Até alguns anos atrás, a margem direita do Rio Sena, em Paris, era uma via de trânsito rápido por onde passavam mais de 40 mil veículos todos os dias. Apesar de ter sido nomeada Patrimônio Mundial da Unesco, a via costumava estar totalmente engarrafada nos horários de pico ou funcionar como um corredor para os carros em alta velocidade. Por isso, colaborava para as taxas de poluição atmosférica da cidade, que com frequência costumavam ultrapassar os limites da União Europeia, e para milhares de mortes na capital francesa todos os anos.
Em 2016, a via foi convertida em um parque linear livre de carros, usado tanto durante a semana pelas pessoas a caminho do trabalho quanto por moradores e turistas para atividades de lazer nos finais de semana. A mudança foi parte de um esforço maior para melhorar a qualidade do ar e de vida em Paris – um programa que mais tarde ficou conhecido como “Cidade de 15 Minutos” –, abrangendo uma ampla gama de investimentos públicos em transporte, sustentabilidade e novas políticas para fortalecer a governança na escala dos bairros.
Além de uma melhor qualidade do ar, moradores como Corinne Ansel, 57 anos, mãe de quatro filhos, percebeu uma melhora em sua qualidade de vida em outros aspectos também.
“Quando as ciclofaixas nas margens do rio foram inauguradas, eu comecei a fazer todos os meus deslocamentos a pé ou de bicicleta, mesmo nos dias de teletrabalho”, ela conta. “Que prazer é pedalar no meio de Paris, ao longo do Canal Saint Martin e do Sena, em ciclofaixas seguras”.
A opção pela bicicleta em seus deslocamentos diários também reduziu seus tempos de deslocamento pela metade.
O que começou como um programa para recuperar espaços viários dominados pelos veículos privados se tornou uma agenda ampla para transformar a cidade em um lugar onde as pessoas possam ter acesso a empregos, comércio, tratamentos de saúde e serviços culturais a uma curta distância de suas casas.
Desafiando o domínio dos carros
Apesar de ser reconhecida por seu charme histórico, Paris viveu um boom automotivodurante as décadas de 1960 e 1970 que congestionou e poluiu a cidade. Durante esse período, as margens do Sena, até então livres de carros, foram convertidas em avenidas e rodovias urbanas dominadas pelos veículos.
Em 2001, o então prefeito de Paris, Bertrand Delanoë, deu início a uma série de reformas e investimentos sociais e ambientais na cidade, incluindo o primeiro grande programa de bicicletas compartilhadas do mundo e o primeiro plano climático de Paris. Sua vice-prefeita, Anne Hidalgo, foi eleita prefeita em 2014. Depois de uma sequência de medidas discretas focadas em veículos privados e poluentes, habitação social e qualidade de vida, Hidalgo articulou sua ambiciosa agenda política de reeleição, em 2020, em torno do objetivo de transformar Paris em uma “cidade de 15 minutos”.
A partir de noções urbanísticas reconhecidas, o conceito de “cidade de 15 minutos” foi concebido por Carlos Moreno, professor da Faculdade de Administração da Sorbonne. O conceito é inspirado na ideia de “crono-urbanismo” – pensar nas cidades em termos de tempo, proximidade e ritmos diários e sazonais. A principal ambição desse modo de planejar as cidades é “consertar” o modelo urbano carrocêntrico e adotar um modelo de bairros de uso misto, no qual os moradores estejam a 15 minutos de distância dos serviços essenciais a partir dos meios de transporte menos poluentes, como caminhada, bicicleta ou transporte coletivo.
Bairros mais fortes e participativos
Com a primeira onda dos bloqueios em decorrência da Covid-19 em 2020, a gestão de Hidalgo aproveitou o momento para dar o primeiro passo rumo à Cidade de 15 Minutos e ampliou o conjunto de ciclofaixas temporárias e o cronograma de fechamento de ruas para garantir mais espaço ao distanciamento social. Hoje, a cidade possui mais de mil quilômetros de rotas cicloviárias, incluindo ciclovias segregadas, ciclofaixas pintadas sobre o pavimento e faixas de ônibus que foram convertidas e atualmente são abertas para ciclistas.
Paris também focou em transformar estabelecimentos educacionais em centros comunitários para criar bairros mais saudáveis. A medida principal foi a abertura dos pátios de escolas e creches depois do horário comercial e nos finais de semana para oferecer aos moradores espaços públicos de lazer. A medida foi complementada por um programa de pedestrianização de ruas escolares com o objetivo de incentivar meios de transporte seguros e não motorizados nos deslocamentos até a escola.
Matthieu Cornet, morador do 18º distrito em Paris e pai de três filhos, contou sobre como aproveita comodidades importantes próximas de sua casa, como lojas, espaços verdes e de lazer, piscina e outros serviços públicos. “É através do projeto Cidade de 15 Minutos que podemos usufruir essa proximidade com os serviços que nos rodeiam. É uma grande vantagem quando você vive na cidade.”
O desenvolvimento urbano focado nos moradores tem provocado mudanças na forma como a cidade é administrada também. Novas medidas devolvem determinados aspectos e decisões políticas aos distritos municipais e suas subprefeituras. Paris criou oportunidades de participação para que os moradores de todos os distritos possam contribuir com o planejamento na escala dos bairros e obter melhorias como novos espaços verdes, embelezamento do ambiente urbano, mobiliário e infraestruturas de micromobilidade. Em 2021, a cidade também disponibilizou um orçamento participativo de 75 milhões de euros que os moradores podem distribuir entre os projetos a partir de votações.
Desencadeando um movimento global
Anne Hidalgo sabe lidar com turbulências. Ela estava à frente da administração de Paris durante o tiroteio no Charlie Hebdo em janeiro de 2015, os ataques de novembro de 2015 e o incêndio na Notre-Dame em 2019. Sua empreitada para concretizar a Cidade de 15 Minutos depois de uma pandemia traumática para as cidades chamou a atenção de prefeitos, prefeitas e outras lideranças urbanas em todo o mundo como um exemplo de recuperação pós-pandêmica. O conceito foi adotado de diferentes formas por diferentes cidades, como Melbourne (Austrália), Ottawa (Canadá) e Xangai (China).
Moreno, o criador do conceito, defende que a reverberação da ideia se deve à criação de uma linguagem simples e de uma visão atrativa para a vida urbana compartilhada entre moradores, cidadãos, políticos, planejadores urbanos, incorporadoras imobiliárias, varejistas e outros.
Ele acredita que o conceito tornou-se global e já não pertence mais a seus projetos ou à cidade de Paris, especificamente.
“Hoje, temos centenas de cidades em todos os continentes abraçando essa ideia ao mesmo tempo”, afirma. “Tornou-se uma ideia compartilhada de bem comum baseada em cidades de curta distância... Uma trajetória para mudar radicalmente nosso estilo de vida urbano.”
Via WRI Brasil.