizados que podem ser cultivados
Há um laboratório de design e pesquisa que deu um passo adiante: "Usando processos de cristalização de sal para desenvolver aplicações inovadoras e fortalecer a histórica indústria de sal local". Sediada no vasto campus de Luma Arles, no sul da França, o Atelier Luma propõe uma nova maneira criativa de trabalhar com a cristalização de sal, revelando o potencial de um processo natural e circular no campo de arquitetura e design. Conversamos com a gerente de projetos Henna Burney para obter mais informações sobre a iniciativa e como ela pretende posicionar o sal como um material de alto valor.
A água salgada do delta do rio Rhône, na região da Camarga, no sul da França, tem sido historicamente usada para produzir sal. Desde 2017, a usina de cristalização do Atelier Luma se concentrou na criação de usos para o sal produzido pelos fabricantes de sal da região, desenvolvendo materiais que apresentam esse recurso local e mostram seus atributos físicos e estéticos. Usando quadros personalizados, a equipe produziu a primeira série de painéis de sal cristalizados cultivados localmente usando um sistema semelhante a uma fazenda, aproveitando a cristalização natural que ocorre nos campos de sal.
Os designers Henna Burney e Karlijn Sibbel desenvolveram uma maneira de cultivar os cristais de sal "em uma malha de metal colocada debaixo das águas nas salinas". Pesquisas aprofundadas eram necessárias antecipadamente para determinar de que forma condições externas como vento, chuva, temperatura, fluxo de água e umidade afetariam o processo de cristalização.
Trata-se de um material natural; de fato, não inventamos nada. Analisamos o processo de cristalização e que tipo de cristalização queríamos, mas o know-how pertence aos trabalhadores de sal. - Atelier Luma em ‘Wall of Salt’
Transformando sal em um material de escala arquitetônica
Para os painéis de sal, era necessário estruturar, delimitar e restringir a cristalização em uma geometria gerenciável; Nesse caso, um quadrado perfeito. Transformando um material naturalmente abundante em uma escala arquitetônica, os profissionais conseguiram encontrar uma configuração para produzir mais de 4000 painéis exclusivos que foram usados como um sistema de revestimento em forma de vidro para a torre de Frank Gehry para Luma Arles. Cobrindo uma superfície de 560 metros quadrados, o projeto "Wall of Salt" representa a primeira aplicação em larga escala de sal como material de revestimento.
Como Henna explica, o sal foi escolhido para o projeto "porque é um material naturalmente não inflamável. Esse era um dos requisitos para poder aplicar um material natural nessa área.” E como a cristalização envolve um processo neutro em carbono, os painéis também são altamente ecológicos: "a produção da energia solar (cristalização) não tem impacto negativo no meio ambiente". O projeto estrutural permite que cada painel individual seja removido e substituído quando necessário; Se danificado, eles podem ser recristalizados e restaurados novamente, colocando-os de volta na água da usinas de cristalização. Dessa forma, com uma extensa pesquisa e seguindo restrições específicas, os painéis de sal provaram ser uma solução inovadora capaz de reduzir cargas de calor, resistir ao fogo, adicionando um toque estético exclusivo e contribuindo para a sustentabilidade.
O que criamos é um método cultivável específico que nos permite criar painéis que possam ser usados em edifícios, que têm qualidades reais no ambiente arquitetônico, pois são resistentes ao fogo e permitem uma redução na carga de calor de um edifício. - Atelier Luma em ‘Wall of Salt’
Como Henna explica, uma das principais motivações por trás da usina de cristalização é “provar que é possível pensar no sal de maneira diferente, usando-o como material para aplicações de arquitetura e design. Mas é claro, como o sal é um material que faz parte da região, e a paisagem que o rodeia hospeda uma biodiversidade que realmente depende disso, queríamos propor uma solução para preservar essa paisagem e conhecimento através da produção de painéis salinos, usando-o para aplicações mais valiosas.” Olhando para o futuro, o Atelier Luma continua trabalhando em aplicações que podem aproveitar as propriedades naturais do sal.
Embora existam muitos desafios a superar para imaginar um futuro em que recursos naturais como o sal substituam os materiais tradicionais, uma coisa é certa: "O futuro será construído com materiais novos e antigos". De mãos dadas à pesquisa, novas tecnologias e inovação, o sal tem o potencial de ser um desses novos materiais. Afinal, para melhorar verdadeiramente a sustentabilidade e a eficiência dos recursos nos próximos anos, é vital se inspirar na natureza, apoiar a produção local e, o mais importante, pensar fora da caixa e ser criativo.