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Embora pouco conhecido, o Centro Técnico de Aeronáutica (CTA, atual Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial) em São José dos Campos, pode ser considerado uma das maiores e mais relevantes obras do arquiteto Oscar Niemeyer anteriores a Brasília. Notadamente, é seu primeiro projeto executado em solo paulista.
Idealizado pelo tenente coronel Casimiro Montenegro Filho, o projeto do centro nasce de um concurso de arquitetura realizado em 1947 pela Comissão de Organização do Centro Técnico de Aeronáutica (COCTA), após a definição de sua localização e baseado no relatório produzido pela consultoria do diretor do departamento de engenharia aeronáutica do MIT, o professor Richard Smith.
Para concurso fechado, definido por normas do Instituto de Arquitetos do Brasil, foram indicados cinco escritórios pelo Ministério da Aeronáutica: Oscar Niemeyer Soares Filho, Marcelo Roberto, Affonso Eduardo Reidy, Benedicto de Barros e a Companhia Brasileira de Engenharia. O edital, elaborado pela Diretoria de Engenharia da Aeronáutica (através do arquiteto Hélio de Oliveira Gonçalves) e baseado no relatório de Smith, era bastante detalhado. O anteprojeto B, de Oscar Niemeyer, foi o vencedor, sendo elogiado pelo desenho do arruamento, por manter o traçado da estrada Rio-São Paulo, pelo posicionamento da zona recreativa que conectava a cidade ao CTA e por diversos projetos de edifícios considerados os que melhor atenderam às exigências.
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Após a publicação do resultado, Niemeyer encontrava-se nos Estados Unidos por integrar o grupo internacional de arquitetos encarregados de desenvolver o projeto da sede da ONU. Uma recusa inicial de seu visto devido a sua filiação ao Partido Comunista Brasileiro havia causado uma repercussão negativa junto ao Governo Federal, de modo que em março de 1947, o presidente Eurico Gaspar Dutra intercedeu contra a contratação de Niemeyer. O primeiro boletim reservado emitido pelo CTA, portanto, afastava-o do projeto. Mesmo entrando com recurso junto ao Ministério da Aeronáutica, foi apenas através da intervenção de Casimiro Montenegro que o arquiteto conseguiu manter-se ligado à execução do centro, embora indiretamente representado por seus colegas Fernando Saturnino de Britto e Rosendo Mourão.
Edificações
Entre o resultado do concurso e a construção, o projeto passou por diversas modificações até a elaboração dos desenhos executivos. Notadamente, o traçado definitivo da rodovia Presidente Dutra obrigou a adequação do anteprojeto urbanístico, e os blocos residenciais, previstos majoritariamente com três pavimentos sobre pilotis, foram revistos com menor altura devido a constatação de más condições de solo.
No total, foram construídos 16 blocos de habitação em cinco tipologias básicas, embora com algumas diferenças sutis entre elas.
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Os blocos H10 (duas unidades), H18 (três unidades) e H21 (uma unidade) caracterizam-se por apartamentos geminados em dois pavimentos, formando um longo volume horizontal de corte trapezoidal. A fachada inclinada, característica de sua arquitetura do período, virou padrão em todo o centro, sendo parcialmente protegidas por muxarabis em referência à arquitetura colonial (uma influência de Lucio Costa). Aos fundos encontram-se os pátios das unidades térreas (definidos por paredes oblíquas de tijolos assentados de forma a tirar proveito de sua furação) e o corredor de acesso às unidades superiores, fechadas em dois tipos de elementos vazados e brises verticais e acessado por esculturais escadas helicoidais.
Seguindo mesmo tratamento volumétrico, os blocos H20 (duas unidades) e H22 (uma unidade) contém apartamentos assobradados com salas de estar em pé-direito duplo. A fachada de acesso destaca-se pelas paredes de concreto vazadas e seus jardins cobertos por pérgolas.
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Os blocos H19 (duas unidades) são uma variação maior do H20/H22, contendo varandas protegidas por brises horizontais e acesso marcado por uma marquise sustentada por pilares metálicos em V. O acesso se dá por uma porta lateral de frente a um jardim comum a duas unidades sob um fechamento em madeira e ao lado de uma parede revestida por tijolos cerâmicos maciços. As salas, com pé-direito duplo, contam com uma sanca de iluminação curva em concreto.
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Os maiores apartamentos formam as duas unidades dos blocos H17, de espacialidade mais rica. Locando os quartos sobre pilotis que definem varandas em frente salas de pé-direito duplo, estes eram reservados para oficiais de patentes mais elevadas.
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Finamente, três unidades dos blocos H8 foram dedicadas a estudantes da Escola Profissional. Com um perfil dinâmico, seu acesso se dá através de uma extensa varanda cuja cobertura se apoia sobre pilares em V de concreto. Estes não foram executados de acordo com os desenhos e, já em 1957, foram ampliados, prejudicando a iluminação e ventilação dos cômodos e alterando o perfil das empenas.
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A escola profissional, que abriga o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), é um conjunto de quatro edificações. A maior caracteriza-se por um longo bloco administrativo sobre pilotis com cobertura em sheds (escondidos por alta platibanda), ao qual conectam-se perpendicularmente as salas de aula. Enquanto a circulação do primeiro é aberta como uma varanda, os corredores de acesso às salas aproveitam-se da orientação solar e são protegidos por brises verticais de cimento armado pintados de azul que também envolvem escadas helicoidais.
O edifício da biblioteca e auditório marca, volumetricamente, ambas funções, sendo a primeira desenvolvida em dois pavimentos (um semienterrado) coberta por cinco abóbadas conjugadas.
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Na parte posterior, localizam-se dois laboratórios: o de estruturas, em pórticos curvos de concreto, anuncia a versão preliminar do edifício da Bienal, no Ibirapuera, tal como a demolida fábrica Duchen, em Guarulhos. Já o laboratório de máquinas e ferramentas desenvolve-se em um pavimento coberto por sheds.
Além destes, os edifícios do restaurante, do túnel de vento, do laboratório de motores e mesmo uma capela foram construídos tendo em base projetos de Oscar Niemeyer. No entanto, com seu progressivo distanciamento do projeto, que se efetiva em 1958 devido ao atarefamento associado à Brasília, estes foram executados sem um detalhamento mais atencioso por parte do arquiteto: o restaurante ficou a cargo da Equipe de Infraestrutura do CTA, que aproveitou-se da solução em abóbada; o túnel de vento, com seus suportes curvos, tal como o laboratório de motores (cuja entrada é marcada por marquise típica do arquiteto) foram edificados após grandes desentendimentos entre o Niemeyer e o COCTA; e a capela, uma variação triangular sobre o tema da famosa igreja da Pampulha, foi construída a partir de uma adaptação do projeto por parte de Rosendo Mourão, sem algumas qualidades estruturais originais.
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Ficha Técnica
- Nome da obra: Centro Técnico de Aeronáutica, atual Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial.
- Autores: Oscar Niemeyer, Fernando Saturnino de Britto, Rosendo Mourão
- Ano de início: 1947
- Ano de conclusão: 1956
- Endereço: Praça Marechal-do-Ar Eduardo Gomes 50 - Vila das Acácias, São José dos Campos - SP, 12245-021
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