Nesta entrevista com Paul Tange, presidente e diretor da Tange Associates em Tóquio, discutimos a relação com seu famoso pai Kenzo Tange (1913-2005; o arquiteto mais influente no Japão pós-guerra e vencedor do Prêmio Pritzker 1987), o destino da casa Tange Sênior construída para sua primeira família e a decisão de ingressar no escritório de seu pai logo após se formar em Harvard. Paul fala também de seu primeiro trabalho construído independentemente: a Mode Gakuen Cocoon Tower, em Tóquio, um campus vertical de 50 pavimentos capaz de acomodar dez mil estudantes.
Paul Tange nasceu em Tóquio em 1958. Ele se formou em Harvard em 1981, fazendo cursos de artes liberais em diferentes departamentos, incluindo arte, história, ciência, economia e aulas adicionais no MIT. Ele, então, se concentrou na arquitetura, obtendo seu mestrado na GSD em 1985, e ingressou no escritório de seu pai logo após a formatura. Ele dirige a empresa desde 1997. Além de sua Mode Gakuen Cocoon Tower (2008), Tange Junior é conhecido por projetos como One Raffles Place Tower 2 em Cingapura (2012), ao lado de One Raffles Place Tower 1 projetado por Tange Sênior (1986), a torre de escritórios Henderson 688 Plaza em Xangai (2015) e a renovação do Ginásio Nacional Yoyogi para as Olimpíadas de Tóquio em 2020, edifício originalmente projetado por Kenzo Tange para as Olimpíadas de Tóquio em 1964.
Antes de apresentar a entrevista com Paul Tange, será oportuno mencionar algumas das melhores obras de seu pai. Elas incluem a elegante casa do arquiteto (1953, já demolida), a Catedral de Santa Maria em forma de cruz em Tóquio (1964), o Memorial e Museu da Paz de Hiroshima (1955), a megaestrutura brutalista do Centro de Imprensa e Difusão Yamanashi (1966), a estrutura metabolista do Centro de Imprensa e Difusão Shizuoka em Tóquio (1967), as torres gêmeas do Escritório do Governo Metropolitano de Tóquio ou Prefeitura (1991) e as duas formas imponentes, desiguais e retorcidas do United Overseas Bank Plaza em Cingapura (1995 ).
Vladimir Belogolovsky: Como você vê a sua empresa, que é tão enraizada no trabalho do seu pai?
Paul Tange: Nossa empresa foi fundada por meu pai em 1946, e entrei para ela em 1985, logo após me formar em Harvard. Trabalhei com ele durante vinte anos. Meu pai projetou vários edifícios icônicos importantes no Japão desde o final da década de 1940. A partir de meados dos anos 60 ele começou a ir ao exterior com mais frequência, principalmente depois do terremoto de Escópia em 1963, na Macedônia, parte da ex-Iugoslávia, cidade para a qual trabalhou no plano de reconstrução de 1965. A partir daí, mais projetos no exterior se seguiram, inclusive no Oriente Médio, África, Europa e toda a Ásia. Até hoje, cerca de três quartos de nossos projetos estão fora do Japão. Nosso foco hoje é a Ásia. Neste momento, estamos trabalhando em dez países. Temos 80 pessoas no total – 50 aqui em Tóquio e o restante nas filiais de Cingapura, Taipei, Xangai e Jacarta. Por muito tempo mantivemos um escritório em Paris, mas ele foi fechado nos anos 90. Não queríamos estar em todos os lugares. Meu pai acreditava que nossa prática nunca deveria crescer além de 100 pessoas, caso contrário, correríamos o risco de perder o controle da qualidade do projeto. Quando ele liderava a empresa, cada desenho tinha que passar por ele. Eu também me envolvo em todas as questões importantes de cada projeto. Claro, existem muitos arquitetos, mas as principais decisões são tomadas por um líder.
VB: Como filho de Kenzo Tange, você acha que não teve escolha a não ser se tornar um arquiteto?
PT: Bem, eu tive escolha. Meu pai nunca me incentivou a ser arquiteto. Mas você está certo; nossa família não era típica e, por exemplo, para nós, fazer viagens em família significava visitar canteiros de obras em lugares como Arábia Saudita, Cingapura, Itália ou Estados Unidos. Quando eu tinha 14 anos, meus pais me mandaram para um internato na Suíça porque a economia japonesa naquele momento desacelerou e meus pais estavam cada vez mais na estrada, então, poderíamos nos ver com mais frequência se eu estudasse na Europa do que no Japão. É verdade que tudo que minha família fez sempre foi relacionado à arquitetura, dessa forma, sempre tive contato com ela. Embora meu pai nunca tenha me incentivado a entrar no negócio, eu realmente não sabia muito sobre outras profissões, então, aconteceu naturalmente.
VB: Presumo que você tenha crescido na famosa casa que seu pai projetou e construiu em 1953. Você poderia falar sobre sua experiência de morar lá?
PT: Sabe que eu nunca morei naquela casa. Eu cresci em um condomínio. Essa casa a qual você se refere foi construída por meu pai com sua primeira esposa. A casa acabou sendo rejeitada.
VB: O que aconteceu?
PT: Ele não queria ficar com aquela casa. Existe agora outro prédio no lugar dela.
VB: Não era uma estrutura importante para ele? Ela é citada em muitos livros sobre casas japonesas.
PT: Acho que ele a demoliu por um motivo… Ele dizia: “Não é bom para um arquiteto projetar sua própria casa”. Ele brincava que todos os familiares poderiam reclamar, mas ele, o arquiteto, não poderia fazer isso.
VB: Você seguiu o conselho dele?
PT: De certa forma… projetei a segunda casa da nossa família, mas bem longe, na Austrália. Muitos anos atrás, meu pai comprou um terreno lá sem muito planejamento. Então, ele percebeu que não poderia simplesmente mantê-lo subdesenvolvido e teve de construir algo dentro de um ano. Nisso, ele veio até mim e me pediu para projetar uma casa. Ele me deu um orçamento e eu projetei aquela casa. Então sim, desenhei minha própria casa, embora nunca tenha morado lá. E aqui em Tóquio, segui o conselho do meu pai e não desenhei uma casa para a minha família porque não queria que todos reclamassem e eu não pudesse reclamar também. Eu projetei casas para meus bons amigos, mas muito poucos. Uma casa é um projeto muito pessoal; Sinto que devo entender bem a pessoa para isso.
VB: Em que momento você decidiu estudar arquitetura?
PT: Lembro-me de estar viajando com meu pai em um dia quente de verão em Bolonha, Itália. Tudo estava fechado e comemos muito mal na estação central de trem. Contei a ele sobre minha decisão naquela refeição. Houve um longo silêncio e então ele disse: “Tudo bem, a vida é sua. Faça o que você realmente quer fazer.” Quando me lembro, costumo pensar que enquanto estávamos sentados em silêncio, ele estava muito feliz por mim. Acho que qualquer pai ficaria feliz em saber que seu filho quer seguir seus passos. Tenho certeza que ele também estava pensando em como é difícil ser arquiteto, um bom arquiteto, pelo menos. Ele estava feliz e preocupado.
VB: Quando você estava em Harvard, seu pai estava no auge da fama e certamente você analisou suas obras como estudante. Ainda assim, por que você começou a trabalhar para ele logo após a formatura? Você não gostaria de ter aprendido diferentes abordagens trabalhando para outros arquitetos antes de ingressar no escritório dele?
PT: Eu não tive escolha.
VB: A decisão foi dele.
PT: Sim. Apresentei minha tese no dia do meu aniversário, 31 de janeiro. Meu pai me ligou naquele dia, o que era raro, pois normalmente era minha mãe quem ligava, e ela passava o telefone para meu pai depois de algumas palavras dizendo: "Aqui. É seu filho". Mas naquele dia, foi ele quem ligou. Eu pensei - oh, ele se lembrou do meu aniversário ou quer saber como eu foi a minha apresentação. Fiquei muito feliz, mas não foi nada disso. Ele começou: "Eu reservei sua passagem. Você pega o avião amanhã para voltar a Tóquio. Terei duas horas para explicar meu projeto para você. Há uma apresentação importante no Japão, mas preciso ir a Paris. Não se preocupe, meu vice vai apresentá-lo e você apenas fica sentado. Precisamos de Tange na sala". Foi assim que comecei a trabalhar para o meu pai.
VB: Como foi trabalhar para ele? Como você descreveria a influência de seu pai sobre você profissionalmente?
PT: Comecei simplesmente fazendo parte da equipe. Não acho que ele me tratou de maneira diferente de qualquer um dos outros arquitetos de sua empresa. Não houve tratamento preferencial. Como jovem arquiteto, aprendi como todo mundo. Os arquitetos mais jovens aprenderam observando ele e os arquitetos mais velhos. Além disso, viajei muito com ele e pude ouvi-lo e observá-lo de perto durante críticas de projeto, apresentações para clientes e em muitas situações e cenários. Aprendi e cresci como arquiteto e acabei assumindo nosso escritório. Tornei-me diretor e assumi as funções de líder, começando primeiro por projetos fora do Japão. O que sei sobre arquitetura, aprendi principalmente com a experiência de trabalhar com meu pai.
VB: Você poderia falar sobre o seu processo de projeto?
PT: Normalmente, damos a cada membro da equipe alguns dias para apresentar ideias de projeto, depois as discutimos e as reduzimos pelo processo de eliminação. Nem sempre a ideia original vem do arquiteto principal. Desde o início do processo de projeto, trabalhamos em equipe. E, por exemplo, por causa disso, sempre saímos de férias no mesmo período. Fechamos o escritório duas vezes por ano – por algumas semanas no verão e no final do ano. Dessa forma, sempre temos equipes completas e as mesmas pessoas trabalham juntas em seus projetos sem interrupções. A arquitetura não pode ser criada por apenas uma pessoa. A nova Prefeitura de Tóquio foi um concurso muito importante no final dos anos 1980. Provavelmente fizemos mais de cem esboços para ele. Meu pai era um ouvinte muito bom e era ótimo em capturar uma ideia, mesmo se fosse muito difícil, ele podia ver o potencial imediatamente. Claro, a decisão final de projeto sempre foi dele, assim como agora é minha. Mas às vezes eu deixo o cargo de gerente e passo a liderança para o arquiteto do projeto. Na época do meu pai, todo projeto que saía desse escritório era um projeto “Kenzo Tange”.
VB: A nova prefeitura substituiu o antigo Escritório do Governo Metropolitano de Tóquio feito por seu pai. Alguns arquitetos locais achavam que era importante preservar o prédio de 1957, que foi demolido apenas 30 anos depois. O que ele achou disso?
PT: Ele era absolutamente insensível até mesmo em relação ao seu próprio trabalho, como no caso de sua própria casa. Então, se seu prédio havia se tornado obsoleto, ele era o primeiro a dizer: “Vamos derrubá-lo e seguir em frente”.
VB: Você poderia falar sobre a sua torre Mode Gakuen Cocoon de 50 andares em Tóquio?
PT: Este projeto começou em 2006. Foi um projeto muito importante para mim pessoalmente porque foi meu primeiro grande trabalho desde a morte de meu pai apenas um ano antes. Era um concurso internacional aberto, do qual participaram mais de 50 arquitetos, e todos se perguntavam como ia ficar o escritório de Tange agora sem Kenzo. Portanto, vencer esta competição com um edifício tão icônico foi um marco importante para mim. A Cocoon Tower recebeu muitos prêmios, incluindo o arranha-céu do ano de 2008 pelo Emporis Skyscraper Award. O conceito principal era abrigar três faculdades – um instituto de moda, ciência da computação e escola de medicina – em um terreno muito pequeno. Por isso, uma torre era a única solução possível. A metáfora do casulo foi adaptada desde cedo e é assim que batizamos o prédio ainda durante a fase de competição porque, de certa forma, os alunos estão em um casulo e precisam ser nutridos para a vida. Uma vez educados, eles se tornam “borboletas” e voam para enfrentar o mundo real. Acho que os edifícios precisam representar as atividades que estão ocorrendo dentro deles. Também foi importante neste caso criar um edifício icônico. Foi exigido pelo cliente e apropriado para o programa. A forma elíptica do edifício é como um casulo; fornece mais espaço aberto no nível do solo e é mais atraente em direção ao céu.
VB: Quero terminar esta conversa lendo uma citação do discurso de aceitação do Prêmio Pritzker de seu pai em 1987. Ele disse: "Não desejo repetir o que fiz. Acho que todo projeto é um trampolim para o próximo, sempre avançando do passado para o futuro em constante mudança."
PT: Espero que estejamos seguindo sua crença e acho que estamos. Temos muita sorte de ter uma formação tão sólida e poder continuar explorando novas interpretações para uma nova arquitetura. A arquitetura é sempre sobre seu próprio tempo e sobre o futuro.